Contos de Natal.
O último adeus do Velho
Lobo.
Para ele
seria o mesmo natal de sempre. A família reunida, os netos correndo pela casa,
as conversas dos filhos, tudo muito parecido com os anos anteriores, mas sempre
com um sabor especial. Quarta feira, 24 de dezembro. Ele acordou cedo. Tomou
seus remédios e sem o desjejum partiu. Era sempre assim. Uma volta no bairro
para sua caminhada matinal. Sabia que no retorno o café fumegante estaria
pronto. A família sempre se reunia à tarde, e por volta da meia noite todos iam
a mesa para se refastelarem com o magnifico manjar da Mama. Ele já havia notado
uns lapsos de memória e sabia a tempos que seus pensamentos se misturavam. ♫“A Santa
Catarina pirolim pirolim pom pom, era filha do Rei”♫. Sentiu-se cansado e
sentou em um ponto de ônibus na avenida próxima a sua casa. Fechou os olhos
para tentar fazer sua mente voltar ao presente. Não sabia como, mas o ônibus
chegou e ele entrou. Sentou na frente. Porque fazia isto? Ele não sabia. Nunca
fez isto antes. Na viagem que ele não sabia o destino se lembrou do seu passado.
Se viu menino escoteiro na Mata do Morcego. Encurralado em uma árvore por uma
jaguatirica. Ela o olhava com olhar amigo. Ele não acreditava. ♫”Acenda, Fogo,
acenda, Acenda essa fogueira”. Aqueça
minha tenda e ilumine essa clareira! ♫...
- Senhor aqui é o ponto final! – disse o motorista. – Mas como vou fazer
para voltar? – Espere o próximo ônibus. Este vai se recolher a garagem! Ele desceu.
Não sabia onde estava. Lembrou-se quando sênior acordou em um vale enorme,
cheio de pássaros cantantes e uma cascata que faziam um barulhão. Ele não sabia
onde estava quando saiu da barraca. Chegaram à noite perdidos e sem rumo certo.
♫ “Acorda escoteiro que o galo já cantou, cantou, cantou o galo já cantou...
Co-co-ro-có.... ♫. Olhou para um
lado e para o outro, uma enorme avenida e milhões de carros passando de um lado
e de outro. Prédios enormes. Qual ônibus para voltar? Ele não sabia. Não sabia de
mais nada. Esquecera seu telefone e endereço. Nunca saia com seus documentos
pois sua volta no quarteirão era pequena. Viu que nem dinheiro tinha – Seu
guarda, preciso voltar para casa – Onde o senhor mora? – Não sei! – Seu nome? –
Não lembro. Sei que me chamavam de Velho Lobo, eu fui escoteiro. – O guarda o
olhou de esguelha. – Não posso ajudar, atravesse a rua e ande dois quarteirões.
Vais encontrar uma viatura equipada com rádio. Quem sabe podem ajudar o senhor!
♫ “Avançam as Patrulhas, lá ao longe, lá ao longe. Avançam as Patrulhas, cantando com valor, lá ao longe!”“...
Teve medo ao atravessar. Nunca viu
tanta gente correndo e querendo chegar do outro lado. Confundiu-se e no meio do
caminho parou. Sua mente o levou até o Despenhadeiro do Lobo. Um medo incrível
de escorregar e cair. Ele ficou pendurado em um galho e se não fosse o Nonato
cozinheiro tinha morrido. ♫ “Rigor, Boom, rigor, boom. Vem correndo depressa Escoteiro Ajudar
o cozinheiro a fazer um jantar supimpa, supimpa Parazibum, zibum” ♫. Parou no meio da
avenida. Nunca sentiu tanto medo. Ninguém se preocupava com ele. Mesmo com seus
87 anos ele ainda pensava que podia manter o domínio de sí mesmo. Em passadas
largas atravessou a outra parte da avenida. Sentiu que alguém o segurava por trás
e na frente um jovem lhe deu um murro na barriga. Ele sentiu uma dor tremenda. Ali
na calçada estava sendo assaltado por pivetes e ninguém o socorreu. ♫ “Como é
feliz o acampamento na floresta, Junto
de nós passa um riacho a murmurar, cantam as aves em seus ninhos sempre em
festa, o vento sopra a ramagem a cantar!” ♫. Uma moça o pegou com braço e
mandou-o sentar próximo ao vão do MASP. Eram duas da tarde, ele precisava dos
seus remédios. A fraqueza chegava e ele sabia que não ia aguentar.
