As
crônicas de um Chefe Escoteiro.
O
celular.
Trinnn! Trinnn! Trinnn! Quem aguenta?
Tem gente que adora como diz um compadre meu. Dizem alguns que não sabem viver
sem ele, outros gastam o que não tem para trocar todo ano e outros acostumaram
tanto que ficam olhando para ele dia e noite. Noite? Sim. Conheço um que acorda
de madrugada e lá está ele com seu indefectível celular. Eu não gosto. Devia
gostar. Mas nunca tive um. Meus filhos insistem para que compre um ou então vão
me presentear. Não quero. Por favor, não! Outro dia me vi pequeno lá na década de
50 e o celular fazia parte do dia a dia de todos. Que balburdia seria.
Vi-me ali, no cerimonial de bandeira,
éramos a patrulha de serviço do dia, eu com a Nacional, e junto a mim outros
com a do Grupo e a do Estado. O Chefe diz – Firme! A bandeira em saudação!
Começa a subida das bandeiras e puxa vida, diversos celulares começam a tocar.
– Oi linda, estou na ferradura diz um, ligue mais tarde logo estarei na reunião
de Patrulha e falo com você. Ou mamãe, quando acabar vou direto para casa diz
outro eu prometi chegar cedo não disse? Você tem de me pagar o que deve ouve um
assistente da tropa. Ele fica vermelho. Estava no viva voz. Não sabíamos de um
caloteiro na tropa. Risos. E a bandeira? Acho que o cerimonial perdeu todo o significado.
E lá estava eu, junto a Patrulha de
monitores, acampados e nos conhecendo, já noite, deitados na relva e observando
o vai e vem dos cometas, o piscar das estrelas e apaixonadamente vou narrando a
todos a beleza do universo, onde ficam as constelações, os olhinhos de todos
fixos no espaço, sonhando e caramba! Toca um celular. Maldito barulho. Um dos
escoteiros meio sem jeito levanta e atende. – Não, não posso sair com você
hoje. Estou acampado. Eu sei. Mas saiba que adoro você. Calma. Não diga isto.
Amo você, mas amo também o escotismo. – Haja paciência.
E em pleno desfile, passando em frente
ao palanque das autoridades e eis que vinte celulares tocam ao mesmo tempo. O
barulho foi tanto que até escondeu o som da fanfarra. Todos atendendo ao mesmo
tempo. – Não posso agora. Estamos desfilando. Entenda, não dá para atender. Oi
bela, amo você. Tudo bem Mariquinha, à noite falo com você. Mãe, estamos
desfilando! Você não dá sossego! Belo
espetáculo. O prefeito riu. O delegado franziu a testa. A diretora da escola
fechou a cara. E os chefes ficaram vermelhos e pensando. Maldito celular!
A tropa formada. Dia de promessa. Todos
perfilados. Um Escoteiro novo se preparou por três meses para agora ter o
direito de usar o lenço e o distintivo de promessa. Ao lado o Monitor. O Chefe
pergunta: - Estas pronto para a promessa? Sim Chefe ele responde. Conhece a Lei
Escoteira? Sim Chefe! Fale do quinto artigo para toda a tropa – E eis que o
celular dele toca. Ele vira para ao Chefe. – Só um minutinho. Um amigo quer
saber se vamos ao cinema hoje. Logo, logo comento o artigo. É. Mas não para por
aí. O do Chefe toca também. É a esposa – Está no viva voz – Mauro! Você não
deixou o dinheiro para pagar a Dona Filomena! Ela disse que se não receber não
faz mais faxina em casa!
O celular. Bela invenção. Nos coloca
junto a todos que o possuem. Não temos mais o direito de ficar sozinhos. Lá
está ele nos incomodando se estamos almoçando, trabalhando, cantando no
chuveiro ele toca e intrometido como é alguém diz do outro lado – Quem está
falando? Ele que ligou e vem com essa? E ainda insiste em saber quem está
falando? Se você diz que é o Fagundes ele diz, chama a Maricota. Nem te diz bom
dia! Não pede. Ordena. Ainda bem que não tenho um. Não tenho mesmo. Até o meu
fixo evito usar. Gosto do silêncio. Adoro. Quando acampava meu esporte favorito
era chegar o mais próximo dos animais. Pé ante pé, rastejando, do lado
contrário do vento para ele não sentir, Chegar bem pertinho, sentir seu cheiro
e Puff! Toca o celular e ele sai correndo. Nunca. Não quero. Já pensou você pescando
uma bela traíra, seria sua janta e sabe que não pode haver barulho se não ela
foge. Puff! Toca o celular!
Sei que cada tropa e cada Alcatéia tem
sua maneira de agir. Mas eu? Não quero. Não gostaria de voltar ao passado,
montando um campo de Patrulha, fazendo uma mesa, um fogão suspenso e a maioria
com um celular conversando com outros a centenas de quilômetros de distância.
Ainda lembro-me daqueles novatos, que quando a noite chegava choravam pedindo
mamãe. E se tivessem o celular? – Mamãe, por favor! Venha me buscar! E berrava
de choro no celular!
Fiquem com os seus. Não tenho, e nunca
vou ter. Celulares! Eu era feliz sem eles e continuo feliz não os tendo!
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