Lendas
escoteiras.
Nazareno,
o menino Escoteiro que falava com o céu.
Quanto tempo? Muito. Mais de quarenta
anos. Uma vida. Não sei onde ele anda hoje e se ainda continua nos caminhos que
escolheu. Não digo que foi um santo que foi um pecador nada disto. Poderia
dizer que nasceu em uma família errada, na cidade errada. Nazareno nunca foi um crédulo, um homem de
Deus. Na época ele não teve escolha. Como Escoteiro sempre foi considerado um
simples menino sem muitos conhecimentos religiosos. Fora coroinha da Paróquia
São Geraldo por pouco tempo. Seus pais quiseram que ele fosse padre, um bispo
um cardeal. Sonhos de muitos pais em cidades do interior. Não porque fosse um
prodígio em religião ou milagreiro, nada disto. Eu pessoalmente na época, com
parcos conhecimentos espirituais achava que ele estava em contradição com as
leis da natureza. Claro que tinha excepcional inteligência para sua idade e em
alguns casos poderia dizer mesmo que fazia milagres ou tinha parte com o
demônio. – Deus me livre!
Nazareno procurava sempre
esconder sua mediunidade em falar com os mortos. Ninguém sabia. Dizem hoje que
a mediunidade faz parte da natureza. Que todos nós sem perceber somos médiuns,
uns mais outros menos. Não vou entrar no mérito da questão. Não estou aqui para
escrever sobre uma crença, uma Doutrina, uma ideologia ou uma filosofia como
querem alguns definir o espiritismo. Prefiro ficar com Mateus, em 15, 14 que
dizia: – “Deixai-os; cegos são os condutores de cegos. E se um cego guia a
outro cego, ambos vão cair no abismo”. Quem sabe é melhor ficar com Nathalia
Wigg que disse – “A maior mediunidade que um homem pode desenvolver é a
capacidade de amar”. Quando era lobinho sempre o achei taciturno, reservado e
retraído. Brincava, cantava, mas não parecia estar ali junto com seus amigos de
matilha. Quando passou para Escoteiro o encontrei uma vez depois da reunião
chorando. Seus olhos cheios de lagrimas. Seu corpo tremia. Sempre assim calado,
sem dizer nada. Perguntei o que havia e ele me respondeu melancólico que eu não
iria entender. Ninguém o entendia. Isto aconteceu várias vezes. Como Monitor nunca
comentei o caso na Corte de Honra.
Cidade pequena, praticamente
católica como ajudá-lo? Quanta vez ao sair da barraca pela manhã, com o sol já
despontando no horizonte, eu o avistava sentado em um lugar qualquer, olhando
para o céu? Um dia me disse – Monitor sabe de uma coisa? Tem alguém me dizendo
que devemos esperar que se o amor se propagasse no mundo com mais força que a violência
a violência desaparecerá, a maneira da treva quando a luz se lhe sobrepõe. Eu
tinha treze anos, não entendia nada do que dizia. O dia amanhecia e lá estava a
Patrulha nos seus afazeres. Nazareno corria com os outros nas atividades, mas quase
não sorria. Só uma vez o vi sorrindo quando alguém brincou no Fogo de Conselho com
os novatos com a velha brincadeira do Serafim. Você conhece o Serafim? Não?
Aquele que fica assim? Ele ria. Não a gargalhada que todos davam.
Acredito que tudo piorou quando
na missa do domingo, a tropa presente e ele sem ninguém perceber foi ate onde
estava o padre e em alto e bom som disse para todos os presentes: – “Somos
companheiros otimistas no campo da fraternidade”. Se Jesus espera no homem, com
que direito deveríamos desesperar? Aguardemos o futuro triunfante, no caminho
da luz. A terra é uma embarcação cósmica de vastas proporções e não podemos
olvidar que o Senhor permanece vigilante no leme! – Todos os presentes na
igreja ficaram estupefatos. Ninguém entendeu nada. Pudera entender o que? Um
menino Escoteiro com chapéu na ombreira, olhando para o céu e de mãos postas
dizer aquelas palavras? Era santo? Ou estava tomado pelo demônio que fingia
para todos ali presentes? O padre ficou possesso.
Na escola sua professora Dona
Neide, uma matrona dos seus quarenta anos sem filhos, magra, parecendo a Olivia
Palito esposa do Popeye o pegou varias vezes de olhos fechados, escrevendo sem
parar no seu único caderno que era para fazer a lição de casa. O pegava pela
orelha e o arrastava até o diretor. Era difícil entender o que estava escrito vários
rabiscos que precisariam ordenar para entender. E depois? Como explicar aquelas
palavras? – “Quando cada um transforma-se em livro atuante e ao vivo as lições
para quantos nos observam o exemplo, as fronteiras da interpretação religiosa
cederão lugar a nova era da fraternidade e paz, que estamos esperando”. Não foi
uma só vez. Foram várias. Ninguém para explicar e ajudar. As brigas homéricas
do padre versus professora versos pais versos chefes eram constantes. Cada um
querendo que o outro resolvesse.
