Conversa ao
pé do fogo.
Era uma
vez... O trem dos Escoteiros.
Tonico estava na roça. Ao seu lado Zeca
e Alfeu. Seu pai estava mais ao longe e todos capinavam a roça onde iriam
plantar milho e feijão. As chuvas de março não iriam demorar a cair e o tempo
era curto para o plantio. Não havia nada de novo, era sempre assim, mês a mês,
ano a ano. Tonico não sabia sonhar, não desejava o que não tinha. Afinal sonhar
com que? Ele só conhecia aquela vida. Uma pequena casa de três cômodos, uma
mesa com dois bancos e um fogão de lenha. Não havia luz elétrica. As noites seu
pai ligava um radinho de pilha e Tonico ouvia com gosto a Voz do Brasil.
Debaixo da Aroeira eles costumavam sentar a noite antes de dormir. Era ali que
ele pensava no mundo a sua volta, mundo que não conhecia. Tonico queria
estudar, mas a escola mais próxima era em Santo Agostinho. Um vilarejo a mais
de trinta quilômetros de distancia. Ele sabia que seria como seu pai, como seu
avô. Fazia parte de sua vida do seu destino.
Era um simples trem. Cinco ou seis
vagões de passageiros. Tonico sempre o via pela manhã a passar correndo nos
trilhos de aço da estrada de ferro proximo onde trabalhava. Dava uma parada na
capinagem, segurava no cabo da enxada e via pelas janelas os sorrisos, as
alegrias dos viajantes e até alguns deles diziam adeus com as mãos fora da
janela. Seu pai dizia ser o Trem Expresso das onze da manhã. Era por ele que
paravam para almoçar. Sua mãe sempre prestimosa levava as marmitas com um pouco
de arroz, um ovo cozido e farofa que ele adorava. O trem seguia seu caminho e
Tonico voltava à labuta que era sua vida, sua rotina. Com doze anos Tonico não
podia ser chamado de um menino triste, não era. Ele gostava de a noite pegar a
viola de seu pai, dedilhar uma canção e cantar baixinho com medo de que a noite
escura não lhe ouvisse seu cantar tristonho. Sua mãe fazia questão que na hora
de dormir ele e ela dessem as mãos quando pediam a Deus para que nada faltasse
aquela família.
Tonico ouviu o apito do trem. Lá
vinha ele correndo feito um louco em cima dos trilhos de aço. Desta vez ele
diminuiu a velocidade, parou bem em frente onde Tonico, Zeca e Alfeu capinavam.
Tonico sorriu quando viu que o trem parou. Não entendia porque ele parou. Da
janela de um vagão meninos de chapéu de abas largas acenavam para ele. Quem
eram? Tonico sorria sem saber do porque o sorriso. Quem sabe pelos meninos de
roupas iguais? De chapéu grande? De lenço no pescoço? Ah! Tonico daria tudo
para saber quem eram eles. Lá onde estava ouviu o cantar deles no trem das
onze, hora para eles almoçarem, pois sua mãe estava chegando. Mas ele prestou
atenção no cantar na letra e sabia que nunca mais iria esquecer: - ¶
“Escoteiros sempre avante, pois nos vamos acampar, bem além do horizonte, lá na
serra do além-mar” ¶. Tonico sorria, ele gostou da canção. Aprendeu os
primeiros versos e acordes. Sabia que a noite ele iria cantar e seu pai e sua
mãe iriam ouvir sem saber o que significava.
O trem das onze começou a andar
devagarinho. Buzinou para o céu azul como a dizer – “Eu quero passagem, eu
preciso seguir meu destino”! Tonico sem perceber começou a correr ao lado do
trem. Ele corria junto à janela daqueles meninos de roupas iguais com lenço no
pescoço e uns chapéus enormes. Os meninos começaram a bater palmas para ele, um
deles lhe jogou um lenço e Tonico saltou como uma onça e o pegou no ar. Era seu
troféu. Um lenço azul cor de anil. Apertou com suas mãozinhas no peito o
presente que ganhou daqueles meninos de roupas iguais, um lenço no pescoço e
chapéus grandes na cabeça. O trem foi mais veloz que Tonico e sumiu na curva do
Boiadeiro, onde Tonico, Zeca e Alfeu e seu pai voltavam à noitinha para casa
após a capina. Tonico parou e nem sabia no que pensar. Tonico chorava e não
sabia se de alegria, de tristeza e de saudades daqueles meninos de roupas
iguais, de um lenço no pescoço e de um chapelão na cabeça.
Ouviu seu pai lhe chamando para
almoçar. Hoje iriam comer correndo, pois no céu nuvens negras se formavam. Em
nenhum momento Tonico não esqueceu o trem das onze, dos meninos de roupas
iguais, da canção que cantaram para ele e do lenço que deram a ele de presente.
Seria seu troféu por toda a vida. Enquanto almoçava Tonico pensava. O que eles
iriam fazer? Para onde iriam? Será que eles conhecem a Mata do Sino? Será que
eles algum dia cantaram ao som de uma viola em volta de uma fogueira? Tonico
não sabia. Mas Tonico sabia que eles sorriam muito, que eles cantavam que eles
eram muitos e que ele nunca mais iria ver aqueles meninos sorridentes de roupas
iguais, lenço no pescoço e um chapelão na cabeça. Tonico voltou naquele dia
para casa tristonho, e pela primeira vez pensou que ele também poderia ser um
deles, pela primeira vez Tonico sonhou. Que sonho lindo, ele no trem das onze,
na janela cantando, todos se abraçando e partindo para um lugar maravilhoso,
que ele só imaginava, pois nunca esteve lá.
Nunca mais Tonico viu os meninos de
roupas iguais, de lenço no pescoço, com um chapelão na cabeça e dentro do trem
das onze. Tonico nunca mais esqueceu aquele dia e hoje, já homem feito, lá na
mesma roça que antes era do seu pai, junto ao seu filho Felipinho, ele sempre
conta a mesma história, canta a mesma canção, dos meninos de roupas iguais, de
lenço no pescoço e de chapelão na cabeça. Felipinho sorri sempre quando ele
canta e conta a história do trem das onze. Ele não imagina como devia ter sido
e presta muita atenção quando o trem apita, quando o trem passa correndo e não
para. Não dá para ver quem vai lá dentro dos vagões. Não dá para ouvir canções
e sorrisos. A vida é assim mesmo. Tem aqueles que podem ter e viver um sonho
tem aqueles que podem sonhar, mas nunca irão viver o sonho. Mas cada um em sua
vida pode ser feliz, pois Deus nos trouxe ao mundo para viver o seu
destino.
- ¶ “Escoteiros sempre
avante, pois nos vamos acampar, bem além do horizonte, lá na serra do além-mar”
¶.
Nenhum comentário:
Postar um comentário