Conversa
ao pé do fogo.
Memórias
de um Mestre Cuca Escoteiro.
Eu não sei por onde ele anda. Dos
sete magníficos da Patrulha Raposa muitos já foram para o grande acampamento.
Um deles está vivo, bem velhinho lá pelas bandas do Vale do Rio Doce.
Passaram-se anos. Muitos. Lá pelos idos de 1950 quando eu os conheci. Desculpem
só três, pois os demais foram lobinhos comigo. Era uma Patrulha recém-formada. Surgiu
uma amizade que marcou a todos nós profundamente. Uma época que o intendente se
orgulhava do seu cargo. Do Escriba que não deixava uma ata sem fazer. Do
bombeiro e lenhador ali na cozinha não deixando nada faltar. Do socorrista
sempre pronto a passar uma pomada “Minâncora”, onde ela anda hoje? De todos o
mais importante era o cozinheiro. Nenhuma Patrulha neste mundo pode ficar sem
ele. Para dizer a verdade é a alma da Patrulha. Ele consegue fazer a patrulha
andar, correr, brincar, sorrir e amando como nunca um acampamento mesmo que
debaixo de uma tremenda tempestade. Barriga vazia não tem alegria, barriga
cheia, Escoteiro alegre.
Fumanchú era seu apelido. Se não
me engano seu nome era Sebastião Felisberto da Silva. Era negro. Bem
atarracado. Cortava os cabelos rentes e tinha uns enormes olhos negros que
podiam observar tudo ao seu redor. Fui a sua casa muitas vezes. Sua mãe
trabalhava como cozinheira do Hotel Condor. Acho que foi aí que ele aprendeu.
Desde pequeno ficava muito sozinho em sua casa. Eu não sei hoje, mas naquela
época a gente ficava pedindo a mãe para nos ensinar a arte da cozinha. – Mãe me
ensine a fazer arroz, uma sopa, um feijão, assar uma carne, fritar peixes e
assim íamos aprendendo, pois nem sempre poderíamos contar como Fumanchú. Cada
um de nós “quebrava o galho”, mas o dono da cozinha mesmo era ele.
Andam dizendo por aí que nos
acampamentos os escoteiros comem matinho, arroz com fumaça, feijão queimado,
carne torrada e assim por diante. Brincam e dizem que era e é assim e eles gostam.
Lembram-se sempre dos seus célebres almoços e jantares e sorriem quando pensam como
era gostoso acampar. Sem sal e sem gordura. Acho que os meus não foram assim.
Fumanchú sempre se esmerou. Seu arroz era soltinho, seu feijão inteiro com
farinha de milho ou de mandioca não tinha igual. As sopas que fazia então? Bastava
dar para ele alguns maxixes, uns lambaris gordinhos e pronto. A sopa de maxixe
dele era de arromba. Como sabia improvisar. E um guisado de rolinhas? Ou de um
tatú? Na brasa Fumanchú era invencível. E as bananas verdes na brasa? Com mamão
verde fazia milagres. Era bamba com o frango no barro. Piriá, ariranha tudo ele
dominava e nos fazia feliz. Uma vez matamos um Caititu, uma espécie de porco do
mato e Fumanchú nos esperava de uma jornada para buscar frutas na fazenda do
Seu Totinho, com o mais gostoso churrasco que já comi. (lembro aos meus
leitores que era outra época).
Cozinheiro não é só cozinhar.
Tem de saber improvisar. Fumanchú era assim. Sabia como ninguém fazer um fogão
suspenso. Dos bons. Da sua altura nem mais nem menos. Fogão Tripé, estrela,
tropeiro e outros eram feitos assim em segundos. E o forno de barro? Incrível
seus pães quentinhos pela manhã. Até bolo ele fazia! Cozinhava em qualquer
hora. Em trilhas quando parávamos nas nossas jornadas. Em ribanceiras
perigosas, com chuva fina ou não. Acender fogo? Era bamba! Podia contar no dedo
até trinta e o fogo logo estava crepitando. Que chovesse canivete, mas o fogão
do Fumanchú sempre soltava sua fumaça e fumaça em fogão no acampamento é motivo
de alegria e felicidade. Seus bolinhos de chuva, de polvilho, bolinhos de
milho, doce de manga, de laranja de goiaba e seu doce de mamão nunca esqueci! E
olhe tudo improvisado no acampamento.
Poderia ficar horas aqui falando do
Fumanchú. Das poucas e boas que nos aprontou. Dos causos que contava após o
almoço ou jantar e muitas vezes nossos estômagos não aguentavam. No frio ele
nem esperava chamar. Seu fogo espelho era nota dez. Podíamos dormir nas
barracas sem manta ou cobertor. Saudades do Fumanchú. Do seu sorriso enorme,
dos seus dentes grandes, do seu pescoço enorme e do seu coração... Grande
demais para a gente esquecer. Saudades mesmo. Bela época. Época que já se foi.
Agora só a memória para lembrar. Se você
que me lê tem um cozinheiro assim em sua Patrulha, não esqueça, abrace seu
cozinheiro. Ele é a razão de um bom acampamento. Sem ele não acredito no
sistema de patrulha, em um acampamento de Giwell, pois se queres ser feliz,
coma até pelo nariz! Risos.
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