Uma crônica do cotidiano.
Se existem
sonhos, a vida continua.
Faço uma caminhada todos
os dias. Tem alguns que não consigo. Falta o ar o cansaço chega e nestes dias
passo a maior parte em minha varanda singela pensando no que fazer. Hoje comecei
a divagar e me lembrei de um fato acontecido que gosto de lembrar. Uma manhã de
sol... Lá fui eu na minha caminhada. Perto tem um Centro Esportivo muito arborizado.
Gosto de lá. Não ando muito, máximo um quilômetro. Mais não aguento. Caminhava
com prazer e alegria mesmo com meus passos trôpegos já que a idade não me deixava
ir mais rápido. Uma pequena trilha. A percorro todos os dias. Outros também
comparecem para correr e passam por mim voando como se tivessem asas. Sorrio...
Quem dera pudesse fazer isto também. Corpo de Velho trôpego não ia aguentar
mais.
Claudicando eu ia cantando, forçando
o pulmão para aproveitar o ar da manhã, das árvores copadas que enchiam de perfume
minha caminhada. Ah! Que saudades dos meus acampamentos! Já tinha percorrido
mais de quinhentos metros. Meu corpo respondia aos passos. Um e dois, um e
dois. Notei que emparelhou ao meu lado dois jovens. Ele e Ela. Dois frutos da nova
mocidade que percorriam a mesma trilha que eu. Ele alto, forte sem camiseta
para mostrar seu tórax e seus músculos fortes. Era um guapo rapaz. Ela nos seus
quinze ou dezesseis anos, magrinha e pequena, mas sadia sorria ao lado do seu
amado. – Ele virou para mim e disse: - Velho levante o corpo, aprume os ombros,
ande feito homem! – Olhei para ele. Sorri. Não ia aceitar a provocação. – Ele
continuou – Conheço muitos velhos como você que andam feito homem! – Ora, ora
pensei. Será que não era homem? Mesmo assim não disse nada e continuei calado.
Sem pressa eu dava minha
última volta. Eles ao meu lado. Eles já tinham passado por mim várias vezes
enquanto eu em passos de tartaruga forçava para percorrer alguns metros. –
Velho ele continuou: – Esqueça suas dores, suas doenças, vamos Velho levante os
ombros, dê uma passada mais larga. Velho ande feito gente grande! Quantos
iguais a você percorrem caminhos mais longos? Quantos ainda fazem questão de
correr feito homem? – Eu olhei de novo para ele. Minha respiração começou a
falhar. Diminui meus passos trôpegos. Meu ar tinha de ser dosado. Quando não me
sinto bem ele reclama. De novo olhei para ele sem nada dizer Estava cansado.
Muito. Para que responder a ele?
A jovenzinha o pegou pelo
braço. - Vamos meu querido, disse. - Ainda temos mais de dez voltas a
percorrer. Deixe o Velho em paz! Olhei para ela e senti que era uma alma boa. É
fácil reconhecer onde existe a beleza no coração. – Ele rispidamente respondeu:
- Paro quando quiser, corro quando quiser. Ela abaixou a cabeça submissa. Quem
sabe o amor a obrigava a aceitar o que não queria. Meditei. Será que o futuro
deles seria de amor para sempre? Não sei. Era melhor não comentar o futuro dos
dois. Ele olhou para mim com ar de deboche – Velho, neste seu andar vais morrer
logo. Parece como o meu pai. Sempre se entregando. Eu nunca serei assim, quando
a minha velhice chegar não serei como você e meu pai. E o jovem partiu
correndo. Ela correu atrás.
Logo desapareceram na curva do
caminho. Continuei calado, sabia o que eu era e o que sou e o que serei.
Desejei a ambos muitas felicidades. Pedi a Deus que desse vida longa para o
casal. Eu sabia que era um Velho. Um dia fui moço, corri mundo com meu chapéu
de abas largas, com minha mochila escoteira, arvorei bandeiras por lugares nunca
antes imaginado. Também me julgava imune à velhice. Mas ninguém escapa ao seu
destino. Senti uma brisa leve e intermitente no rosto. Eu gostava. As brisas
das manhãs sempre me bem. Era um santo remédio. Lembrei-me das grandes
caminhadas que fiz. Das grandes aventuras que se foram. Acho que era por isto
que eu insistia em andar para não me maldizer de tantas nicotinas que aspirei
quando jovem.
Cheguei ao final da trilha.
Tartaruga ambulante pensei comigo. Sorri para mim mesmo ao pensar assim. Sentei
em um banco a beira da trilha. Gostava de ficar ali, vez ou outra passarinhos
voavam baixo chilreando enviando mensagem de amor. Quantos dias mais eu ainda
iria caminhar? Minha amada trilha era agora percorrida por jovem amantes
sonhadores que acreditam nunca serão velhos como eu. Ah! Aventureiros que se
foram. Gota de orvalho sumindo no meu passado. A vida continua. Será que os
verei novamente? Não são escoteiros disto tinha certeza. Não sei e isto não importa.
Não desejava nada ruim
para eles. Eram hoje guapos jovens. Não sei se gostariam de ouvir alguém dizendo
no futuro para empinar os ombros, andar ereto e não ser um velho inútil. – Deixe
a vida me levar e a deles também. Que minhas caminhadas pudessem ser realizadas
por muito e muito tempo. Sentado no banco em um caminho arborizado, eu não sei
se enganava a mim próprio. Procurava manter meu corpo firme mesmo sabendo que o
tempo não perdoava a idade. Acredito que sou um velho feliz. Deus está comigo, ela
também e mesmo com suas dores me dá o que preciso para continuar. Não quero
terminar meus dias em uma cama ou em um Pronto Socorro a quem chamo de
Purgatório.
Amanhã estarei
de volta às trilhas do meu bem querer. Farei quantas caminhadas conseguir.
Sorrirei para quantos jovens passar por mim. Devagar me lembrei do lindo
versinho que sempre me vem à memória: – “Antes de correr, aprenda a andar. – “Tudo
na vida tem sua hora, seu lugar”. Tartarugas também chegam Lá!”. É meus amigos,
se existem sonhos nos sabemos e também a certeza que a “vida continua”!
Nota de rodapé:- As coisas têm que
passar, os dias têm que mudar, os ares têm de ser novos e a vida continua... Em
qualquer lugar! Uma pequena crônica simples, sem muitos trejeitos apenas para
meditar!
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