Ao fazer quatorze anos já com
sua Segunda Classe, Nazareno desistiu de sua Primeira Classe. Pela primeira vez
pensou em abandonar o Grupo Escoteiro. Ele sabia que era o único lugar que
ninguém perguntava e se preocupava com sua maneira de ser. O aceitavam como
era. Mas eu, como Monitor de sua Patrulha ficava de olhos nele. Tinha medo que
ele fechasse os olhos e desaparece em alguma mata ou bosque e pudesse acontecer
o pior. Mal sabia eu que ele era assistido por milhares de espíritos protetores
que iriam sempre lhe mostrar o caminho do bem. Um dia sua mãe procurou o grupo
e disse para o Chefe umas verdades. Este me chamou e ela sem papas na língua
disse em alto e bom som que nós não nos preocupávamos. Que o deixávamos fazer
suas ilusões mentirosas e até mesmo falar com Deus. Alguém soprou no ouvido
dela e do padre que era mediunidade. A resposta dela foi que não era
mediunidade, era coisa do demônio ou dos escoteiros que o levavam a acreditar
em tudo.
Mal sabíamos nós que o fenômeno
mediúnico já estava fazendo parte dele. Mesmo sendo uma criança a partir do
momento que se deixa dominar a influência espiritual está presente. Ainda bem
que ele tinha amigos que o protegiam na espiritualidade. Sabemos que quando
isto acontece pode um espírito qualquer aproveitar a circunstância e querendo
fazer coisas erradas, e claro por satisfação do obsessor que nada mais é alguém
de um passado seu. Nunca vi em Nazareno ações destemperadas. Se fosse hoje
poderia dizer que ele estava tendo comunicações mediúnicas na acepção da
palavra. Mesmo que todos queriam interromper esse fenômeno não iriam conseguir.
E tudo seria tão simples com a oração, a pacificação, o desligamento do mal e
seria fácil fazê-lo desligar daquela ação.
O pior aconteceu. A família de
Nazareno começou a ser estigmatizada. Todos passaram a evitá-los. O dia ele
chegou e me procurou chorando – Monitor tenho de sair. Meus pais vão mudar
daqui. Nem sei qual cidade vamos e eles me pediram e até ajoelharam em meus pés
para procurasse ser normal lá. Não entendi, pois me acho normal. Nunca disse
para você, mas vejo tanta gente quando ando, quando durmo, e ate aqui no grupo
eles estão. Não fazem mal a ninguém, pois me disseram que onde houver um
ambiente saudável, cristão, onde Deus está presente eles não faram nenhum mal.
Sabe Monitor, aqui encontrei uma paz que não encontrava na escola e nem em
minha casa. A Lei Escoteira e minha promessa nunca será esquecida.
Eles partiram duas semanas
depois. O tempo passou. Esqueci-me por completo de Nazareno. Vinte anos depois
alguém me chamou quando descia a pé a Avenida Angélica. Olhei para trás e reconheci
Nazareno. Vestia simples, uma camisa verde desbotada e uma calça jeans velha.
Calçava um sandália de couro. Convidou-me para um café. Contou-me sua vida
depois da mudança. Seus pais morreram logo. Disseram que foi de desgosto. Eu
vim para São Paulo aqui me casei e aqui criei meus filhos. São três. Um deles é
formado em engenharia. Os demais seguiram outro rumo, mas são pessoas honestas
e decentes. Eu e Linda minha mulher descobrimos um Centro Espírita próximo a
minha casa lá no Bairro Santa Amélia. Gostei quando me aproximei deles. Gente
simples. Não são um órgão centralizador. Apenas alguns princípios básicos que
sustentam a Doutrina. Participo ativamente quando não estou trabalhando. Sou
pedreiro e isto me dá o suficiente para minha família. Há algum tempo estou
escrevendo. Ou melhor, psicografando. Ainda não tenho nenhum livro. A maioria
do que escrevo são mensagens para pais saudosos, e graças a Deus eu tenho ajuda
de amigos espirituais que fiz nesta jornada desde que estou lá.
Fiquei ali com Nazareno por horas.
Para dizer a verdade ele tinha uma voz que me encantava. Falava pausadamente
sem ostentação. Seus olhos brilhavam quando falava da sua nova vida. Insistiu
para que um dia fosse a sua casa. Sua esposa já sabia de mim, pois ele sempre
contou sobre seus tempos de escotismo. Hoje não participa. Ainda se sente um
Escoteiro. Mas suas horas de folga, seu tempo livre é dedicado a ajudar os que
procuram no centro. Sabe Monitor, eu sou muito feliz em poder ajudar no
tratamento, orientação dos problemas materiais e espirituais dos que procuram minha
ajuda no Centro Espírita. – Monitor, ele disse, eu gosto de recepcionar os que
nos procuram. Eu sei que o primeiro contato é a primeira impressão que
cativarei para ajudá-lo em tudo que for possível. Não fui a casa dele. Talvez
pela falta de tempo. Devia ter ido. Afinal hoje eu sou um Kardecista de mão
cheia. Quem sabe um dia vou lá?
Obs. Muitos dos escritos aqui são palavras de Chico Xavier em suas
centenas de livros.
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