Lendas
escoteiras.
O dia em que Lagoa Vermelha parou para
assistir o casamento do Chefe Bento Soares.
Era uma cidade feliz. Muito
mesmo. Todos lá se conheciam e eram grandes amigos. Aos sábados e domingos se
reunião na praça central, cumprimentando-se, contando “causos” e lembrando-se
dos velhos tempos. Chefe Bento era uma figura de destaque na cidade. Não porque
fosse politico, mas pela sua bondade, pelo seu sorriso e pelo seu trabalho em
prol da comunidade. Além de Chefe da Tropa Escoteira Andrômeda ele trabalhava
no Posto de Saúde da cidade há mais de vinte anos. Dizia-se que quase todos os
habitantes de Lagoa Vermelha foram escoteiros e isto quem sabe explica a grande
amizade entre eles. Chefe Bento era mesmo diferente. Se fosse padre estaria
explicado, mas não era. Sua tropa Escoteira o adorava. Nunca faltou a uma
reunião. O Padre Albertinho não fazia nada sem o consultar. Fizeram tudo para
ele se candidatar a prefeito e sempre recusou. O Prefeito Belarmino e as demais
autoridades tinham por ele o maior respeito.
Morava em uma casa simples bem
próximo da sede Escoteira motivo pela qual ela estava sempre cheia de escoteiros.
Sua mãe dona Lindalva tinha uma paciência enorme. Nunca brigava com a meninada.
Ela comentava sempre que se Jesus dizia “vinde a mim as criancinhas” porque eu
também não faço o mesmo? Chefe Bento estava noivo de Cidinha, uma jovem
simples, que trabalhava como servente no Grupo Escolar Flores da Cunha. Magra,
loira e uns olhos azuis que quase não se via, porque ficava sempre de cabeça
baixa. Cidinha também era um amor de pessoa. Os alunos adoravam seu estilo e só
não entrou para o Grupo Escoteiro porque achava que não tinha “estudo”
suficiente. Fizera somente o quarto ano primário e parou de estudar para trabalhar.
Sua família dependia dela. Chefe Bento e Cidinha namoravam desde crianças.
Ambos achavam que não podiam viver um sem o outro. Nunca houve palavras bonitas
entre eles de “eu te amo” “estou apaixonado” e só se beijaram uma vez, mas um
beijo calmo, nada de língua prá lá e prá cá.
A cidade em peso esperava o dia do
casamento. Seria em 22 de novembro próximo. Menos de cinco meses. Seria uma
festa de arromba. O Padre Albertinho fez questão de celebrar o casamento sem
nenhum ônus para eles. A igreja vai ajudar também nos móveis do casal. Os
lobinhos, escoteiros, seniores e pioneiros se cotizaram para as demais
despesas. Uma lista foi passada de mão em mão de casa em casa. Estava quase
cheia. Vários fazendeiros prometeram bois, porcos, galinhas e o clube de mães
da igreja e do Grupo Escoteiro comprometeram-se a fazer tudo. Tudo caminhava a
mil maravilhas. Em 12 de junho a tropa foi acampar na Serra da Felicidade.
Sempre acampavam lá. Ficava nas terras do Coronel Adauto, um fazendeiro amigo e
conhecido de todos. Na abertura do campo o Coronel Adauto estava presente. Ele
gostava de ver a escoteirada formar e cantar o hino Nacional. Todos se
espantaram desta vez. Ao lado dele uma bela morena de olhos negros, saia
curtinha, cabelos negros longos, corpo escultural. Linda de morrer! – Minha
sobrinha disse. Veio morar comigo.
As patrulhas estavam cismadas. Chefe
Bento presente como sempre foi, mas agora tinha ao seu lado a bela Francisca e
eram somente sorrisos. Dia e noite juntos. Um dia Pedrinho os viu beijando
junto ao moinho do Ventor. Um susto. A tropa toda ficou sabendo. Logo a cidade
em peso sabia. Segredos? Ali em Lagoa Vermelha não havia. Todos sabiam de tudo.
– Coitada da Cidinha diziam. Ela calada. Parecia que não estava revoltada.
Claro, Chefe Bento continuou indo a sua casa como se nada tivesse acontecido.
Um dia procurou o Padre Albertinho. - Senhor Padre, disse – Não vou confessar
agora. É só um conselho. Não sei o que diz meu coração. Não quero ficar sem a
Cidinha. Ela é meu sonho para vivermos juntos para sempre. No entanto não sei,
mas estou amando a Francisca. O que faço padre?
Lagoa Vermelha em peso
“cochichavam” entre si. O disse me disse das comadres eram enormes. Quem é essa
Francisca? De onde veio? Tomar o Chefe Bento da Cidinha? Vai ver que é uma
“pistoleira” da cidade grande. Onde o Coronel Adauto arrumou esta bruxa? Durante
um mês o buchicho não parou. Chefe Bento não sabia o que fazer. Não tinha
coragem de olhar nos olhos de ninguém. Sempre de cabeça baixa. O Coronel Adauto
um dia pediu para ele ir até a fazenda. E agora pensou Chefe Bento? Ele vai me
imprensar na parede. Não sei o que fazer. Nem mamãe soube me aconselhar.
O dia acabava de amanhecer. Um
céu avermelhado prenuncio de um dia quente e sem chuva. Um carro preto, grande
atravessou a cidade de ponta a ponta e se dirigiu a fazenda do Coronel Adauto.
O povo só ficou sabendo quando Zé das Flores, um vaqueiro da fazenda, entrou no
Boteco do Martinho e contou as novidades. O marido da Francisca veio buscá-la.
Era não queria ir. O Coronel Adauto ficou calado. Eram casados e ela devia
obrigação a ele. Não concordou com a farsa dela se apaixonar pelo Chefe Bento.
Pensou várias vezes contar o que sabia. Era casada com um mafioso da capital.
Sujeito perigoso. Ela fugiu dele e mesmo aconselhando a voltar não aceitou.
O povo viu o carro preto
pegando a estrada da capital com a Francisca dentro. Quando Chefe Bento soube,
dizem seus amigos lá do posto de saúde que ele chorou. Dois meses depois o
casamento foi realizado. Vieram escoteiros de varias cidades. Fizeram uma
bonita passagem de bastões para ele e Cidinha passar quando saíram da igreja. Padre
Albertinho sorria também. Quem sabe ele toma jeito? A nova casa estava preparada,
mas eles pouco ficaram ali. Pegaram o ônibus de Lagoa Formosa naquela tarde e
foram em lua de mel merecida.
Acompanhei tudo. Sei que o
Chefe Bento nunca mais foi o mesmo. Seu sorriso espontâneo desapareceu. Todos
diziam que Cidinha estava sempre com os olhos vermelhos. Dois anos depois
nasceu Tomé, um ano mais e Marcela veio ao mundo. Pararam por aí. Sei que
depois dos dois rebentos os sorrisos voltou ao rosto do Chefe Bento. Sei também
que eles viveram felizes para sempre.
Nenhum comentário:
Postar um comentário