Uma linda historia escoteira

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Era uma vez...

domingo, 28 de julho de 2019

Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro. As velhas tralhas escoteiras que amei.




Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro.
As velhas tralhas escoteiras que amei.

Prólogo: - A modernidade chegou, se gasta os tubos para ter um material completo de Patrulha. Se o intendente não é dos bons em pouco tempo tudo está perdido, estragado, com ferrugem ou é deixado displicentemente em qualquer lugar onde foi usado. Mas temos que seguir a trilha do moderno, faz parte. Haja dinheiro para gastar!

- Houve um tempo e põe tempo nisso, eu participava de uma Patrulha de amigos e irmãos que hoje estão no céu. Da Patrulha Lobo era o terceiro escoteiro Escriba com muito orgulho. Foi uma época de liberdade, de escotismo alegre e solto, daqueles que ao passar um fim de semana na sede dava uma canseira e uma moedeira que o próprio Chefe Jessé sorria sabendo o que estávamos a pensar e desejar. Acampar, excursionar e aventurar por aí. Exigente dificilmente dizia não. Se uma Patrulha quisesse acampar ele anotava onde, quando e se tínhamos permissão do dono do lugar. Às vezes nos visitava na sua Philips negra e era uma graça o ver batendo pedal nas horríveis trilhas do lugar. No nosso saco de Patrulha feito com saco de estopa, do mais usado e que aguentava tranco, ganho no Armazém do Grilo do Senhor Pastor, cabia toda nossa tralha de sapa e de cozinha. Com um idêntico fazíamos o nosso colchão. Era só encher de folhas e capim seco. Se precisássemos de uma panela, de um caldeirão ou de uma frigideira era só ver se a mamãe de alguém tinha para doar. Tudo muito simples, poucas noites, uma caçarola e caldeirão bastavam. Sete itens para levar distribuídos entre os patrulheiros. Éramos preparados, podíamos dizer que todos tinham a marca do bom acampador e nem precisa de lista ou lembrar.

- Lembro quando acampamos em Conselheiro Pena, um grupo novo, cheio da grana, Luiz Antônio filho do Doutor Mateus e prefeito, nos mostrou um conjunto de panelas que seu pai comprou. Lindo! Uma encaixada na outra, um jogo de tirar o cozinheiro da sua sina de panelas sujas, sebentas onde o Bombril ainda não existia e a areia era o capacho para limpar. Olhei para as panelas brilhantes de um alumínio reluzente e pensei: - Valeria a pena? Mas o preço oh! No segundo dia na inspeção perderam ponto, pois as panelas amassaram e o encaixe deixou de existir. O tempo passou, de um alumínio brilhante viraram sebentas também. Durante quatro anos na Patrulha só uma vez precisamos de um facão. O nosso já velho e alquebrado serviu para pagar um almoço lá prús lados de Bom Jesus, cansados de uma jornada e mortos de fome sem tutu, o dono do restaurante beira da estrada Rio Bahia topou a pé uma troca de um prato feito pelo facão. Seu Belarmino do Curtume Santa Rita nos presenteou com um novinho. Eita gente boa para doar...

- Mas a modernidade não parou por aí. Quando nos meus dezessete anos fui fazer um Curso de Adestramento Básico em 1959 conheci o Lampião a Gás vulgo Liquinho. Luz branca, clareia longe e tudo ao redor. Parecia uma lâmpada de 220 w. Perguntei ao JF (João Francisco) um dos membros da equipe se era caro. Ele com aquele estilo Bipidiano de Chefe novo rico gritou o preço de uma vez só: - Duzentos reais! (em dinheiro de hoje). E o gás? Se não tiver a venda na sua cidade é melhor usar lamparina! Continuamos por muitos e muitos anos com o velho e amado lampião a querosene e a lamparina sem capa de vidro. Fizemos com nossas próprias mãos uma carretinha. As rodas foram doadas pelo Zé Sinfrônio que nos ajudou a fazer o eixo e o mancal. Mais tarde vimos algumas com rodas de pneu de borracha, lindo demais. Sem tutu para  gastar, continuamos com a nossa com rodas de madeira ripada com latas de marmelada e goiabada bem desamassadas e pregadas no cume de cada roda.