Precisava comer. Em sua casa já teria almoçado. Lembrava que nem o café
da manhã tomou. Levantou com dificuldade. Viu uma lanchonete, viu coxinhas, e
bolinhos de carne. – Moço eu posso comer um e pagar depois? – O garçom riu. -
Sem dinheiro necas meu Velho. Saiu andando em passos trôpegos. Começou a sentir
tontura. Sabia por quê. A diabete fazia efeitos em seu corpo. ♫ “Quando se
planta la bela polenta, la bela polenta, Se
planta cosi. Se planta cosi. Oh!, oh!, oh!, bela polenta cossi” ♫. A tarde
chegou de mansinho e as luzes dos postes se ascenderam. O frio começou a fazer
efeito em seu corpo. Não tinha blusa. Uma senhora negra riu quando viu que ele
tiritava de frio. Lembrou-se quando se aventurou no Deserto de Atacama e no
Vale da Morte. No dia um calor de rachar a noite o frio era demais. – Venha
comigo ela disse. Debaixo do viaduto tem fogueiras feitas pelos meus amigos.
Ele foi. ♫ “Em Silêncio acampamento, este
canto vinde ouvir, são fagulhas
da fogueira que nos dizem escoteiros
a Servir” ♫...
A noite foi cruel. Mesmo em volta daquela fogueira ele pensava que não
iria resistir até o outro dia. Carros passavam proximo buzinando. Era noite de
natal e ele não se lembrava do seu nome, de sua família só lembrava-se do seu
apelido. Velho Lobo. Lembrou-se também da subida no Pico da Manada no Peru.
Dormiram encostados em uma enorme pedra onde cabia só dois e eram cinco! Foi lá
que pela primeira vez viu a neve que caia em flocos brancos e lindos de ver. ♫
“Longo é o caminho, longo, longo, mas andaremos sem parar! Duro é o caminho, duro, duro, cantemos para não cansar!” ♫... Dormia e acordava, dormia assentado
encostado a lateral do viaduto. Os seus novos amigos dormiam tendo como
cobertor papelões que eles guardavam das lides onde recolhiam lixo reciclado
para sobreviver. Ouviu ao longe alguém cantando uma canção de natal. Lembrava
vagamente quando em uma reunião de Giwell em um Jamboree alguém contou uma
história de natal. A lembrança o emocionou. ♫ “Eu era um bom lobo um bom lobo de lei. Não estou mais lobando, o que fazer
não sei, me sinto velho e fraco não sei mais lobear, logo a Gilwell Assim que eu possa vou voltar” ♫...
O dia amanheceu. Ele estava fora de
si. Sentia falta de ar, tremia e quase não ficava em pé. Seu corpo não obedecia
a sua mente. Como um robô saiu cambaleando pela rua. As pessoas
desvencilhavam-se achando que ele estava embriagado. Até uma senhora disse bem
alto – “Com esta idade e bêbado pela manhã”? Ele começou a se sentir mal. Uma
dor enorme no peito. Sabia que era seu fim. Seus olhos se fecharam. ♫ “Prometo
neste dia, cumprir a lei, sou teu escoteiro, Senhor e Rei. Eu te amarei pra
sempre, cada vez mais. Senhor minha promessa, protegerás” ♫... Viu sua mãe sorrindo, como ela era bela e
nova. Viu seus irmãos e irmãs que já tinham partido ali acenando. Fechou os
olhos e esperou ser chamado para subir aos céus com eles. Acordou assustado em
sua cama em seu quarto. Toda sua família em volta sorrindo. Era sua mulher,
eram seus filhos, seus netos e vizinhos. O quarto cheio de gente. Bem vindo
Papai, bem vindo marido, Vovô estava morrendo de saudades! Então não tinha
morrido? Viu próximo uma jovem uniformizada de Escoteiro. – Quem é você? Foi
sua esposa quem contou – Ela viu você caindo e dizendo ser um Velho Lobo. Sabia
que você era um Escoteiro. Pediu um taxi e o levou ao pronto socorro. Telefonou
para várias delegacias e uma delas já sabia do seu sumiço. Comunicaram por
telefone. Ela meu marido, foi seu anjo de natal!
♫ “Bravo,
bravo Bravo, bravíssimo, bravo, bravo bravo,
bravíssimo bravo, bravíssimo
bravo, bravíssimo bravo, bravo bravo, bravíssimo” ♫...
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