Saudades
da minha terra!
Um
pouco da minha vida.
Oh! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Casimiro de Abreu.
O tempo passa, e muitas
coisas das nossas vidas vão sendo colocadas em uma parte do nosso cérebro, não
esquecidas, mas para serem lembradas um dia. Eu sou um homem da terra. De
muitas terras. De algumas cidades. Um dia destes li de Paulo Gondim, um poema,
do seu lindo Ceará. “Minha terra tão querida, a quem sempre vou amar. Um dia eu
deixei, mas voltarei, ao meu lindo Ceará”.
Ninguém esquece sua terra natal.
Sua cidade, seu estado, seus amigos, suas histórias tão queridas. Nasci na
minha querida Minas Gerais. Oh! Minas Gerais! Quem te conhece não esquece
jamais. Nasci em uma cidade perdida no longínquo norte do estado, pequena, sem
nada para viver, quem sabe uma ou duas ruas calçadas, uma pracinha, mas eu?
Morava a seis quadras mais longe. Casa de taipa, esburacada, rua sem
calçamento, esgoto a céu aberto, doenças. Três irmãs foram para o céu ainda com
menos de quatro anos. Eu quase fui.
Dois anos que não lembro a não ser
as histórias contadas por meus pais e irmãs. Sobraram duas delas e eu. Meu pai
seleiro, família pobre, lá fomos nós para uma fazenda. Não me lembro de nada.
Menos de um ano e de novo outra cidade do outro lado das Minas Gerais. Poucas
lembranças. Mais três anos e de novo outra e outra até que com seis fincamos o
pé por muitos anos em uma maior, bem ao lado do formoso Vale do Rio Doce. Rio
Doce! Quantas saudades, quantas travessias, jangadas, comer ingá nas suas
margens nas cheias, quantos peixes. Hoje soube que está como o Tietê. Dói-me
fundo. Ali praticamente cresci. Fui lobinho, Escoteiro, viajando a pé, de
bicicleta vivendo uma vida de aventuras sem pensar no amanhã. Voltei um dia em
todas as pequerruchas cidades que vivi. Fiquei tempos na terra onde nasci.
Passei ali menos de duas horas. Vi a casa onde comecei minha vida de homem
terreno. Nas outras poucas lembranças de uma época que minha memória não
arquivou. Não tinham mudado nada na visão dos meus pais. Nesta última foram
treze anos, de alegria, felicidades até que um dia a mudança aconteceu.
Meu pai doente, início da década de
sessenta, diabete ainda desconhecida era melhor procurar médicos especialistas.
Capital do Estado. Nova vida. Novo emprego. Usina Siderúrgica. Peão no inicio.
Interessante. Nunca fomos ricos. Ouve fases, algumas remediados outras? Melhor
nem comentar. Estudo? Terceiro ano de ginásio. Eu sou um Iletrado. Nunca fui
Doutor. Aprendi muito na Escola da Vida. Não sei como fui convidado para ser o
chefão Escoteiro do estado. Comissário Regional. Uma época de viagens. Cidades
e mais cidades sendo engolidas pelo escotismo. Amigos e amigos novos sendo
conquistados. Quantas histórias, quantas estradas de terra percorridas, quantas
coisas ficaram para trás. Mas o tempo não para. Um dia alguém chegou para mim –
Queres ser um Administrador de uma fazenda? Putz! Não pensei duas vezes. Celia
ao meu lado. Sempre formidável minha linda Célia. Oito mil cabeças. Meu Deus!
Que isso? Botas no pé, chapéu de couro, perneira, meu lindo gibão cravejado de
brilhantes, um peitoril simples e lá estava eu vaquejando aqui e ali pelas
largas e capoeiras da vida.
Quantas aventuras. Viagens no
Rio das Velhas, Sucuri de quinze metros, enfrentar a correnteza do São
Francisco, enfrentar pistoleiros morrendo de medo. Pescarias, criação a parte,
porcos, galinhas, tratores, um D-12 da Caterpillar, enorme me hipnotizava. Adora
andar com ele prá e prá cá. Comprei uma vacada de um fazendeiro em Barra do
Guaçuí, duzentas cabeças. 150 quilômetros de distância. Achei melhor trazer por
terra. Para mostrar ao Diretor que eu era econômico. Pobre “bunda”. Seis dias
ida e volta. A cavalo. Levando um gado fácil, mas trabalhoso. Cinco anos
maravilhosos. Filhos crescendo. Precisavam de bons colégios. São Paulo. Meu
destino final. Empregado. Luta constante. Osasco era minha morada, ou melhor,
ainda é. A luta dizem que é renhida, difícil. Sempre ao olhar minha vida
lembro-me do poema de Gonçalves Dias. - Juca-Pirama. “Sou bravo, sou forte, sou
filho do norte”. Andei longes terras, lidei cruas guerras, vaguei pelas serras
dos vis Aimorés...
Ei, calma! Não sou bravo e nem
forte. Mas o tempo vai passando. Os anos não perdoam. Não dá mais para
trabalhar. Uma vil aposentadoria. Mas feliz. Muito feliz. Quatro filhos criados
e casados. Oito netos, uma linda árvore genealógica dando prosseguimento as
lides traçadas por milhares de anos no espaço. Rodei meio Brasil. Pisei em
outras terras. Conheci outros rumos, outros destinos. Mudei demais. Não sei se
fiz bem. Não vejo como traçar o meu destino de outra forma. Tenho dúvidas não
arrependimento. Quem sabe nem todas as trilhas que escolhi deram em boas
estradas. Um dia destes irei por aí. Sei aonde vou. Não posso levar mais minha
barraca, minha mochila e meu chapéu de três bicos. Lá dizem tem lindos locais
de acampamentos. Córregos dançantes de águas tão claras que dá para ver o
passado e o futuro. Onde as florestas são verdes e as flores as mais lindas do
universo.
Sempre é bom lembrar o caminho.
Sempre é bom ver o que se foi o que se fez. Nunca fui rico. Morei em casa de
taipas. Morei em tantos lugares que de vez em quando perco a memoria onde
estou. Meu carrinho está encostado. A vista já não é a mesma. As pernas
obedecem reclamando. Obriga-me a forçar meus passos por aí. Melhor assim, pois
sempre fiz isto em minha vida. Viajei meio mundo no lombo de uma bicicleta. Com
meu Vulcabrás conquistei montes e vales desconhecidos. Adoro o que fiz. Adoro o
que sou. Não tenho duvidas do que serei.
Eu gosto de São Paulo. Fiz
dele minha morada por mais de 38 anos. Não sei se fiz aqui muito amigos. Os
mais chegados já partiram para começarem tudo de novo com os novos tempos. Eu
ainda não fui. Deus me reservou outro destino. Seja ele o que for estarei
pronto a enfrentar. Mas sabem, não tenho medo, não tenho receios. O que tem de
ser será. Não podemos fugir do nosso destino.
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