Crônicas de um Chefe Escoteiro
A simpática Viúva Dona Eufrásia Mercês Pimenta
Há
tempos que tínhamos ouvido falar das fantásticas quedas e corredeiras d’água na
Serra do sol Poente. Falavam coisas lindas e sempre pensamos em ir lá. Mas o
tempo foi passando e nada. Não era tão longe. Disseram-nos que mais ou menos
230 quilômetros. A estação da estrada de ferro ficava distante, e depois mais
de 100 quilômetros. Podia até tentar levar as bicicletas no bagageiro do trem e
de lá seguir nas bicicletas. Mas seria muito trabalhoso. Todas as quedas d’água
e corredeiras diziam ficar nas terras da Viúva Dona Eufrásia Mercês Pimenta.
Ninguém sabia dizer como ela era. Poderia ser simpática ou talvez não, pois
poderíamos fazer uma viagem atoa caso ela negasse nossa entrada em suas terras.
Nossa
Patrulha decidiu ir naquele julho de 1956. Onde morávamos o frio já tinha ido,
o céu azul e o calor de mais de trinta graus mostravam que faríamos uma linda
atividade. A Patrulha não foi completa. Chiquinho arrumou um emprego de ascensorista
no novo prédio da telefônica e sair agora seria ruim para ele. Bem ainda
restavam os cincos seniores da pesada que decidiram ir. Nosso plano era de dois
dias de viagem nas bicicletas, ficar lá cinco dias e voltar. Nove dias total.
Dois dias antes da partida deixamos tudo preparado e cada um levou seu material
para colocar em suas bicicletas. Tínhamos vários bornais próprios que no
bagageiro e no quadro levamos tudo além de nossas mochilas.
Na manhã de sábado lá fomos nós. O povo
gostava de nos ver passar. As bandeirolas nas bicicletas chamavam a atenção e
claro, sempre cantávamos a plenos pulmões quando fazíamos este tipo de
atividade. Já nos conheciam. Pegamos a estrada que nos levaria a Nova Estância.
Primeira parada. 120 quilômetros. Chegamos cedo. Passamos pela cidade e
acampamentos na beira do Rio Paredes. No dia seguinte bem cedinho onde o sol
ainda não tinha dado as caras e após um café do Fumanchú que era bom na cozinha
lá fomos nós.
Ainda
não eram cinco da tarde e começamos a subir uma montanha que não dava para
pedalar. Empurrando subimos uma boa parte dela e avistamos uma placa que só
poderia ser da Viúva Dona Eufrásia. – “Estância da Felicidade”. Bom saber
disto. Se fosse verdade a viúva seria uma pessoa amável e não negaria nosso
pedido para explorar e acampar naquelas terras de belas quedas e belas
corredeiras. Eu mesmo já tinha feito plano de descer em uma numa jangada que
iria construir. Adorava estas aventuras. Avistamos ao longe a casa da fazenda.
Que beleza de casa! Linda! Parecia aquelas dos filmes mexicanos nos faroestes
que assistíamos.
Chegamos e
avistamos na varanda uma mulher que só poderia ser ela. Alta, loira, magérrima,
uma boca enorme com poucos dentes e cariados. Lembrei-me dos desenhos do Popeye.
Era parecidíssima com a Olivia Palito! Mas falar o que ali? Precisávamos de
autorização. Estávamos em terra estranha. Ela mandou subir. Vinte lances de
escada até a varanda. Ao lado dela dois homens com cara de mau. Não nos
apresentou. Depois ficamos sabendo que eram jagunços dela. Estranhei a mulher.
Ela não tirava os olhos do Romildo. Era nosso Monitor. Não estávamos entendendo
nada. Ela mandou sentar. Olhava para o Romildo como se fosse comê-lo vivo! –
Voces podem ir passear onde quiserem. Este moço fica comigo!
E agora?
Fazer o que? Dona, disse o Fumanchú, ele é nosso líder. Sem ele não dá! – Ela
nos olhou de cima em baixo, virou para um dos jagunços e disse – Leve-os até a
saída da fazenda. Se não forem embora nada que uns tiros não resolvam. Meu
Deus! Que enrascada era aquela? Todos nós tremíamos de medo. Romildo tremia
mais ainda. Lá fomos nós sem o Romildo. Na porteira de saída os jagunços
tiraram os revolveres. Saímos em disparada. Na curva paramos. O que fazer?
Israel disse que devíamos esperar. Romildo a noite daria um jeito de fugir. Assim fizemos duas da manhã, estávamos
acordados a beira de um fogo e eis que ele chegou gritando – Montem! Pé na
taboa! Os jagunços estão atrás de mim.
Olhe levamos
menos de um dia e meio para chegar em nossa cidade. Que aperto meu Deus!
Romildo não quis contar nada. Com muito custo contou uma parte. A Viúva disse
que gostou dele. Não iria mais deixá-lo ir embora. Só morto! Mesmo ele dizendo
que era menor de idade, tinha família e nada. Levou ele para o quarto. Romildo
não contou o que aconteceu lá. A gente imaginava. Conseguiu se mandar quando
ela roncava e como roncava. Pena que nossa atividade deu em nada. Para não
perder tudo que preparamos fomos até Derribadinha. Lá podíamos acampar a
vontade nas Terras do Seu Machado.
Um dia quando
crescer em volto lá. Disse o Romildo. Irei com voces. Seremos seis homens
feitos. Não posso ficar sem visitar aquelas terras cheias de cachoeiras e
corredeiras! Pensei comigo. Ele vai sozinho nessa eu não entro mais e garanto
que ninguém da Patrulha vai! Mas fiquei em duvida. Duvida mesmo. Ou será que
Romildo gostou da Viúva Eufrásia Mercês Pimenta? Ninguém nunca ficou sabendo.
Sei que ele casou com Marilda uma linda morena do bairro dos Pimentas! Risos.
Nada disto. Nada a ver com a viúva! E depois não me digam que isto não são
coisas de escoteiros? Risos.
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