As crônicas do Chefe Escoteiro.
(lendas para fogo de conselho)
A ardilosa Acará do riacho Vermelho.
Podem dizer
que é invenção. Podem dizer o que quiserem. Não me importo, juro pela alma do
Cavalo Baio do Seu Chico das Mercês que é verdade. Afinal tenho mais três
testemunhas (todas já se foram para ao grande acampamento). Quatro experientes
escoteiros sendo enganados por um peixe? Fiquei deveras preocupado com o
acontecido. Isto nunca aconteceu antes. Como uma simples pescaria um peixinho
“mixuruca” deu um baile em quatro primeiras classes? E sem me gabar, me
considerava um grande pescador. No Rio Doce pesquei todo tipo de peixe. Era
“bamba” na pesca do Timburé. O peixe que não era para qualquer um pescar. Um
dia até peguei um com as mãos quando mergulhava num remanso lá pelos lados de
Derribadinha.
Mas vamos
contar o que aconteceu. Acredite quem quiser. Nosso Chefe era muito amigo do Seu
Chico das Mercês. Ele tinha um sitiozinho lá pelos lados de Malacacheta. Assim
ele dizia. Um sitiozinho, mas querem saber? A cavalo precisava de mais de cinco
dias para percorrer toda sua divisa com outras fazendas. Sempre acampávamos lá.
Não era longe e ele era um amigo do peito dos escoteiros. O melhor, a mata era
linda e sumia de vista. Cinco córregos e ainda o Rio Vertente cruzava de norte
a sul em suas terras. Um local perfeito. Nada que menos de duas horas nas
nossas bicicletas não resolvesse a viagem (parece que eram duas léguas de
distancia, mais ou menos doze quilômetros).
Férias de
janeiro. Grupo fechado em férias, mas alguns da Patrulha Lobo só reclamavam de
não fazer nada. Porque não acampar? Melhor ainda, vamos levar só sal e óleo e
lá nos viramos? Desafio era conosco. Éramos quatro primeiras classes.
Experiência era o que não nos faltavam. Primeiro dia, montamos uma cabana que
quebrava o galho para os quatro dormirem. Chegamos às três da tarde. Seu Chico
sempre rindo. Era uma festa quando íamos. – Jantem comigo hoje, disse. Obrigado
Seu Chico, mas sabe como é. Pretendemos acampar lá próximo ao Córrego Vermelho e
não é perto. - Entendo ele disse. Mas cuidado. Não contem com as acarás de lá.
São danadas de espertas. Todos riram. Peixe esperto? Só mesmo o seu Chico para
dizer isto.
Lá pelas quatro
achei um local com muita minhoca “puladeira”. Perfeito. Era a melhor para a
ocasião. Cortamos eu e o Fumanchú duas varas de bambus e em minutos tínhamos
tudo preparado. Romildo e Israel ficaram no campo fazendo uma mesa. Achamos um
belo remanso. Água cristalina. Lá no fundo uma bela de uma Acará. Enorme. Rabo
vermelho. Só ela seria um jantar perfeito. Joguei meu anzol e aproximei de sua
boca. Ela deu uma nadada para trás. Fui mais próximo e ela escondeu em uma
galhada. Perdi meu anzol. Fumanchú tentou e nada. Tinha reservas. De novo ela
andando de ré. Resolveu pular na água e sumia. Aparecia em outro remanso bem
abaixo. Corríamos até lá e nada. A maldita sumia e aparecia em outro remanso.
Já ia escurecer e não tínhamos pegado nada. Caramba! E as traíras? E os
lambaris? Só aquela maldita Acará?
Não podíamos
desistir. A fome ia chegar e comer capim? Programa de índio. Foi então que
resolvemos fingir que íamos embora. Voltamos rastejando pé ante pé e vimos o
inusitado. Não era uma Acará, eram mais de vinte. Elas fingiam ser uma só.
Impossível? Já disse, juro pela alma do Cavalo Baio do Seu Chico. Combinei com
Fumanchú. Você joga a linha mais no meio e eu no inicio do remanso. Vamos nos
encontrar bem devagar. Pelo menos uma vaia morder. Sabem o que elas fizeram?
Uma fila indiana como se estivessem a escrever a palavra “otários” no fundo do
remanso. Não acreditei. E elas então ficaram juntas e vieram até a borda da
água e fizeram biquinhos como estar dando risadas.
Voltamos sem
nada. Uma noite sem comer não mata ninguém. Na volta achei um pé de banana
maçã. Quebrou o galho. Nossa pescaria mudou de rumo. Agora íamos até o rio Vertente.
Lá não teve problemas. Uma pescaria das boas. De vez em quando ia até o remanso
e ficava olhando as Acarás. Elas sempre vinham à tona e abriam sua boquinha
como a dizer: - Otários! Acho que esta foi minha melhor história. Ninguém vai
acreditar, mas fazer o que? Contei isto para muitos escoteiros. Todos que foram
lá foram tapeados pelas Acarás. Na tropa e nos Seniores não houve quem não
tentasse. Pela primeira vez, a Patrulha Lobo foi enganada por um bando de
Acarás. Um peixinho que todos dizem ser mansos e agora eu mudei de opinião.
E quem quiser
acreditar tudo bem, quem não quiser deixem a história para contar a noite em um
Fogo de Conselho. Mas não se esqueçam de dizer a todos que eu juro que é
verdade. Pela alma do Cavalo Baio do Seu Chico das Mercês.
Nota – O Cavalo Baio nunca existiu. Era uma lenda que Seu Chico
contava e ninguém acreditava!
E quem quiser que conte outra.
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