Saudades
não tem idade.
As
exéquias do Bagre Limoeiro.
Sempre gostei de
acampar sozinho. Estar lá em plena floresta ou um vale qualquer, sem barulho,
sem conversas e claro sem desmerecer as inúmeras companhias de milhares de
amigos em acampamentos por anos e anos, para mim sempre foi motivo de doce
deleite. Quem já teve o privilegio de acampar sozinho deve saber como é. Ter a
companhia dos pássaros, aprender com eles seu gorjear, ver suas moradas e sem
barulho quando estão em bandos, seguir a pista de um quati, de um Tatu
Canastra, fazer amizade com um Lobo Guará, e deitar próximo a uma cascata de um
pequeno riacho para ouvir o som inigualável das águas borbulhantes, é
simplesmente inesquecível. E a noite? Um espetáculo a parte. O som da floresta,
dos habitantes noturnos com seu cantar alegre, quem sabe uma coruja Buraqueira
de olhos grandes a olhar você como a dizer - O que vem fazer aqui no meu lar? E
as estrelas. Ah! As estrelas. Ficar horas e horas vendo o movimento delas, ser
surpreendido com um cometa azul que passa riscando os céus ou mesmo com o
delicioso cair do orvalho, a molhar seu rosto de uma forma carinhosa e
simpática.
Desde Sênior que
fazia isto. Hoje não mais. Minhas pernas resolveram aposentar e minhas forças
costumam me dar um adeus sem horas para voltar. Mas fiz muitos. Pelo menos dois
por ano lá ia eu para os meus “cantos” de laser. Acho que o último deve ter
sido há uns vinte anos atrás. Eu tinha ou acho que ainda tenho quatro locais
lindos. Os meus preferidos. Achava melhor que ir desbravar locais inóspitos a
não ser em boa companhia de bons acampadores. A Represa do Gavião era ideal.
Uma bela mata, um bom gramado, muitos pés de bambus e peixes e o melhor de
difícil acesso. E como tinha peixes meu Deus! Bastava levar um quilo de sal,
uma meia lata de óleo, açúcar, café, um ou dois Bombril, um facão, uma faca (a
minha que tenho desde os doze anos), uma machadinha, uma manta uma muda de
roupa e mais nada. Se fizesse frio nada que um Fogo Espelho não resolvesse. E
se chovesse deixe a chuva cair que faz bem a saúde e a mente. O cheiro da terra
molhada é de deixar qualquer um inebriado. Aonde ia a comida era farta.
Goiabas, jabuticabas, mamões verdes ou maduros, maxixes, maracujás, pés de
taioba, de mandioca, batata doce e peixe. Uma quantidade imensa. Precisava de
mais?
Precisava voltar a
Represa do Gavião. Na ultima vez que lá estive, pesquei um enorme bagre
cinzento. Grande mesmo. Demorou para tirar do anzol. Foi então que ele olhou
para mim e como a dizer o que ninguém entenderia, me pediu com aqueles olhos
chorosos a devolvê-lo as águas da represa. – Eu tenho mulher e filhos
Escoteiro! Meu coração partiu de dó. Sem pestanejar o coloquei de novo na água
escura da represa. Já tinha pego uma traíra que nada me pediu a não ser tentar dar
uma mordida em minhas mãos. Ao colocar o bagre na água, ele sumiu no remanso
escuro da noite. No dia seguinte à tarde fui pescar uns lambaris para a janta.
Seria sopa de maxixe, mandioca e batata doce com pedaços suculentos de lambaris
fritos. E não é que o danado do Bagre estava lá, a nadar e pular como a dizer:
Obrigado, muito obrigado. Agora você é meu amigo. Estava com seis limões que
tinha achado um pouco acima da represa próximo a cascata do Arco Iris e o
apelidei de Bagre Limoeiro.
No dia seguinte
fui lá para cumprimentar o meu amigo Limoeiro. Ou melhor, o Bagre. Estava na
beirada da represa, preso entre ramos e morto. Incrível! Ontem estava bem e
hoje assim? O peguei e ele piscou os olhos pela última vez. Pensei que iria
sentir falta dele quando ali voltasse. Resolvi enterrá-lo na beira da represa.
Deixar para que outros peixes o comessem não seria certo. Um pequeno buraco,
folhas diversas e o coloquei lá dizendo adeus. Fiquei triste e preocupado. Será
que fui o culpado? Ele não tinha ficado tanto tempo fora da água. Mas fazer o
que? À tardinha voltei ao meu local favorito de pesca e não é que lá estavam um
enorme bagre e mais seis bagrinhos? Esposa e filhos do Bagre Limoeiro? Não sei,
mas brincavam sem medo de mim na superfície da água.
Eu sinto falta de muitas coisas que fiz
no passado. Muitas mesmo. Falta dos bons acampamentos, dos bons desfiles, de
minha corneta favorita, do meu bastão de guia, dos grandiosos Fogo de Conselho
em varias partes do Brasil e algumas no exterior. Falta dos amigos que se
foram, das caminhadas, das incríveis jornadas ciclísticas, dos deliciosos
momentos de deleite quando ribombavam trovões e raios em um acampamento. Eram
meus momentos favoritos. Adoro a chuva. Mas saudades mesmo eu sinto dos meus
acampamentos a Escoteira (aquele que anda só). Dizem que saudades não tem idade
e não são apenas lembranças. É como se estivéssemos lá fazendo tudo de novo. E
eu com minhas saudades na minha cadeira favorita na varanda do meu lar, vendo o
entardecer de um sol que já se foi só tenho a agradecer a Deus pelos momentos
felizes que passei no Movimento Escoteiro. Belos momentos a sós junto à
natureza. Acho que valeu e se valeu eim?
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