Conversa ao
pé do fogo.
Apenas uma
jornada de primeira classe.
Poucos podem lembrar. Mas tivemos uma
época que as provas escoteiras eram espetaculares, não que as de hoje também
são. Mas pergunte quem já foi um Escoteiro Segunda Classe ou um Primeira Classe,
pois para ser um deles você tinha quer ser um mateiro e um grande Escoteiro.
Mas a Primeira Classe? Se alguém a tivesse na manga da camisa todos admiravam.
Ali estava um autêntico exemplar de um grande Escoteiro. Ele sabia tudo, nada
escapava e no campo podíamos ficar tranquilo. A sua sagacidade, os seus
conhecimentos e a suas experiências eram para poucos. Outro dia comentando com
um amigo Escoteiro de hoje falei da prova de Jornada, condição para chegar a
Primeira Classe. - Chefe, hoje não podemos mais fazer uma jornada. A
criminalidade Chefe é enorme. Já pensou deixar dois jovens sair por aí em uma
estrada ou trilha solitária, onde irão dormir em local pré-determinado, onde
estarão sempre sozinhos? – Não dá Chefe, não dá. – Eu ficava pensando quando me
diziam isto. Onde foi parar o escotismo aventureiro? Onde foi parar nossa
máxima de fazer fazendo? Como entender Kipling que dizia: - Quem ao crepúsculo já sentiu o cheiro da fumaça de
lenha, quem já ouviu o crepitar do lenho ardendo, quem é rápido em entender os
ruídos da noite;... “Deixai-o seguir com os outros, pois os passos dos jovens
se volvem aos campos do desejo provado e do encanto reconhecido...”. Outro dia
comentei com um Chefe amigo – Meu caro ainda fazem atividades aventureiras? Ele
sorriu e disse – Claro que sim Chefe! – É Mesmo? Retruquei – Eles hoje acampam
nas mais altas montanhas? Eles viajam pelas campinas verdejante? Eles já
arvoraram uma bandeira em uma vale distante? – Ele me olhou calado, pensou e
disse – Não dá mais Chefe, não dá mais...
Tenho um amigo escoteiro de outra
cidade, entusiasta, bem preparado e o considero grande Escoteiro. Um dia disse
para ele – Sabe Chefe, no passado você chegava a uma tropa ou uma Alcateia e
sabia só de olhar o seu conhecimento técnico e como eles desenvolviam suas
atividades. Nos lobos só de ver quantos duas estrelas tinham já se podia imaginar.
Nas tropas se encontrasse dois ou três primeiras classes então era para ficar
admirado. Seria uma tropa para ninguém colocar defeito. E as estrelas de
atividade? Hoje são de pano, comentam que as de metal produzem acidentes. Bah!
Usei as minhas em lugares inimagináveis, meus amigos também e nunca vi nada
disto. Mas era bom olhar para um jovem, se tinha estrelas feitas de metal com o
fundo amarelo, marrom/grená, verde ou vermelho. Chefe era azul. Era só ver um
Chefe com estrelas amarela de lobo, verde de Escoteiro, marrom/grená de sênior
e vermelha de pioneiro e a gente sabia que ali tinha um bom mateiro, um bom
Chefe Escoteiro. Conhecia-se o valor da Alcateia e das tropas só de olhar. A
gente sorria de orgulho.
- Chefe ele me dizia – Hoje também é
assim, são distintivos novos. Ah! Tentei aprender e reconhecer, mas estavam
meio misturados com as especialidades. Elas hoje estão em profusão, sempre um
ou outro com dez, vinte e até quarenta eu já vi. Precisa a UEB copiar com
urgência a BSA com a faixa de especialidades que eles usam. Agora com as
estrelas de pano a cor é meio apagada é difícil reconhecer quem possui um, dois
ou dez anos de escotismo. Ainda dá para reconhecer um Lis de Ouro, um Escoteiro
da Pátria. Mas e uma primeira classe? Ou uma eficiência II? Ave Maria! Era
encontrar um e ficar orgulhoso. Ali tinha uma bela patrulha escoteira e no
campo só podiam tirar nota dez. Hoje? Quem sabe existe tropas de grande
qualidades e a gente não vê? Entristece ver alguns sem promessa tentar
acompanhar quatro ou cinco jovens iguais a ele. Quem sabe ainda encontro uma
tropa de elite como já vi tantas por aí. Tropas com patrulhas antigas e membros
participantes com dois três anos de atividade. Deve ser horrível acampar nos
moldes de Giwell com patrulhas incompletas, patrulhas amadoras nas técnicas
escoteiras.
