Rafael.
Um Escoteiro
Segunda Classe.
Ficou dias na encosta do Morro Vermelho
treinando. Conversou com muitos que conseguiram e conquistaram o direito de
ficarem marcados no Livro da Patrulha. Parecia tudo muito simples, mas Rafael
tinha medo. Não aquele medo de tremer, de correr de procurar um lugar para se
esconder. Nada disto. Era um escoteiro Noviço e tinha orgulho da sua Patrulha Morcego.
Ele olhava os segundas e primeiras classe da Tropa Escoteira e ficava
imaginando como ser um. Era seu sonho. Sabia que eles tinham um olhar de
vitória e seu sucesso lhes dava o brasão sonhado de serem considerados
acampadores de primeira linha.
Tinha receio que no dia chovesse ou
o orvalho do entardecer o prejudicasse. Aprendeu a escolher a boa lenha, o capim
certo e Josiel o ensinou a afiar seu canivete e sua faca Mundial. Seu pai lhe
deu uma pedra de afiar a óleo. Josiel sorria para ele quando mostrou em um
movimento circular ele passar as duas faces da lâmina de um lado e outro sobre
a pedra. Rafael, quando a lâmina estiver no ponto passe ela por uma tira de
cabedal polvilhada com um produto de polir. Fixe uma das pontas da tira de
cabedal e estique-a bem, passando depois a faca e o canivete ao longo da tira,
com o lado rombo da lâmina voltado para si e o lado cortante apertado de
encontro à tira.
Ele não tirava o olho de Josiel. Havia
guardado suas palavras quando finalmente terminou dizendo: - Rafael volte à lâmina
e passe-a ao longo da tira em sentido contrário, com o lado rombo voltado na
direção oposta à do seu corpo. Pronto agora sua faca e o canivete ele estará
pronto para uso. Rafael aprendeu e treinou o quando pode afiando as facas de cozinha
de sua casa. Fez o mesmo na Casa vizinha de Dona Rute e Dona Sinhá. Ele estava
pronto para o desafio para receber finalmente sua Segunda Classe.
No acampamento Rafael escolheu um
bom local para o Fogo do Conselho. Preparou tudo na véspera com pedras e areia
que retirou do Córrego do Peixe para a segurança de se acender um fogo na mata.
No dia do Fogo de Conselho teve licença do Monitor para a montagem final.
Cortou achas pequenas e grandes, preparou dezenas de tiras de madeira cortadas
como se fossem papelão com sua faca e depois preparadas com o canivete. Galhos
fininhos eram expostos para uso. Encontrou próximo ao local uma toifa de Capim angola
(brachiaria mutica) seca.
O sol já estava se ponto quando
Rafael terminou sua pirâmide e iniciou a montagem em volta com achas mais grossas
montando em volta como se fosse uma fogueira de São João. Bocaina um Sênior Construtor
de Pioneiras deu a ele as dicas de como colocar pequenas achas para que a
fogueira permanecesse acesa por duas horas sem necessidade de renovar o fogo.
Com muito cuidado Rafael colocou uma pequena lona para proteger do orvalho da
noite e de possível neblina que pudesse prejudicar todo seu trabalho.
Todos já haviam se aboletado em
volta do futuro fogo para mais uma noitada alegre de fogo de conselho. Chefe Tomaz
convidou Rafael para acender o fogo. Deu a ele um palito de fósforo e um pedaço
da caixa. Sorriu para ele desejando sorte. Rafael não tremia. Suas mãos estavam
firmes e se dirigiu ao fogo que tinha montado. Ajoelhou. Fechou os olhos e pediu
a Deus que não o deixasse falhar na sua grande obra. O fosforo foi aceso.
Devagar ele o levou a entrada da fogueira até o pequeno túnel que fez por
baixo. O fosforo piscou algumas vezes querendo apagar.
Um silêncio profundo se fez. Todos
torciam por Rafael. Uma pequena fagulha clareou parcamente dentro da armação da
fogueira. Pequenas chamas brotaram. Todos ficaram de pé aplaudindo Rafael. Ele
conseguiu! – Uma palma escoteira ressoou logo após um grande Bravoô! – Uma Bandeira
Nacional surgiu nas mãos de Coleman o Monitor. Ele a soltou segurando as pontas
com as mãos. Rafael tinha os olhos rasos d’água. Com o grito da Patrulha e o
Lema ele finalmente recebeu nas mãos do Chefe Tomaz sua Segunda Classe. Um dia
que ficou na história para ele por toda sua vida!
Nota - Um conto para quem já foi um Escoteiro
Segunda Classe. São fatos marcantes e que são recordados por toda a vida quando
um escoteiro conseguia finalmente receber seu distintivo quase sempre na
solenidade de uma fogueira. Algumas tropas aproveitavam para que o agraciado recebesse
seu nome de guerra, pulando por três vezes sobre o fogo gritando alto o nome
escolhido. Coisas do passado. Coisas que ficaram para sempre na memória de quem
teve a honra de participar.
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