Nas terras bravias do Lago Dourado.
Foi uma
noite calma. As estrelas não cintilavam no céu como no dia anterior. Algumas
nuvens brancas as cobriam como se fossem um manto protetor. A lua se fora há
tempos. Achei que ia chover. Não choveu. Meus olhos estavam fechados. Dormitava
pela madrugada fria. Um pequeno tronco me serviu como travesseiro. Coisas de um
"Velho" mateiro acostumado. Um pequeno fogo ao lado agora só brasas
com pequenas fagulhas que se inibiam ao subir aos céus me davam um pouquinho de
calor. Pela aba do meu chapéu de três bicos eu podia ver a escuridão da noite.
Gostava dela. À noite. Era minha amiga de muitas e muitas jornadas.
Não ansiava pela
madrugada. Que ela chegasse de mansinho. Não era um arbusto e quem sabe seria
um pequeno arvoredo que encontrei perdido naquele vale dos sonhos era onde
dormia. Serviu-me de manto para a noite gostosa daquele inverno que não fora
tão rigoroso como os anteriores. Minha mochila ao lado era minha companheira de
anos e anos de caminhada. Sempre fora. Dentro dela com carinho estavam minhas
“bugigangas” de mais uma jornada. Meu bornal pendurado no galho guardava minha
“matutagem” caso tivesse fome. Abri um olho de mansinho. Avistei uma cigarra
azul que cantava baixinho seus cantos noturnos. Gosto das cigarras. Fazem-se de
pródigas e só aparecem uma vez ao ano. E como são lindas. Amo-as! Muito!
Senti uma brisa
leve no rosto. Soprava gostosamente. Gostosa mesmo. Afagante. A brisa. Sempre
perdida por aí. Nas montanhas, nos vales nos rios caudalosos ou no pequeno
riacho de aguas turvas. Uma amiga. Não se esquece da gente. Os anos passam e lá
está ela. A madrugada não iria demorar.
Grilos falantes pareciam fantasminhas na escuridão noturna. Melhor tentar
dormir. Fora um dia e tanto. Uma grande jornada de um "Velho" Escoteiro
sonhador. Um vagalume pousou no meu ombro. Sorri para ele. Enrosquei-me na Manta
Negra que um dia a muitos e muitos anos meu Vô me deu com carinho. Não sentia
frio. O corpo curtido pela idade já não era aquele de um passado que se foi.
Um pequeno lusco
fusco. Sinal que ela a madrugada ia chegar. Eu gostava das madrugadas. Eram
lindas. Não importava se com sol ou com chuva. Adorava as madrugadas nos campos
perdidos deste mundo de Deus. O cheiro da relva, das flores silvestres. O
cheiro da terra. Ah! Maravilhoso! Tive madrugadas que marcaram. Com brumas a
cobrir o campo verdejante, com brumas sobre os lagos azuis, cinzentos e
vermelhos com o sol cobrindo-os. As brumas. Ah! Adoro-as. São lindas, querem
cobrir meus olhos. Não querem que você veja ninguém só elas. Mas choram. Choram
porque o sol irá chegar e elas terão que ir para longe, aonde ele o “Senhor
Sol” ainda não chegou.
Lá no horizonte
um pequeno brilho. Pequeno mesmo. O sol. Ele estava chegando. Gostava de
anunciar sua chegada. Era o rei. Não era um astro qualquer. Não aparecia assim
do nada. Anunciava que se preparassem todos. Uma pequena claridade, um pequeno
vermelho desbotado, raios brancos tingidos de amarelo ouro e eis que ele
aparece. A montanha o reverencia. O dia nasceu. Eu estou acordado. Uma hora
sagrada. Sempre gosto de ver o nascer do dia. É como se fosse uma criança
chegando ao mundo. As brumas cinzentas me disseram adeus. O orvalho se
escondeu. A última gota d’água caiu de uma folha adormecida. A brisa insistente
continuava lá a me acariciar o rosto. Não se afastava. Uma amiga de épocas e
épocas passadas.
Hora de partir.
Não disse adeus para todos eles que me acompanharam a noite e no lusco fusco da
manhã. Não precisava. Eles sabiam que não era mais que um até logo, não era
mais que um breve adeus. Eu voltaria. O "Velho" Escoteiro não para.
Em sonhos ou pisante nos meus pés hoje cansados. Ajeitei meu lenço, arrumei meu
meião. Calcei meu velho coturno de guerra. Mochila as costas, pendurei meu
bornal no ombro. Minha forquilha de anos e anos e agradeci o arbusto que me
serviu de lar e parti. Meu rumo? O mesmo de sempre. A busca da aventura. Sabia
que em algum lugar iria encontrar o Lago Dourado. Diziam que não tinha peixes.
Que uma bruma cinza o cobria por todo o tempo. Isto eu iria ver quando
chegasse.
O sol a pino.
Gosto disto. Os primeiros pingos do suor caem e somem na estrada da vida que
leva a rumos impossíveis. Meu chapéu de abas largas me protege. A forquilha me
ajuda a andar e achar o caminho. Uma montanha verde, cheia de arvores lindas e
floridas avisto ao longe. Deve estar perto a minha busca incessante. Quem sabe
na virada da curva da Raposa que Chora eu encontro o Lago Dourado. Acordo. Era
um sonho. Sempre sonho com este lago. Um dia irei encontrar. A cada dia em meus
sonhos mais me aproximo. Levanto. Dou um sorriso. Um novo dia. Na janela o sol.
Não há brumas. Até o lusco fusco da manhã se foi. A brisa está ali de leve de
mansinho nunca deixou de me acariciar o rosto. Mais um dia iniciando. Ele vai
passar como tantos que passaram. E quando a noite chegar vou dormir, vou sonhar
e quem sabe um dia eu vou encontrar o Lago Dourado. Não vou desistir dos meus
sonhos. Eles fazem parte de mim. A cada dia eu digo, não desista
"Velho" Escoteiro. Digo sempre – “Eu voltarei”. Quem sabe um dia eu
poderei dizer que encontrei o meu querido Lago Dourado?
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