Quem sabe é por isto que algumas
tropas não conseguem fazer um perfeito acampamento de Giwell e os jovens são
levados pelo Chefe a atravessar a corda que ele esticou, ou jogar todos no
barro para fazer um “rastejo” a moda índia ou militar. Mas a primeira classe,
ela sim dava um toque profissional ao escoteiro. Ali você sabia que ele acampou
com mais um em uma atividade aventureira longe da sede. Você confiava que ele
sabia seguir um mapa, um percurso de Giwell, era bom no passo Escoteiro ou no
passo duplo, sabia orientar por bussola e estrelas, orientar pelas árvores,
pelos pássaros ou animais. Você sabia que ele era um perito em sinais de pista,
um perfeito Sinaleiro e cozinheiro. Você sabia que ele sempre tinha um sorriso
nos lábios, que olhava para você de igual para igual. Vi muitos substituindo o Chefe
Escoteiro quando ele faltava por algum motivo. Hoje? Hoje é diferente, o Escoteiro
acampa de olho na internet. Faz pioneiría com o Chefe na frente dele fazendo
também. Cozinhando com o Chefe ali na cozinha falando e falando. Como fazer um
escotismo aventureiro assim?
Perigo? Não dá mais? Os pais são
outros? – Chefe se acontece alguma coisa eles metem advogados em cima da gente!
Verdade? Caramba! Que pais são estes que não colaboram na formação escoteira
fazendo do seu filho ou da sua filha alguém que se pode confiar? Nunca vi isto
na minha vida escoteira. Até que vá lá uma autorização por escrito dos pais,
mas a parafernália burocrática que fizeram acontecer não dá para entender. Ok!
Sei que cada um tem uma explicação, mas meus amigos chefes, os jovens ainda
sonham em serem heróis, em ser um explorador das montanhas em fazer construções
impossíveis, em atravessar rios e florestas, em descobrir cavernas, em ser um
Sinaleiro, em buscar no escotismo o que poderia ser encontrado. Os que pensam ao
contrário poderiam ver que muitas das provas de hoje são encontradas por eles
nos meios sociais da internet, no seu celular, no seu colégio. O escotismo não,
no escotismo devíamos dar a ele o espírito de aventura, a vontade de viver na
natureza, o desejo de ser um herói.
Penso que os que mudaram o programa Escoteiro
não o conheceram profundamente. Não tiveram a oportunidade de ser um segunda
classe, um primeira classe ou um portador da eficiência II. Em nome dos princípios
modernos chegaram à conclusão que os jovens precisam de outro programa. Fico
pensando por que não criaram os programas que achavam válidos, mas deixassem permanecer
a nomenclatura antiga? Nada é imutável e eu acredito que os tempos são outros.
Mas não gosto destes tempos. Já não vejo tantos com aquele espírito
aventureiro, espirito mateiro, um daqueles que você dizia; - Neste você pode
acreditar. Sei que não tem volta, não vai ter o passado no presente. Mas por
favor, façam do Escoteiro e da escoteira alguém forte, alguém que sabemos que
irá andar com as próprias pernas. Chega por favor, daquele Escoteiro “manteiga”
onde tudo se derrete neste medo do passado onde só o presente é válido. Ah!
Quem conhece a capa do caderno Avante com a escoteirada na montanha, bandeira
desfraldada, sabe o que estou dizendo, e quem sabe ainda teremos o gosto da
aventura de volta?
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