Lendas escoteiras.
A sombria sepultura do Delegado Paredes.
Dizem que em cada cidade do planeta existe uma lenda sobre locais
assombrados. Podem ser casas, castelos sombrios ou mesmo cemitérios
fantasmagóricos. Dizem ainda que eles são marcados por presença sinistras que
os protegem da visita indevidas. Bem, nossa história é bem parecida. Claudinha
era guia, já entrara com treze anos para a tropa escoteira. Morava com seu pai,
viúvo, que praticamente não parava em casa. Sua Avó Rosalva era quem cuidava
dela, mas agora estava com mais de noventa anos e tinha grande dificuldade de
se movimentar. Desde pequena Claudinha era diferente das outras meninas. Seu
pai tentou tudo e por último a levou a um analista que ficou em duvida do que ela
falou em seu consultório. Claudinha dizia que via e falava com os mortos.
Ninguém entendia e riam dela. Ficou então calada e não falou com mais ninguém
sobre isto. O Doutor Marcondes se assustou. Quando conversava com ela, ela
disse que ao seu lado estava sua mãe. Dona Esmeralda pedia que ele olhasse mais
a Dircinha, pois ela era sua irmã. Ela não merecia o que estava acontecendo.
Incrível! Como ela poderia saber?
Nos
acampamentos Claudinha tinha medo da noite. Não ousava sair da cozinha e mesmo
em jogos noturnos chorava para não participar. Milena a monitora era sua melhor
amiga. Sabia o que se passava com ela. Milena e sua família eram
espiritualistas, ela sabia que Claudinha tinha mediunidade. Mas o pai dela não
aceitava de jeito nenhum. Claudinha gostava de estar nas guias, mas viu que a
cada dia ficava muito difícil. Aonde ela ia lá estavam eles, os mortos do além.
Alguns até simpáticos, mas outros horrendos. Os suicidas se apresentavam como
estavam na hora da morte. Gritando e gemendo de dor. Outros esqueléticos e até
crianças chorando. Para muitos um desespero e para Claudinha então? A Chefe
Maninha começou a se interessar por ela. Procurou seu pai e quase toda semana
ia lá trocar ideias com ele. Chefe Maninha era espiritualista, não uma
estudiosa, mas tentava conhecer o mundo alem da vida. Diferente do Chefe
Raimundo. Um homem puro, sincero, amigo e evangélico. Todos gostavam dele e o
admiravam. Mas ele pensava diferente. É o demônio, dizia!
Ultimamente Claudinha acordava a noite, uma ou duas da manhã, e lá
estava ele. Um homem grande, moreno, um enorme bigode, cabelos negros
ondulados, um colete preto com botões dourados. Um paletó enorme, preto e
Claudinha não via mais nada. Ele chegava e pedia para Claudinha ficar calma,
ele não ia fazer-lhe mal. – Meu nome nobre Escoteira é Delegado Paredes. Preciso
de você para me ajudar, ele dizia. Preciso subir aos céus. Não consigo. Tem
dois anos que estou morto. Minha mãe, meu pai todos tentam me levar, mas eu não
posso ir. Preciso que me ajude. – Era assim todas as noites. No início ela
escondia a cabeça no travesseiro ou saia correndo para o quarto do seu pai.
Depois foi se acostumando até que um dia para se ficar livre dele, perguntou: –
O que eu posso fazer? Sou apenas uma menina! – Ele respondeu que só ela podia
ajudar, ele sabia que ela tinha uma Patrulha. Se fossem juntas ao Cemitério do
Agulhão Negro no Bairro Do Sono Profundo e tinha de ser à noite, poderiam
entrar em seu Mausoléu e pegar a Medalha de Prata da Legião de Honra. Ela
precisava pegar e entregar ao seu filho.
Contou
seu sonho para Milena. Fizeram uma reunião de Patrulha. Todas estavam eufóricas
com a história. Eu topo, eu também. Só Laurinha ficou receosa, mas fazer o que?
