Lendas
escoteiras.
Chefe
Falcão Maltês. Um perfeito cavalheiro.
Não sei quem
colocou o apelido. Nunca perguntei. Seu nome correto? Nem pensar. Ele não dizia
a ninguém. Eu só sei que foi um grande amigo enquanto estivemos juntos.
Disse-me um dia que fora Chefe do Grupo Escoteiro Estrela Cadente. Nunca tinha
ouvido falar. Mas não é disto que quero falar sobre ele. Chefe Falcão Maltês
era um cavalheiro. Como se diz hoje uma figura que merece um lugar entre os
homens de honra deste país. Um digno Escoteiro. Nunca deixou alguém mais velho
que ele em pé no ônibus. Ninguém sentava sem antes ele arrumar a cadeira e olhem,
as chefes adoravam. Pagar despesas? Nem pensar. Se ele não pudesse pagar não
iria. Dizia sempre que os homens devem ser boníssimos com as mulheres, pois são
elas que carregam o fardo mais pesado.
O que eu admirava
muito no Chefe Falcão Maltês era seu modo de falar e dar exemplos aos
escoteiros. Lembro que uma vez estávamos em marcha de estrada indo acampar no
Vale da Tartaruga, e caiu um pequeno papel de bala na trilha onde percorríamos.
Ele parou toda a tropa. Chamou a todos. Disse – Sabem que somos invasores? A
escoteirada não entendeu nada. – Porque Chefe? Disse um deles. Porque a relva,
as árvores, os pássaros, o rio e as montanhas estavam aqui antes de nós.
Portanto eles são os donos. Vocês são intrusos. Vocês gostariam que alguém
entrasse em suas casas, sem pedir e jogassem papeis de bala na sala? Ninguém
disse nada. Um Escoteiro foi até lá e pegou o papel e guardou na mochila. E nos
acampamentos? Sua inspeção era rigorosa. Não perdoava nada. Nem fossa mal
tampada. – Escoteiros! – dizia ele, porque deixar que a abelha os beija flores,
os pássaros do céu sintam o mau cheiro? Não é certo, não é mesmo?
Um dia
estávamos sentados na porta da barraca, um pequeno fogo crepitava e ele começou
a cantar uma linda melodia. Todos acorreram para perto dele. Ele parou e os
escoteiros ficaram intrigados. – Vou continuar, aguardem. Só quero aproveitar a
oportunidade para dizer a vocês, que as músicas, canções tudo que existe é
belo. Sabendo cantar e sabendo ouvir. Se um dia vocês ouvirem uma musica
clássica, ou mesmo uma ópera em um lugar qualquer sei que não irão gostar. Mas
se assistirem a um conserto de uma Orquestra sinfônica ao vivo, ou mesmo a uma ópera
em um teatro tenho certeza que irão adorar. A
Musica para se gostar tem de ter sentimento. Existem músicas e músicas para
cada momento da vida. As clássicas relaxam e fazem sonhar, musicas de trilhas
sonoras são lindas. As românticas para quando se tem um grande amor. Temos,
continuou ele – Que aprender tudo que possamos absorver. As músicas de hoje
cantadas ou não desde que não tenham segundas intenções em suas letras, são válidas.
Mas existem outras e um Escoteiro deve estar preparado para descobrir, ouvir e
sonhar com todas elas. Não é o barulho estridente da música que nos toca o
coração. Ouvir boa música faz parte de nós escoteiros que vivemos nas montanhas
acampando.
Era assim o
Chefe Falcão Maltês. Dizia sempre que podia que o Escoteiro é um cavalheiro, um
fidalgo. – Lembram-se do que diziam da mulher de César? Assim somos nós, ele
dizia. Não basta mostrar que somos, temos que se portar como tal. – Que tal dar
a vez a um amigo? Abrir a porta para ele? Que tal dividir o doce, o farnel, seu
cobertor, que tal dividir sua alegria, sua felicidade com quem não a tem? –
Chefe Falcão Maltês deixou saudades. Sempre acreditei que todos nós chefes
escoteiros devemos ser uma espécie de Chefe Falcão Maltês. Alguns dos nossos jovens
precisam aprender boas maneiras. Claro, é função dos pais. Mas não estamos ali
para colaborar? – Um dia ele me disse – Chefe Osvaldo, hoje muitos se apegam a
entender o jovem como ele é e a justificar. Certo isto. Mas existem normas,
direitos e deveres que são sagrados. Um pai nunca vai dizer ao filho se ele
quer ir escola, se ele quer sentar a mesa para as refeições ou se ele pode
escolher a hora para dormir. Isto faz parte da família. É sagrado. Temos de ser
assim.
Entendi perfeitamente
seu recado. Não é porque os tempos mudaram que as boas maneiras, a educação, o
cavalheirismo deve deixar de existir. O respeito aos mais velhos, o respeito ao
meio ambiente, o respeito com as pessoas, o direito de um e o de outro nunca
devem ser olvidados. Seria bom, seria bom mesmo que existem muitos chefes
Falcão Maltês por aí. Acho que tem muitos jovens que se chamam de escoteiros e
escoteiras que poderiam ouvir suas palavras e aprender.
Já faz anos
que não vi mais o Chefe Falcão Maltês. Soube que ele resolveu abrir um Grupo
Escoteiro nos garimpos do Suriname. Um país perdido nas fronteiras do Brasil
com a Guiana Francesa. Porque a escolha? Ninguém me disse. Quem sabe ele seria
lá um novo Cavaleiro da Tavola Redonda? Quem sabe um Sir Lancelot filho do rei
Ban de Benwick e da rainha Elaine? Afinal ele foi primeiro cavaleiro promessado
pelo rei Arthur e nunca falhou em gentileza, cortesia e coragem. O Chefe Falcão
Maltês não teve uma armadura de aço mas tinha um coração eorme. Acho que ele
foi para aquelas paragens para dizer aqueles garimpeiros rústicos que não
existe hora e nem lugar para ser educado e ter honra. Que ele seja feliz.
Ensinou-me muito. Tem chefes que são e tem outros que dizem ser. Eu até hoje
ainda não me situei. Que Deus me ajude a cumprir minha missão, claro se eu
tiver uma para cumprir.
Nenhum comentário:
Postar um comentário