Conversa
ao pé do fogo.
Dick
Barzon o Escoteiro do Rio chegou na cidade.
O tempo passa célere e quase não vemos as
mudanças que nos transformam e se não segurarmos com mãos fortes nosso passado
acredito que a vida não teria o valor que devemos dar a ela. Alguém um dia me disse que o passado de cada
um tem seu valor próprio. Os jovens que estão vivendo hoje se lembrarão também
dos seus velhos tempos. Velhos tempos! Não foi o título de um filme? Novos e
velhos tempos! – “Como era belo viver, enlaçado por um anel... Nas costas uma
mochila, ao longe uma bandeira, embrenhar em matas na trilha que foi
desfeita”... Ah! Escotismo. Quantas coisas vivemos num mundo mágico a sombra de
um arco íris cercados de borboletas coloridas e lindos beija flores parados no
ar, como se fossem se elevar em poucos instantes ao céu.
Meu primeiro amor. Treze anos e já amava
alguém. Levantei cedo. Só um milagre para isto. Acontece que o milagre estava
acontecendo. Era terça feira. E as terças e quintas eram meus dias de
encantamento. Benditas férias escolares, sem elas não poderia vê-la. Terça e
quinta eram sagradas. Dias que eu poderia sonhar e suspirar. Maria das Dores!
Quantas vezes sonhei com ela? Nos meus treze anos me apaixonei profundamente.
Soube muito tempo depois que a chamavam de Dorita. Tomei um café correndo com
minha mãe dizendo que comesse um biscoito. Lá fui eu feito um maluco pelas ruas
da cidade onde junto à nova praça de esporte eu iria vê-la. Parei sentado em
minha bicicleta esperei ela chegar à janela. Quanta ansiedade. Seu rosto
apareceu belo como se fosse a Virgem das Rochas impossíveis, ou melhor, a
Madonna dos Rochedos onde Leonardo da Vinci fez a sua mais pelas telas que um
dia pintou e ficou na história.
Olhou-me com um sorriso simples, jogou
seus cabelos loiros de um lado a outro me deu uma piscada de olhos e um
adeusinho. Isto me encantava. Era lindo. Minha namorada eterna que iria morar
no meu coração para sempre. Fechou a janela e se foi. Era assim nosso amor. Eu
não importava. Agora era esperar a quinta feira onde eu poderia vê-la
novamente. Quantas saudades iria sentir por esperar uma eternidade de um dia
depois do outro. Mas o destino da gente não dá para descrever. A vida de um
menino é cheia de nuances e eis que meu Monitor chegou a toda velocidade em sua
bicicleta verde. Vermelho com a corrida, Chapéu e uniforme gritou alto – Tem
Escoteiro novo na cidade! O Escoteiro do Rio chegou! Está na sede! Vamos La!
Esqueci meu amor. Um Escoteiro novo na cidade? Isto era demais. Dorita ficou
esquecida na minha mente. Ela iria esperar que meu escotismo fosse guardado em
outras plagas. Desculpe meu amor.
Pelas barbas do profeta. Uma oportunidade
única para ver o verdadeiro Escoteiro do Rio de Janeiro. Sempre foi assim. Era
chegar um deles de qualquer cidade e a escoteirada ficava em polvorosa. Dorita,
minha linda Dorita me perdoe. Juro que irei ver você outro dia. Peguei minha
bicicleta pneu balão verde e lá fomos nós em desabalada carreira para a sede. A
escoteirada e a lobada já estava lá. Mais de cinquenta meninos ansiosos pelo
novo badeniano. Todos nós vibrávamos quando aparecia um Escoteiro ou Chefe de
outra cidade. Ninguém ficaria de fora sem olhar e conversar com ele. No centro
da roda ele chamava atenção. Uniforme diferente. Calça azul, camisa de mescla
azul clara, meiões pretos e uma boina preta tipo Montgomery. E na boina tinha
um lindo distintivo de metal em forma de asas com uma flor de lis.
