Lendas escoteiras.
Minha linda Barraca
Suspensa.
Quando eu era
lobinho me perguntava, uma barraca suspensa? O que seria? O vento a levantar a
lona? Pendurada em um avião? Teria que amarrar? Se o vento fosse muito forte
teria que ter bons espeques para segurar. E assim eu ficava a pensar o que
seria uma barraca suspensa. Não tenho certeza, mas acho que foi um acampamento
de lobos, isto mesmo, uma época que lobinhos acampavam na Floresta de Mowgly,
dormíamos sob barracas, ajudávamos o sênior guia da nossa matilha no almoço, no
jantar no café e olhe que tinha alguns guias seniores que deixávamos fritar um
ovo, uma linguiça e eu um dia já com dez anos fiz uma sopa de macarrão que
nunca mais esqueci. Deliciosa. Nosso Akelá disse que não devia sobrar nada,
pois Shere Khan o tigre
malvado poderia rondar o acampamento para pedir um pratinho. Comemos a
mais não poder.
Lembro que no dia seguinte chegaram
os seniores para acampar bem próximo a nós. Foi então que vi pela primeira vez
uma barraca suspensa. Linda, enorme, duas barracas uma em cima da outra, ela ficou tão alta que chegou ao céu! Queria tocar as nuvens e pedi
para ver de perto, uma escada de cordas, subi devagar e sonhei em dormir ali. À
noite sonhei. Estava de Uniforme Escoteiro. Meu chapéu de abas largas me
protegendo do sol. Transportei troncos enormes, abri valetas enormes, cortei
cipós que nunca tinha visto. Procurei ver o fio do meu machado do lenhador, o
fio da minha machadinha, o fio do meu facão. Precisavam ser afiados. Comecei
meu trabalho, minha barraca suspensa seria alta, muito alta, daria para
acariciar as nuvens quando passassem. Não sei se terminei, pois acordei com o Baloo
gritando Lobo, Lobo, Lobo. Danado de Baloo! Eu queria tanto ver a linda Barraca
Suspensa que construí.
O tempo passou.
Fui crescendo, crescendo até que um dia nos fomos com a patrulha acampar.
Queríamos construir a nossa primeira barraca suspensa. Deveria ser linda, forte
como um touro. Alta como as nuvens no céu. Impossível de ser escalada e quem
sabe um elevador para nos levar até lá? Risos. Bíceps a postos! Chapelão a
proteger do sol, entramos na mata - Madeira! Meu Deus! Que época boa, hoje
dizem que dizimamos nossas florestas. E antes? Quantas madeiras caíram para nos
proteger das intempéries? Uma mata que engolia seus troncos, que de tão forte
produzia centenas de outras e que se não tomássemos cuidado ela nos engoliria
também. Um dois até três para arrastar os troncos. Outros embrenhavam-se mais
no fundo da mata escura. Galhadas enormes, onde está o céu? Ali tem um lindo
cipó, enorme, grosso firme e diziam que o cipó-cravo era o melhor. Seria este
um cipó-cravo?
O sol a
pino. Mesmo com o chapelão o suor escorria pelo rosto. Meninos ainda a sentir o
suor resvalando pelo rosto, provocando orgulho pelo trabalho realizado.
Levantar um varão, dois cipós – Vamos! Força! Mais uma vez! E o varão era
encaixado na fossa feita. Firmar, pedras, pequenas lascas de madeira fincadas
em volta. Poxa! Um já foi, faltam três! Três da tarde, o último no lugar. –
Alguém achou bambu? Pergunta o Monitor. Nada! Só mesmo cortar galhos retos. E
vamos lá à procura deles na mata escura. Cinco da tarde, dois já fizeram a
escada de corda. Levantar um lado e amarrar, outro e mais outro, hora de fazer
o forro de madeira. Cipós cruzam o espaço a procura do melhor lugar para
amarrar. Quem já fez uma quadrada, uma diagonal ou uma paralela com cipó sabe
como é. Ah! A barra pesou. Escureceu. Costuras de arremate no escuro. Neco!
Você e o Jamil já cortarem bastante capim?
Sete da
noite, uma parada para o jantar. Protéus já a postos com um pequeno fogão
tropeiro. Era questão de tempo. Um jantar delicioso. Oito e meia da noite. Vamos
lá, Acho que se nós armarmos com calma o primeiro estrado cabe duas barracas.
Amanhã vamos fazer o segundo andar. Puxa! Segundo andar? Não foi difícil. Dez
da noite. Um banho no remanso do Riacho da Lua. Que banho gostoso. Um pequeno
fogo, contar lorotas, Protéus faz um café, Nonato conta uma piada, sem graça,
mas todos riem. Uma época que o sorriso brotava espontâneo. Vamos dormir diz o
Monitor – Senhor! Olhe por nós nesta noite, deixe que as estrelas sejam nossos
olhos e que a mata seja nossa companheira nesta noite. Obrigado pelo dia
Senhor! E agente dorme o sono dos justos. Sete meninos Escoteiros querendo ser
homens. Não esperaram crescer e ser seniores para construírem suas Barracas
Suspensas.
Barracas
Suspensas. Quem não as fez? Qual aquele que foi Escoteiro e sênior e não
construiu uma? Firme nos galhos das árvores, entrelaçando troncos, subindo
madeira, olhando para o céu e dizendo – Me aguarde! Daqui a pouco chegarei aí!
Todos nós nos orgulhamos do que fizemos. Nossas Barracas Suspensas baixas ou
altas estão ali guardadas em nossa mente. Uma vez me disseram que quem não fez
uma está devendo a sua história escoteira. Pode ser, mas de uma coisa eu sei,
quando se termina, quando dá alguns passos para trás e olha o que ajudou a
fazer a gente se sente orgulhoso. Quem sabe até pretencioso. Pode ser, mas não
me culpem nem me condenem na minha primeira vez me senti altivo, entufado,
orgulhoso, pedante, presunçoso, soberbo, ufano e vaidoso. Risos. Fazer o que?
Afinal foi a minha primeira vez e a primeira vez a gente não esquece nunca! Minha
linda Barraca Suspensa quando me lembro dela tenho certeza que as nuvens
brancas que passavam faziam uma reverência.
Minha
Barraca Suspensa. Aqui ali e acolá. Na serra da Mantiqueira, na Serra do Cipó,
no Pico da Bandeira/ou Serra do Caparaó, na Pedra da Mina, No Pico das Agulhas
Negras, Na pedra do Sino, ali ficou minha marca. Minha não da patrulha. Quantas
eu fiz? Perdi a conta. Foram muitas e algumas inesquecíveis como aquela feita
na Mata do Morcego, madrugada fria, trovões ribombavam ao longe e se aproximando.
Um enorme raio partiu uma arvore ao meio bem próximo a nós, um barulho enorme,
parecia que a terra tragava toda a mata. Seniores pulando alto, descendo como
se fossem lagartixas pelos troncos molhados. Caiu bem em cima da Barraca
Suspensa. Coitada. Não teve chance. Foi pega de surpresa e não pode reagir. Uma
noite enrolados uns com os outros sentados no molhado da relva, tentando dormir
com a chuva miúda que caia.
Barracas
suspensas, tão altas que davam para tocar nas nuvens que passavam! Quantas
caíram por não estarem bem afixadas? Ainda bem. Graças a Ele nosso fundador que
dizia – “Se queres aprender faça você mesmo”. “Se errar tente de novo e
continue assim até que um dia você conclua que fez o certo”
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