Tinha de ir, afinal não diziam que era a Patrulha mais unida do Grupo? Bem
agora era com Claudinha. Precisava saber como entrar no mausoléu e onde estava
seu filho. O delegado Paredes explicou que na porta do mausoléu tinha uma
pequena caixinha de flores. No meio da terra encontrariam uma chave embrulhada
em papel alumínio. Nadir sua empregada prometeu manter sempre limpo sua morada
e deixava a chave lá. Ela tinha de ir à noite, entre meia noite e uma hora. O Jacinto
Boa morte o coveiro estaria dormindo e não ia incomodar. Ele ia se incumbir dos
mortos que povoavam o cemitério. Eram milhares – Sexta, dia treze de agosto, lá
foram elas. Meia noite. Achavam que estavam entrando nos Sete Portais do
inferno. Um silêncio sepulcral. Devagar, sem fazer barulho lá vão elas. De mãos
dadas, abraçadas, todas se “borrando” de medo, mas como eram escoteiras não
desistiam. Chegaram ao Mausoléu. Enorme, negro, uma estatua de um anjo que
parecia o demônio rindo para elas em cima dele. Uma bruma seca e com um cheiro
horrível começou a se formar. Claudinha retirou a chave, entraram. Uma
escuridão tremenda. Risos chorosos, tremedeiras. Algumas querendo correr.
Puxam o
caixão do Delegado Paredes. Ninguém quis abrir. Milena tomou a frente de olhos
fechados abriu. Lá dentro o Delegado agora nada mais que uma caveira de ossos
horrenda. Nos dedos uma medalha. Ela pegou. Entregou a Claudinha. Um clarão
enorme dentro da sepultura, o delegado apareceu. Obrigado jovens guias. Tenho
orgulho de vocês! Meu filho mora na Rua Ipojucan, número cem, ele se chama
Paulo Paredes. Diga a ele que enterre esta medalha junto ao Doutor Praxedes,
esta medalha é dele. Deram-me a mim, não a mereço. As honras não são minhas e
sim dele. Alem de salvar minha vida se arriscou por aquele "Velho"
Chefe Escoteiro que estava marcado para morrer no Vale da Redenção. Ninguém
falava nada. Todas tremendo. Agora conseguiam ver o Delegado Paredes brilhando
no escuro. Ele estava sorrindo, não era a figura fantasmagórica de antes. Saíram
dali correndo. Cada uma correu para sua casa. Dormiram com a própria roupa e
com o cobertor tampando a cabeça. Algumas tiveram de trocar a roupa. Estavam
molhadas (risos).
Claudinha e
Milena foram à Rua Ipojucan. Uma bonita casa. Meninos brincando no jardim.
Pediram para falar com o Senhor Paulo. Ele apareceu à porta e se assustou com
duas meninas de uniforme escoteiro. Explicaram. Seus olhos se encheram de
lágrimas. Prometeu fazer o que o pai lhe pediu. Sábado, reunião no Grupo
Escoteiro. Cerimonial de Bandeira. Todos na ferradura. A bandeira subia farfalhando
ao vento. A Patrulha de Claudinha ficou petrificada. Não acreditavam no que
viam. Encostado ao mastro o Delegado Paredes, um sorriso nos lábios, dava adeus
a todas e dizia muito obrigado. Uma luz azulada apareceu, uma linda mulher de
branco lhe deu as mãos. Ele chorava, um homenzarrão como aquele e chorando! Ele
desapareceu na luz brilhante e nas nuvens brancas do céu.
Ah! Dizem
que histórias são histórias. Mas esta eu não sei. Juraram-me que aconteceu.
Falar o que? Verdade ou não que o Delegado Paredes seja muito feliz no outro
lado da vida. Um dia será sua vez. Não adianta se esconder. Risos. E Claudinha?
Bem, esta é outra história. Quem sabe volto aqui para contar mais uma das suas
lindas (?) aventuras com os mortos do além?
Nenhum comentário:
Postar um comentário