Contos de um
Velho Chefe Escoteiro.
Uma simples
amarra quadrada, nada mais...
Perguntei a Dorval porque ele tinha
entrado para o escotismo. Costumo perguntar aos chefes ou mesmo escoteiros mais
entusiasmados. Dorval tinha dezessete anos e começou com doze na tropa
escoteira. Sempre entusiasta mesmo nas horas mais difíceis. Ele me olhou e
sorriu. – Porque Chefe? Olhe eu teria muito que responder, mas quer saber
mesmo? Foi uma amarra. Uma amarra quadrada e um volta de fiel! – Não entendi
Dorval, o que havia de tão maravilhoso em uma amarra para te prender nas teias
do escotismo para sempre?
- Chefe, eu entrei aqui sem saber o
que era escotismo, via a turma correndo brincando de pega-pega, vi muitas vezes
passarem na minha rua de mochila nas costas, alguns com cantil e outros com um
cabo pendurado na cintura. Isto não me chamou a atenção, mas lembra de
Pedregulho? – Ele era Monitor da Touro. Quando passou eu estava no portão e ele
sorriu para mim. Era um convite e no sábado seguinte fui até a sede. Quando ele
me viu, me levou até o Chefe que me mandou esperar. Fiquei em um canto da sede
esperando. A reunião terminou e o Chefe foi embora sem falar nada comigo.
Pedregulho me procurou no dia
seguinte. Pediu desculpas e disse que eu voltasse lá novamente. – Olhe Dorval,
somos escoteiros pelo que fazemos e amamos e não pelo Chefe. Se não fosse por
ele não voltaria. Depois de muito tempo o Chefe só me disse: - Traga sua mãe e
seu pai. Sem eles você não pode ser escoteiro! Mas era assim mesmo? Pedregulho
conversou com o Chefe. Mamãe fez por escrito dizendo que autorizava. O Chefe
fechou a cara e me mandou para a Patrulha Touro de Pedregulho. Era como se eu
tivesse um protetor e só por ele fui admitido. Não me entusiasmei. Na quarta
reunião pensei em não voltar mais.
Quando comentei com Pedregulho
ele me bateu de leve no ombro e disse que pelo menos eu fosse ao acampamento de
verão. Seria dali a duas semanas. Acampamento? Pensei. Deve ser bom. Porque
não? Preparei-me com o que tinha. Uma mochila velha emprestada do Seu Tomé meu
vizinho, mamãe costurou dois sacos de estopa vazios que seria meu colchão
conforme me explicou Pedregulho. Não tinha cantil e me senti nu sem ele, mas
fui. Eu não estava gostando daquilo. Cansado, em fila indiana em uma trilha
cheia de capim colonião me cortava todo.
Chegamos um corre-corre e eu sem
saber o que fazer. Pedregulho me chamou. Venha cá. Vais fazer uma mesa de
campo. Eu? Você mesmo. Ela será sua primeira lição. Aprender a fazer fazendo.
Pense em uma mesa, pense em serrar bambus e vá construindo na sua imaginação. É
como você estivesse construindo sua nova vida, seu caminho a seguir e vá
saltando os obstáculos que encontrar pela frente. Quando ela estiver pronta
você passou por tudo e conseguiu chegar onde pretendia chegar. Mas como vou
construir? Pedregulho me deu um pedaço de sisal. Deu-me dois pedaços de bambu.
Vamos começar? Não eu, você.
Junte os dois paus. Faça em um
deles um nó Volta de Fiel. Simples, o duplo só quando for madeira mais grossa.
Eu não sabia o que era um Volta de Fiel. Ele explicou. Veja é um coelho
entrando em sua toca, ela tem outra saída, e assim ele foi me explicando. Agora
com ele pronto acoche. Acochar como? Aperte, sabe o truque para vencer na vida
sem machucar a mão? Alguns usam luvas, mas pegue este pedacinho de pau e
enrosque o sisal nele. Assim fica fácil para acochar. Agora é com você. Ele
saiu e foi atender o cozinheiro que o chamava. Olhei para meu nó o primeiro que
fiz. E como era a tal amarra quadrada?
Levantei-me para perguntar a
Pedregulho. Ele estava ocupado. Ele não me desafiou? Ele iria me carregar por
toda vida? Olhei Nonato dando uma quadrada na mesa do fogão. Não era difícil.
Montei minha mesa de campo na minha mente. Ela teria que ter o tamanho para
caber todos da Patrulha. Fui sozinho no bambuzal. Levei dois bambus. Não deu
para nada. Voltei lá mais quatro vezes. O dia passou. Fizemos um jogo, todos
foram para o banho da tarde e eu fiquei. Minha primeira amarra quadrada ficou frouxa,
fiz e refiz. Até que acochei com gosto.
O jantar ficou pronto. Eu
terminava a mesa ainda sem bancos. Todos vieram me cumprimentar. Minha amarra
quadrada me marcou para sempre na minha memória. Orgulhei-me dela e do volta do
fiel. Fiquei esperando o próximo acampamento, o próximo e até hoje estou
fazendo minha amarra quadrada com meu volta do fiel nas minhas pioneiras. Ele
sorriu para mim. Satisfeito Chefe? Olhei para Dorval sorrindo. Posso lhe dar um
aperto de mão? Apertamos ali na sombra da Copaíba. Ela foi plantada quando o
grupo iniciou suas atividades pela primeira vez.
Eu já tive muitas respostas
na vida quando perguntei a alguém por que entrou para os escoteiros. De Dorval com
seu volta de fiel e sua amarra quadrada foi única. São coisas que acontecem na
vida de cada um que se prendem a nossa filosofia. O Escotismo tem disso. Quando
menos esperamos o mosquito invisível morde e o veneno da boa aventurança
escoteira permanece preso nas veias para sempre!
Nota de rodapé: - Algumas poucas respostas. Aqueles mais
abnegados que me seguem gostando do que eu faço e escrevo. Minha crônica sobre
diminuir meus continhos e minhas reclamações despertou naqueles que me querem
bem uma resposta para continuar. São poucos, muito poucos. Mas importa a
qualidade ou a quantidade? Melhor é contar pormenores de um escotismo que
conheci. Já pensou uma amarra e um nó ser motivo para ser escoteiro? Que o espírito
de BP more sempre em seu coração!
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