Lendas Escoteiras.
Era uma vez...
Não me lembro do seu nome. Pudera ele nunca disse, pois assim
como chegou ele partiu. A gente o chamava de São Pedro, aquele que mora no céu.
Uma barba branca que de tão branca ao ficar ao sol se tornava azulada. Magro e
quem o olhasse bem de perto diria que suas carnes pelo corpo não existiam. Deveria
ser formado de osso puro. Usava uma roupa simples, calça caqui curta bem puída e
uma camisa verde com alguns rasgos no ombro. Usava um cinto. Era o nosso
conhecido. Sem sombra de dúvida era um cinto escoteiro. Esquecemos até que em
sua cabeça também morava um chapéu de abas largas, mas que agora estava
decaído, pois se mostrava velho, com pequenos furos. No banco que estava
sentado havia uma pequena mochila, diferente das que nos conhecíamos. Nunca
vimos o que tinha dentro dela. Sua figura chamava a atenção, tinha os dentes
perfeitos e quando sorria maravilhava a todos. Falava como se estive declamando
poesias tipo aquelas que nosso professor de português declamava sem sorrir e
querendo ser o que ele nunca foi. Um poeta.
Não lembro quem o viu pela primeira vez sentado no banco da Praça
da Estação. Praça nova árvores recém-plantadas. Hoje lindas enormes e as
palmeiras? Bem não estou aqui para falar dela e sim do velhinho de barbas
brancas azuladas, ou melhor, São Pedro lá do Céu. Quando lá cheguei outros lá
estavam. Pudera gente estranha na cidade e se fosse Escoteiro era motivo de
jubilo por parte de todos. Mas o cinto e o chapéu identificavam alguém que
poderia ser e claro poderia não ser. Em volta daquele simpático velhinho nós
pequeninos Escoteiros agachados em sua frente de olhinhos arregalados queríamos
saber de tudo. Ele tinha um leve sorriso e de vez em quando seus olhos fechavam
parecendo que iria dormir. Sonhador chegou correndo. Era e sempre foi nosso
porta voz. As patrulhas confiavam nele. Sabia falar como ninguém, um proseador
que não perdia nunca o fio da meada.
Todos nós esperávamos que nosso acólito trouxesse a tona e
desvendasse o segredo do Chapéu e do cinto que acintosamente aquele velhinho,
ou melhor, São Pedro lá do céu portava. Ao menos a fivela estava limpa. Não
brilhava, mas ainda tinha a cor da originalidade quando produzida. O chapéu
mesmo limpo não matinha as abas retas e planas. Tinha um semblante que encantava.
Sonhador disse que o ouviu falar que estava com fome. Nós não ouvimos nada. –
façam uma vaquinha! Conseguimos doze paus. Perna Seca e Orelhudo foram correndo
ao bar do Zé Moreno. Voltaram com quatro coxinhas e seis bolinhos de carne. São
Pedro lá do Céu comeu com gosto. Educadamente. Mastigava como se estivesse
contando cada mordida. Beleleu levou Narigudo até sua casa na bicicleta. Voltaram
em dez minutos com um cantil cheio de água e uma garrafinha de groselha. Ele
sorria e falava baixinho com Sonhador.
Lá pelas tantas discutimos onde ele iria dormir. Velho assim era
difícil levar para a casa dos dezoitos meninos Escoteiros que se ajuntaram em
sua frente na Praça da Estação. Seus pais poderiam estranhar. Bororó Monitor da
Onça Parda sugeriu trazer a barraca de duas lonas da chefia e um cobertor do exército
que ganhamos. Na grama atrás do banco a barraca foi armada. Sonhador disse para
ele que podia dormir tranquilo. O Guarda Noturno era o Zé Birosca, antigo Escoteiro.
Ele estava em casa. Ficamos lá até por volta de nove da noite. Fui embora pensativo.
De onde era? Como chegou? Seria um antigo Escoteiro ou um Chefe? Dormi pensando
e durante todo tempo de escola nem vi o que os professores disseram. Queria que
as aulas terminassem para correr até a Praça da Estação.
Encontrei Bico Doce e Orelhudo conversando. Ele se foi me disseram.
A barraca estava desarmada e bem dobrada nos moldes Escoteiros. Os espeques
limpos e enrolados em um jornal. Se ele dormiu ali levantou cedo. Antes do
alvorecer. Zé Birosca o Guarda Noturno disse que não viu ele ir embora. Seu Nonô
Fogueteiro Chefe da estação disse que o maquinista Zé Be Deu o levou como
carona no trem de carga das cinco da matina. Fiquei decepcionado. Se ele fosse
um dos nossos quantas novidades para nos contar? Sabíamos que nossa
fraternidade era enorme, mas só umas fotos apagadas de uma revista que um
viajante nos presenteou vimos Escoteiros de outros países. Será que eles seriam
igual a nós?
Na semana seguinte eu e Orelhudo encontramos Zé Be Deu o
maquinista. – Desceu em Crenaque. Disse que iria atravessar o Rio Doce em uma
jangada que ele guardava na Caverna do Morcego. Falou baixinho que iria rever seu
amigo o Cacique Abaeté dos Aimorés do outro lado do rio. Eram amigos de séculos
e séculos. Séculos? Pensamos no que disse o maquinista. Perguntamos mais e ele
não disse mais nada. Olhei para Orelhudo que balançou a cabeça. Imortal? Seria ele
realmente São Pedro lá do Céu? Meninos Escoteiros a filosofar. Durante muitos
anos nos Fogos de Conselho e em Conversas ao Pé do Fogo nós levantávamos a história
de São Pedro lá do Céu. Falou-se tanto que agora para os novos ele era um
Santo. Santo Escoteiro?
A minha vida
fechou-se duas vezes antes de se fechar –
Mas fica por saber
Se a imortalidade me revela
Um evento maior
Tão largo, tão incrível de pensar
Como estes que sobre ela duas vezes tombaram.
Partir é tudo o que sabemos do céu,
Tudo o que do inferno se pode precisar.
Mas fica por saber
Se a imortalidade me revela
Um evento maior
Tão largo, tão incrível de pensar
Como estes que sobre ela duas vezes tombaram.
Partir é tudo o que sabemos do céu,
Tudo o que do inferno se pode precisar.
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