Fraternidade
Numa noite
fria de inverno, lá pelo final do mês de junho, na casa do “Velho”, eu ele e a
vovó deglutíamos um delicioso bolo de chocolate (o estômago do “Velho” não
suportava, mas o teimoso insistia) e mantínhamos um agradável “tête-à-tête”. Minha
mente ia acompanhando o desenrolar dos assuntos e simultaneamente admitia que o
destino nos coloca frente a frente com um novo ponto de vista, com novos amigos
e passamos a ver a vida de outra maneira. Eu era Escotista há oito anos, mas
achava que era novo em meus conhecimentos e a cada dia mais e mais aprendia com
o "Velho". Agora via também a Vovó de outra maneira.
“Ora meu “velho”, você não é assim, quer
mostrar uma carranca de durão, mas no fundo é um sentimental como todos nós “-
falou a vovó”. - Hum - Hum ! fungou o “Velho” - “ Amizade se conquista”. -
Certo, continuou a vovó , - “quantas e quantas pessoas você conheceu e como
eles trouxeram infinitas alegrias para você!
- “Nem
tanto mar, nem tanto terra”- continuou o "Velho". - Deixe disto, -
abra o seu coração e procure lembrar-se de todos que de uma maneira ou de outra
foram seus amigos. Continuou a vovó. - “Amizade não é do jeito que queremos e
sim da maneira com que a aceitamos”. - Vovó sorria com ternura e quando ela
sorria uma áurea brilhante clareava a sala, já na penumbra do lusco fusco da
tarde, naquele final de inverno frio e chuvoso.
- “Velho”- disse eu, - quase não vejo ninguém
em sua casa. Fica sentado em sua poltrona, fumando seu cachimbo esperando e
esperando. O que espera? Você não acha que seus amigos também têm seus
problemas e como você não dá o ar da graça, também não retribuem? Pensam que
você os esqueceu! - Levanta e vá procurá-los. Verá a alegria deles em
recebê-lo.
O “Velho” piscou, deu “mil baforadas” piscou
outras vezes, desprezando o que eu disse e falou para a vovó como seu eu não
estive ali. A Vovó sempre dizia ao "Velho" que muitas vezes temos que
procurar nossos amigos em vez de esperar que nos procurem. Veja o caso daquele
casal - falou a vovó - Você sabe que não é bem assim. E vovó passou a contar a
historia de uma grande amizade dele e como ele mantinha uma ternura toda
especial com aquele casal.
E
depois? Você simplesmente só esperava em casa a visita deles. - “Nem tanto
assim, falou o “velho” - querendo demonstrar que a amizade era igual a todas
que achava possuir”. Meu tempo é curto - Falou o "Velho". - Curto?
"Velho" você não faz nada. Fica de um lado para outro e nem se toca
que os outros também sentem sua falta. - comentou a vovó.
- Não é só eles com quem o “velho” tem uma grande
amizade. Existem outros. Vovó ficou séria e continuou. - Fraternidade, amizade
e outros adjetivos são bonitos na palavra dos outros, mas nunca quando sentimos
que estamos falhando com elas. Quantas vezes o “velho” falou em seus cursos, em
suas idas e vindas na “Grande Fraternidade Escoteira”. Isso existe? - Claro que
existe! - Mas não da maneira com que queremos ver. Os outros também tem suas
necessidades, seus tempos corridos e a vida é uma labuta que nos empenhamos a
cada minuto. Quem quer “anda” quem não quer “manda”. - Vovó era um pouco
radical com o “Velho", mas acho que ele tinha que ouvir.
O “velho” ficou calado e cabisbaixo. Talvez a
lembrar do seu passado e quantas pessoas ele conheceu e conviveu. Até a alguns
anos atrás ele recebia muitos amigos e correspondências. Mas estas rarearam até
desaparecer de vez.
Fiquei pensando como falamos tanto em
fraternidade no Escotismo. Será que ela existe mesmo? Ou é algo de momento? -
Poderia até imaginar quando não estivesse mais de uniforme e comparecesse em
uma atividade qualquer, se seria recebido da mesma maneira. Seria? - Não sei
não.
Vovó parecendo adivinhar meus pensamentos,
falou: - Não só no Escotismo a palavra Fraternidade é comentada constantemente.
Para alguns significa muito e para outros significa pouco. O importante é o que
sentimos diante dela. Ser fraterno é dar sem receber, esperar que os outros
façam primeiro não significa que sou fraterno. Fraternidade é sentida e usada
em todas as situações com todos que querem ser fraternos. Podem ser poucos, mas
são verdadeiros.
Você
conhece um Escotista que pratica a fraternidade só por vê-lo em atividade. Está
sempre com um sorriso nos lábios. Ajuda em tudo e não espera que os outros
peçam a ele para ajudar. Não reclama, sabe dar um abraço sincero e não deixa de
ligar para você perguntando como vai. Quando ele não vem ao grupo você sente
logo sua falta. Quando encontra com outros escotistas todos perguntam por ele.
Nós temos graças a Deus ainda um grande número de pessoas fraternas. O
Escotismo é um meio de chegarmos até elas e sermos como elas, meios repito e
não o fim. Como dizia o “Velho” qualquer um pode entrar no Movimento Escoteiro,
mas ser escoteiro não é para qualquer um.
Vovó acertou no alvo. Até o “Velho” sentiu
fundo suas palavras. Ele sabia como ninguém que fraternidade é para ser sentida
no coração e na mente e não para ser comentada como se fosse um artigo a venda
só para impressionar. Amizade não se acha, mas se conquista.
E no final daquela tarde, onde o frio e a
chuva fina que caia dava um ar especial aos meus pensamentos sentia que era
como uma benção ter amigos e saber conservá-los. Meu ser, minha mente buscava em todos os
pontos os sonhos de ser feliz. Dei-me ao luxo de lembrar-se de uma oração
conhecidíssima dos escoteiros, e que nem sei por que me veio à mente para
recitá-la:
“Senhor
ensinai-me a ser generoso, a servir-vos como mereceis, a dar sem contar, a
trabalhar sem descanso, a sacrificar-me sem esperar outra recompensa, que faço
segundo a sua vontade”.
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