Hora dormir,
amanhã é outro dia...
Se existem sonhos, a vida continua.
Foi em uma manhã como as outras. Levantei cedo
como sempre faço. O sol já brilhava dando seu bom dia a todos. Hora de partir.
Seria uma simples caminhada como fazia todos os dias. Sentia-me bem e enquanto
caminhava dava tempo de pensar no passado e no futuro. O presente eu o estava
vivendo e o achava radiante. Eu sorria feliz. Caminhava com prazer e alegria e
em passos trôpegos, pois a idade e os prêmios que ela a idade me trouxe não me
deixavam ir mais rápido. Era uma trilha. Uma linda trilha. Eu a descobri por
acaso há alguns meses. Havia marcas a cada cem metros. A trilha não tinha mais
de um quilômetro. Para mim o suficiente. Sabia que meu corpo de Velho trôpego
não ia aguentar mais.
Tinha percorrido não mais que quatrocentos
metros. Ainda faltava seiscentos para o final. Eu ia aguentar sem sombra de
dúvida. Não dizem que devagar se vai ao longe? Os dois jovens se emparelharam
ao meu lado. Dois frutos da mocidade. Ele com seus dezessete ou dezoito anos,
alto, forte, camiseta para mostrar seu tórax e seus músculos fortes. Era um
guapo rapaz. Ela nos seus quinze ou dezesseis anos. Magrinha e pequena, mas
sadia. Sorridente ao lado do seu amado. – Ouvi seu vozeirão dirigido a mim -
Velho levante o corpo, aprume os ombros, ande feito homem! – Olhei para ele.
Sorri. Não ia dizer nada. Não tinha o que dizer. – Ele continuou – Conheço
muitos velhos como você que andam feito homem! – Pensei comigo se eu era homem
mesmo. Mesmo assim não disse nada e sorri.
A caminhada ainda estava
longe do final. Seiscentos metros percorridos. Eles ao meu lado. Lembrei que
quando cheguei passaram por mim correndo. Deram uma volta enquanto em andava em
passos de tartaruga para percorrer cem metros. – Velho ele continuou – Esqueça
suas dores, suas doenças, vamos Velho levante os ombros, dê uma passada mais
larga. Velho ande feito gente grande! Quantos iguais a você percorrem caminhos
mais longos? Quantos iguais a você ainda fazem questão de correr a São
Silvestre? – Eu olhei de novo para ele. Minha respiração começou a acelerar.
Era hora de diminuir o galope trôpego que estava dando. Sabia que meu ar tinha
de ser dosado. Ele faltava de vez em quando. De novo olhei para ele e sorri.
Não disse nada. Estava cansado. Muito. Para que responder a ele?
A jovenzinha o pegou pelo braço. Vamos meu
querido. Ainda temos mais de vinte voltas a percorrer. Deixe o Velho em paz!
Olhei para ela e senti uma alma boa. A gente nesta idade sabe onde mora a
beleza no coração. – Ele rispidamente respondeu a ela que sabia a hora de
correr. Que ela ficasse na sua! Ela abaixou a cabeça e não disse mais nada. Era
submissa. Quem sabe o amor por ele a obrigava a aceitar tudo que ele dizia?
Pensei comigo: - Será que seria uma boa esposa? Não sei. Prefiro não comentar o
futuro dos dois. Ele olhou para mim sorrindo com ar de deboche – Velho, neste
seu andar vais morrer logo. Parece como o meu pai. Sempre se entregando ao
corpo. Eu nunca serei assim, sempre serei forte e a velhice nunca vai existir
como existe em você. E o jovem partiu correndo. Sua cara metade correu atrás.
Eles viraram a direita na trilha
que se escondia ao longe do pequeno bosque. Eu continuava calado, sorria, sabia
o que eu era e o que sou e quem sabe o que serei. Desejei a ambos que a
felicidade morasse para sempre com eles. Pedi a Deus que ambos vivessem juntos
por toda a eternidade. Eu sabia que era um Velho. Um dia fui moço, corri mundo
com meu chapéu de abas largas, com minha mochila escoteira, arvorei bandeiras
aqui e ali por este país imenso. Eu me julgava imune à velhice. Mas ninguém
escapa ao seu destino. Que ele e ela tivessem uma velhice tranquila. Senti uma
brisa leve e intermitente no rosto. Eu gostava. As brisas das manhãs sempre me bem.
Era um santo remédio. Lembrei-me das grandes caminhadas que fiz. Das grandes
aventuras que se foram. Acho que era por isto que eu estava ali todos os dias
mesmo com o pulmão reclamando porque lhe dei tanta nicotina no passado.
Demorei algum tempo, mas consegui chegar ao
final. Tartaruga ambulante eu me apelidei. Sorri para mim mesmo ao pensar
assim. Amanhã estarei de volta nesta gostosa trilha dos amores, dos amantes
sonhadores dos velhos aventureiros que hoje não passam de uma pequena gota de
orvalho do passado. Eu sabia que a vida continua. Não sei se os verei
novamente. Não importa. Se isto acontecer irei sorrir para eles. Enquanto puder
darei minhas voltas de um quilômetro. Não mais. Não adianta tentar andar mais
que isto. Minha respiração não é boa. Queria um dia dizer a eles que tentava
empinar os ombros, andar ereto e não conseguia. Minhas caminhadas sempre foram
assim nos meus últimos tempos. Não sei se enganava a mim próprio. Eu sabia que
meu corpo se esvaia aos poucos. Se não fossem estas pequenas caminhadas e a ajuda
de Deus, eu sei que estaria entregue a um corpo inútil em uma cama qualquer de
um pronto socorro da vida. Farei quantas caminhadas conseguir. Sorrirei para
quantos jovens passar por mim. Devagar me lembrei do lindo versinho de Maria
Cláudia – “Antes de correr, aprenda a andar. Tudo na vida tem sua hora, seu
lugar. Tartarugas também chegam La!”. E meus amigos, se existem sonhos nos
sabemos e também a certeza que a “vida continua”!
Boa noite durma gostosamente bem. Que a semana seja
florida e que tudo para você seja mais do que espera. Que Deus esteja com todos
vocês!
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