- Todos nós tínhamos nosso Vulcabrás. Bom para andar e bom para durar. Zeca filho do dono da Padaria um dia perguntou ao Chefe Jessé se podia usar um quedes (Tênis) preto que comprou na capital. Todos da tropa olharam para ele espantados. Não conheciam o tal quedes. Usei Vulcabrás por muitos e muitos anos. Pedro Piaba um dia chegou com um Canivete Suíço. Gente quanta coisa o tal canivete tinha. Tirava rolha, tampinha, tinha serrotinho, cortador de unha, descascador de batatas e o escambal. Fiquei pensando na limpeza com talco Johnson todos os dias para inspeção. Na nossa tralha de corte tínhamos uma enxada pequena sem cabo e um enxadão (fazíamos os cabos quando no campo de Patrulha). Quase não usávamos a enxada e o enxadão. Ganhamos do Seu Norberto uma pequena lâmina com cabo que servia para furar qualquer buraco na terra e fácil de carregar. Naquela época ninguém conhecia o sisal, mas todos eram peritos em cipós, de qualquer qualidade.

- A cada dois ou cinco anos, o Sexto Batalhão da Policia Militar de Minas gerais sediado em nossa cidade desfazia de parte do seu material de sapa usado e doava a quem precisasse. Chefe João Soldado terceiro sargento sempre estava na fila dos pedintes e recebíamos barracas (duas lonas) mochilas de praça e oficiais, material de corte e sapa, até mesmo vasilhame principalmente as canecas e marmitas de campanha. Munir o maestro e intendente geral substituía nas patrulhas aquelas que estivessem mais estragadas. Dificilmente comprávamos alguma coisa. Nem mensalidade pagávamos. Cada Patrulha tinha sua Bandeira Nacional. A nossa puída e nem sei quando conseguiram uma nova para substituir. Quando saímos para acampar cada um ficava com uma banda da barraca (duas lonas) e no campo fazíamos os espeques e varões necessários para armar. Não tinha taxa de acampamento. Cada um levava de sua casa seu quinhão dependendo os dias acampados.  

- Hoje tudo mudou. A modernidade chegou. Tem mensalidade, taxa de acampamento, taxa de viagem e coisa e tal. Dizem que nem bússola se usa mais. (saudades da nossa Silva e da Prismática ganho do Professor Teobaldo do Colégio Santa Cecília). Dizem que um tal de Smart Fone faz tudo. Previsão de tempo (quatro quadrinhas de tempo resolvia tudo para nós), rumo, orientação para cozinhar, quem sabe faz também almoço e jantar? Será que ele serve para pescar? Espantar uma cascavel, caçar um tatu, pegar emprestado uns ovos de avestruz? Dedilhar um violão no fogo de conselho, servir de jangada para uma estupenda travessia num rio caudaloso? Não sei, dizem que os tempos são outros, deve ser, mas não é mais o meu tempo. Ele ficou no passado e o presente está tudo mudado. Fala-se cada coisa, até palavrões nas atividades escoteiras, não faltam meninos levar camisinha para o acampamento, o sexo não mais importa pois ficar é um verbo comum adotado pelos ideólogos da atualidade. Se não concorda te chamam de homofóbico. Aquela áurea de inocência daquele olhar venturoso, do respeito ao próximo, de dizer sim senhor, de amar o vento dos acampamentos, dos sonhos da descoberta e do amor à natureza, das noites dormidas sob as estrelas acabou. Acabou? Me garantem que não. Mas são poucos como eu sou. Saudosistas, execrados pelos modernos que dizem que o mundo mudou e os escoteiro tem a obrigação de acompanhar!

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