Cheguei e entrei na roda. - Sempre
Alerta disse! Ele sorriu para mim. Sentei e ele continuou conversando com
todos. Dizia que morava próxima a praia do Arpoador (não fazia a mínima ideia).
Era Escoteiro do Ar. Já tinha viajado em diversos tipos de avião. Seu pai era
Piloto da Panair do Brasil. Contou que fazia mil coisas como Escoteiro do Ar. Seu
pai tinha um teco-teco e ele por diversas vezes dirigiu o monstro. Acamparam em
Paquetá, em Niterói, na região dos lagos, já fora na Alemanha, nos Estados
Unidos. Lindo! Supimpa, este sim era o Escoteiro do mundo. Um autentico
acampador! Ficamos ali por horas. Todos ouvindo o Escoteiro do Rio contando
suas aventuras.
Lá pelas duas da tarde o convidei para
ir almoçar comigo em minha casa. Fiquei esperando sua resposta quando a maioria
também convidou. Ele agradeceu, pois estava na casa da avó e se não fosse lá
almoçar teria que ouvir poucas e boas. O escoltei até a Rua Peçanha perto da
Padaria do Tunico Boca Grande. Ele no portão deu um sempre alerta e entrou. Durante
a semana ficávamos o dia inteiro com o Escoteiro do Rio. Passeamos com ele em
vários lugares e depois de consultar o Papaleguas nosso Monitor o convidei a ir
a uma excursão noturna no Pico do Papagaio no próximo sábado. Estava no programa
e ninguém iria faltar. Iriamos logo após a reunião terminar e voltaríamos no
dia seguinte à tarde. Ele aceitou só não tinha mochila. Sem problemas. Tínhamos
guardado na sede várias ganhas da polícia militar. As demais patrulhas sabendo
que ele iria resolveram ir também.
Sábado, sete da noite. Lá íamos nós em fila indiana as quatro patrulhas
e o Guia Cocada seguia em frente. Eu ia ao lado do Escoteiro do Rio. Orgulhoso.
Iria contar para muitos que ele ficou do meu lado e subiu a serra comigo. O
Pico do Papagaio era próximo a nossa cidade. O duro era a subida. Treze
quilômetros que matava qualquer um. Eu já tinha ido lá varias vezes e jurava
sempre quando ia que seria a última vez. Eram onze e meia da noite. E não foi
que aconteceu uma surpresa. O Escoteiro do rio começou a chorar. Paramos. Quem
sabe um espinho? – Eu quero mamãe! Eu quero mamãe! – Deus do céu! O que era
aquilo? Só então ele nos contou que tinha dez anos e ia passar para a tropa no
fim do ano. Era lobinho e seu pai comprou tudo que ele precisava para ser
Escoteiro!
Foi demais para mim e todos da
Patrulha. Rimos a mais não poder. Achávamos que junto a nós estava um Super Escoteiro,
e não passava de um lobinho crescido e que nunca fez atividade em Patrulha.
Estava morrendo de medo e de cansado. Distribuímos sua mochila entre nós, e
voltamos à cidade. As demais patrulhas continuaram. Eram uma da manhã quando o
deixamos na porta da avó dele. Os olhos cheios de lágrimas. Chorava de fazer
dó.
Bem, lá se foi o nosso herói. Mas
sabíamos que ele iria crescer. Aprender e ser um bom mateiro, mas que servisse
de lição para não ser gabola, mentir dizendo o que não era. Nunca mais ouvi
falar no Escoteiro do Rio. Para dizer a verdade nem o nome dele ficamos
sabendo. Só no dia que partiu contou que se chamava Dick Barzon. Quem sabe ele
está aqui a ler esta história e vai lembrar? Alô Escoteiro do Rio, (hoje
beirando os setenta anos) Sempre Alerta para você! Apesar dos pesares você
significou muito para nós. Sempre Alerta! E meu namoro com Dorita continuou por
mais alguns anos. Ela lá naquela janela encantada a piscar para mim e eu
encostado no muro a sonhar, quer melhor que isto? Risos.
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