Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro.
Reme sua própria canoa.
... - Tem hora que da vontade de largar tudo,
voltar para o paraíso, virar pescador e viver da terra, teria muito menos de
decepções. (P.H.M.)
- Não posso ficar sempre criticando. Mas
danadamente eu sou um Velho Escoteiro chato insistente. Passei por poucas e
boas em minha vida escoteira e agora entregar os pontos não vai dar. Não vai
mesmo. Ainda bem que no escotismo só temos mocinhos, não há vilões. Todos estão
imbuídos das melhores das intenções. Dizem por aí que de boas intenções o
inferno está cheio. Sem quer ofender e ferir susceptibilidades não sei se estamos
no caminho certo. Muitos não sabem se percorremos o caminho para o sucesso. Para
reconhecer o que é o escotismo devemos observar a metodologia de Baden-Powell. Procurar
um novo caminho deixa de lado o Espírito Escoteiro tão preconizado por muitos.
Afinal BP não dizia que devemos remar nossa própria canoa? Muitos dizem que não
fugimos do método. Mas será que estamos remando nossa própria canoa? O caminho
escolhido em nome da modernidade só pode ser atestado com o tempo. Um antigo
Chefe meu dizia que sem uma boa experiência não se faz o Chefe Escoteiro. Até
mesmo os cursos de formação mudaram. A técnica de campo, o sistema de Patrulha entre
outros não são assimilados pelos novos que estão chegando. Dizem que nos dias
de hoje não precisamos de bússola, aprender a seguir as estrelas, o sol, as
árvores se existem o GPS. Semáforas? Morse, nós e sinais de pista? Basta usar o
celular e o Google e está resolvido. B-P nunca negou que precisaríamos
acompanhar as mudanças do tempo, mas nunca perder a característica da vida ao
ar livre, do aprender a fazer fazendo e de seguir seu próprio caminho.
Suas palavras me dão o remo na escolha
do caminho a seguir. Dizia ele que somente pelo resultado e não pelo método que
se julga a instrução. Uma abertura que poucos entenderam. Não basta ter jovens
disciplinados obedientes, mas sem personalidade e nem força de caráter, sem
espírito de inciativa ou de aventura. Jovens incapazes de se “virarem”. Dizia
isto naquela época sem os milagres da metodologia moderna de hoje. Completava
dizendo que os tempos “modernos” tais como o crescimento das cidades, fábricas, rodovias e linhas telefônicas, e de
tudo aquilo que chamamos “civilização” a natureza ficou mais afastada das
pessoas. Suas belezas e seus milagres se tornam estranhos as nossas afinidades
pessoais com a criação divina e se perdem na vida materialista das multidões,
com suas deprimentes condições entre as espantosas construções erguidas pelo
homem. A natureza vem sendo expulsa e é substituída pela artificial e graças à
tecnologia, as nossas pernas acabarão pôr atrofiarem-se pôr falta de exercícios
e os nossos filhos terão cérebros maiores, mas sem músculos. Sem atividades mateiras e de campo tudo vai se
perder com o tempo.
- Uma vez resolvi fazer uma canoa. Risos. Isto
mesmo. Ganhei do Nonô da Noêmia um tronco de mais ou menos quatro metros por
uns 400 mm de circunferência. Falei com meu pai do meu plano. Meu pai conhecia
o Zé do Dedo, um carpinteiro bem conhecido na cidade. Disse para eu pedir a ele
a me ensinar. Zé do Dedo não pensou duas vezes. Ensinou-me a descascar a
madeira, como tratar e conservar, mantê-la seca e arejada se possível mergulhada
na água. Mostrou as vantagens da proteção do sol, não deixar o tronco em
contato com o solo enquanto trabalha. Fiquei sabendo que o tronco era um Cedro.
Perfeito para uma canoa. Eu tinha uma machadinha, meu pai me deu uma Enxó, uma
Goiva e um serrote. Zé do Dedo me emprestou um machado e um traçador. Claro que
para usá-lo precisaria de mais pessoas. A Patrulha não se fez de rogada e durante
três meses me ajudaram. Não foi fácil. Voltava da escola e por duas ou três
horas trabalhávamos na canoa com a supervisão do Zé do Dedo.
Três meses depois a canoa ficou pronta. Pesada, eu
mal aguentava levantar sua lateral. Devo dizer que a canoa na visão de um bom
construtor era feia, desajeitada, e em qualquer corredeira iria virar ao
contrário e afundar. Com dificuldade a levamos para o Rio Doce. Um amigo do meu
pai tinha um carroção. Com a ajuda da Patrulha a rebocamos até a beira do rio usando
madeira tipo escada rolante até o rio. Boiou! Choveram palmas e Arrê! Dei pulos
para o ar. Vamos testar. Zé do Dedo aconselhou ir só dois. Meus remos eram
pesados e em pouco tempo não aguentávamos mais remar. Levei a canoa até próximo
ao Curtume do Moacir. Conhecia o vigia. Ele se prontificou a tomar conta. A
canoa serviu para muita coisa. Não era a melhor canoa do mundo nunca foi. Mas
até hoje eu não esqueço o que fiz. Durou pouco tempo. Uma enchente e ela sumiu.
Não me tornei um carpinteiro e nem fabricante de canoas, mas adquiri
experiência, calos, dores nas omoplatas, mas valeu! Aprendi a fazer fazendo!
Escoteiros precisam de desafios.
É no campo que eles têm estas oportunidades. Nada pode substituir uma boa
atividade escoteira fora da sede. O modernismo oferecido hoje aos jovens é
encontrado facilmente na rotina da sua casa, na escola e com seus amigos.
Aprender fazendo é uma arte. Imbuir os jovens em algum que eles já possuem em
suas rotinas de vida é deixar o principal que é o campo. Um dia todos os jovens
irão viver suas vidas longe do domínio dos pais. O escotismo os ensina a
vivenciar isto. Difícil afirmar onde começa o caminho da modernidade e o
caminho para o sucesso. Acredito que ambos se complementam. A vida aventureira,
o ato de descobrir novos horizontes, experimentar a vida ao ar livre como os
bandeirantes do passado é fascinante. Nenhum jovem perdeu seus sonhos de serem
heróis. Proibir isto é desfaçatez. É na vida mateira que ele terá a motivação
para continuar no escotismo. Alguns estão tratando nossos jovens como bonecos
de louça. Medo disto, medo daquilo. Ele está sendo proibido de pensar e os adultos
estão pensando por eles. Decidem por eles. Esqueceram sua posição de orientador.
Desafio faz parte do jovem, deixe-o seguir com os outros esta seria sua grande aventura.
Nunca esqueci minha canoa. Meu pai foi meu
instrutor e dos bons, não deixou que eu desistisse. – Se você começou termine! Dizia.
Foi uma lição que agradeço ao meu pai. O escotismo me ensinou que desafios são
para aqueles que irão até o fim. Hoje os resultados são outros. Qualquer um
pode ver isto dentro de sua própria comunidade. Somos uns eternos desconhecidos
e dizer que a culpa é só dos chefes é hipocrisia. Precisamos nos reeducar na
vida mateira e para isto temos que preparar os novos voluntários no seu caminho
a seguir. Ninguém em sã consciência pode fugir ao escotismo de campo. Dentro do
possível podemos dar ao jovem o que ele sonha e seu sorriso valerá todo sacrifício
do mundo. É no campo que temos os meios para a formação na metodologia
escoteira. O que hoje os modernistas escoteiros estão sugerindo não está dando resultados.
Só não vê quem não quer.
Nenhum comentário:
Postar um comentário