Lendas escoteiras.
O sequestro da Lobinha Aninha Pata Tenra.
Falar de
Aninha era sempre motivo de diversão. Oito anos, um ano e meio na Alcatéia, com
seu apelido de Pata Tenra era uma menina alegre espevitada, brincalhona e
sempre animada. Em qualquer roda de lobinhos escoteiros ou chefes ela adorava
conversar com todos, sempre com um sorriso nos lábios e como gostava de contar
piadas. Seu repertório era formidável. Quase nunca repetia uma piada. Onde ela
conseguia decorar tantas ninguém sabia. Diziam e sua mãe confirmava que ela
mesma escrevia. Ficava em seu quarto até altas horas da noite escrevendo uma
para o dia seguinte. Na escola uma rodinha formava em volta dela no recreio. Só
para ouvir suas piadas e dar gargalhadas. No Grupo Escoteiro todos faziam o
mesmo. Quando ela faltava às reuniões e todos sabiam que era por motivo de
força maior o comentário era o mesmo – Aninha não veio? Uma falta grande ela
fazia.
Sua
matilha tinha verdadeira veneração por ela. Os amarelos sabiam que ela animava
todas as atividades. Disse para todos que já tinha lido de cabo a rabo o Livro
da Jângal. Contava histórias da Alcatéia de Sheone e sempre com uma pitada
divertida. Sua mãe e seu pai sempre a alertaram para ser mais comedida principalmente
com estranhos. E um dia o pior aconteceu. Aninha Pata Tenra saiu cedo de casa
naquele domingo dizendo aos pais que ia ao catecismo. A igreja era perto.
Sempre deixaram. Saiu as nove e as doze não tinha voltado. Sua mãe ficou
preocupada. Quando deu uma hora foi atrás de Aninha. Na igreja disseram que ela
tinha saído às dez e meia. Onde ela teria ido? Da igreja foi à casa de uma das
melhores amiga dela. Nada. Nanda disse que não tinha visto ela no domingo. De
casa em casa e ninguém sabia noticias de Aninha Pata Tenra. A cidade era
pequena. Todos conheciam Aninha.
O
delegado colocou todos os soldados a vasculharem a cidade atrás dela. Centenas
de habitantes percorriam aqui e ali e até fora da cidade a sua procura. À tarde
chegando e o desespero tomava conta da mãe e de muitas amigas dela na Alcatéia.
A noite chegou. Um choro geral. Onde foi parar Aninha? Nunca souberam de algum
“tarado” na cidade e Aninha magrinha, sem nenhuma beleza que pudesse chamar
atenção poderia ter sido sequestrada? Dinheiro? Sua família não tinha. Eram
humildes e lutavam pela comida do dia a dia. Alguém disse que um automóvel azul
cruzou a cidade naquela manhã. – Para onde foi? Perguntou o delegado. Para a
fazenda do Chico Espinhaço. Lá foi o delegado com mais de trinta automóveis
atrás o seguindo.
Na
fazenda viram o carro azul. O delegado entrou na sede e chamou o Chico. Ele
saiu à porta com um estranho. O delegado o inquiriu sobre Aninha. – Nunca ouvi
falar ele disse. A turba que estava próxima correu e o pegou de jeito. Se o
delegado não desse uns tiros para cima eles o teriam linchado. Dois soldados o
levaram para Passo Alto uma cidade próxima. Ele não poderia ficar em Rio da
Prata. A cadeia não oferecia condições. Reviraram a fazenda do Chico Espinhaço.
Ele ficou revoltado. Mais ainda porque gostava muito de Aninha. Afinal era
diretor no Grupo Escoteiro e nunca tentaria fazer mal a ela.
Pela
manhã ninguém tinha dormido. A procura não terminou e nem parou. A cidade em
peso nas ruas. Uma revolta grande. Mandinho era Monitor dos Gaviões. Chamou a
Patrulha para procurar. Um cachorro latia sem parar próximo ao Riacho do
Lambari. Correram até lá e viram Aninha em cima de uma mangueira enorme. Ela
chorava. Tiritava de frio. Ajudaram-na a descer. – O que ouve? Perguntou
Mandinho. Ela chorando disse que foi pegar umas flores silvestres fora da
cidade e deu de cara com uma onça pintada. Correu e subiu na árvore. A onça
ficou quase a noite toda olhando para ela e deitada no tronco da árvore. Não
dormiu. Quando o dia amanheceu viu que a onça tinha partido. Não sabia descer.
Ficou com medo de cair e quando resolveu pular mesmo se machucando viu o cão
latindo e voces apareceram.
A cidade
inteira vibrou quando viu Aninha viva. O padre rezava missa por ela e quando
soube agradeceu a Deus. Seus pais choravam de alegria. No sábado na reunião do
Grupo Escoteiro todos queriam ouvir a sua história. Aninha como sempre animada
e esperta contava aumentando tudo. Já não era uma onça, mas duas com seis
filhotinhos! Dizem que “quem conta um conto aumento um ponto”. Serviu de lição
para Aninha e para todos os lobinhos e escoteiros. Nunca sair sozinho. Sempre
em duplas ou mais gente, e dizer sempre aonde vão. Aninha aprendeu. Nunca mais andava
sozinha. O sequestro ficou na memória da cidade. Seus habitantes contavam tanto
que os viajantes acreditavam. E o Senhor que foi preso esqueceram-se dele.
Ficou no xilindró por quatro meses. Coitado. Dizem que chorava a mais não
poder. Brasil, oh meu Brasil brasileiro. Mas quem sabe serviu também de lição
para o delegado? Risos!
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