Crônicas
de um Chefe Escoteiro.
A
história de Natalie escoteira, uma Condensa do Castelo de La Possonnière.
Conheci Natalie a muitos e muitos anos atrás. Trabalhava para
uma empresa como técnico mecânico de máquinas pesadas e muitas vezes viajava em
cidades por todo o país para dar assistência, treinar operadores ou mesmo até
fechar alguma venda. Como Escoteiro que sou não deixava de procurar um Grupo
Escoteiro nas cidades que ia. Em uma cidadezinha no interior de um estado
brasileiro, me apresentei ao Chefe do Grupo que insistentemente achando que eu
era um “expert” em escotismo me convidou para o período de um mês e meio que
ficaria lá, a dar a ele assistência na reformulação do grupo e quem sabe na
arregimentação de pais. Era uma área que dominava bem. Em todos os grupos que
passei sempre fiz amizades com eles e a maioria se oferecia para colaborar como
escotistas, diretoria ou mesmo instrutores de especialidades.
No primeiro sábado que lá estive,
fizemos um périplo pelas sessões e vi uma Escoteira de uns onze ou doze anos
sentada em uma cadeira no canto do pátio. Enquanto todos se movimentavam ela
permanecia lá, indiferente, sem se mexer e sorrindo. Era uma linda jovem,
loira, olhos verdes, cabelos cor de palha, e magra. Muito magrinha. Tinha um
sorriso encantador. Perguntei o porquê daquilo e ele me disse que em algumas
reuniões ela sentava ali por algum tempo e parecia estar em outro lugar,
vivendo outra vida e quando resolvia falar contava casos incríveis. Sempre disse
que era a Condensa Natalie, nascida em 1770 na França, mais precisamente no
Castelo de Lá Possonnière no Condado de Vendôme. Não entendíamos nada. Seus
pais gente humilde nos pediu ajuda e ajudar como?
Concordei com ele. Muitas vezes
nós chefes nos colocamos como professores, padres, pastores, psicólogos,
políticos como se fossemos super homens e somos somente um ser vivente como
todos. Esquecemos que estamos ali para colaborar e não substituir alguém que
pode realmente ajudar. A cidade era pequena, onze mil habitantes. Não tinha
psicólogo e nem seus pais tinham condições de pagar. O Grupo aceitou, pois
quando não estava “viajando” (maneira como ele dizia) era uma excelente
Escoteira. Em seu colégio todos adoravam ela, mas seus professores tinham medo
de suas crises. Cheguei mais perto e perguntei inocentemente onde ela estava.
Incrível a sua história:
_ Sou do Condado de Vendôme, moro
no castelo de La Possonniére, meu pai é o Conde Livorno. Minha mãe morreu
quando eu nasci ao dar a luz. Estou com doze anos e meu pai foi preso. Ele me
contou que houve uma revolução e ele podia ser preso. Disseram que ele era da
realeza, pois estavam prendendo todo mundo que participavam da Corte. Isto
aconteceu no inverno de 1793 e o nosso Rei Luis XVI foi levado ao cadafalso e
decapitado. Uma onda de vingança estava correndo na França. Meu pai foi preso.
Morreu dois anos depois tuberculoso na prisão. Sempre achei que isto nunca
aconteceria a nossa família. Éramos descendentes do Conde Pierre de Ronsar, um
poeta famoso que foi dono do nosso castelo. Ela se calou. Seus olhos viraram
como se fosse estrábica. Acordou de sua “viagem” como dizia seus pais e chefes
e correu a brincar com sua Patrulha. Fiquei estupefato!
Durante as duas primeiras semanas
Natalie não disse nada e nem “viajou”. No hotel foi que fiquei sabendo que um
menino surdo mudo de oito anos tinha desaparecido. A cidade em peso o
procurava. Multidões percorriam as ruas e a noite com enormes tochas percorriam
vielas, beira de riachos, rios e morros próximos. O padre rezava missa quase
cinco por dia. Todas com a igreja cheia, pois pediam a Deus para que o menino
fosse encontrado. O Delegado abanou a cabeça e pensou que ele já estava morto.
Um filho da mãe de um estuprador de crianças. Dois dias depois no sábado fui à
reunião do Grupo Escoteiro. Em dado momento Natalie correu para sua cadeira e
balançando a cabeça viajou como sempre fazia. Agora dizia em voz alta e
repetindo sempre - Poço do Roncador! Poço do Roncador! Poço do Roncador! Ninguém
entendia nada. Ela nunca disse isto e quem sabe suas viagens estavam piorando?
– Foi então que um lobinho veio dizer ao Chefe que havia um Poço do Roncador
atrás da Serralheria do Bastião onde os meninos gostavam muito de brincar.
O Chefe me chamou e fomos correndo até
lá. O menino lá estava. Ainda vivo. Quase morto com água pela cintura. Eu mesmo
desci pela corda e o amarrei para levantá-lo. A cidade inteira soube e correu
para lá. Um grito de alegria saiu de cada um. Seus pais Riam e cantavam a mais
não poder.
Cinco anos depois voltei àquela
cidade. Procurei o Grupo Escoteiro. Era outro Chefe de Grupo. Perguntei por
Natalie. Foi embora disse. Seus pais não aguentavam mais a romaria que faziam
em frente a sua casa. Achavam que ela poderia contar sobre parentes que já morreram
outros querendo saber resultados de loteria. Um inferno. Fiquei pensando que o
desconhecido para nós sempre é motivo de duvidas. A menina era “médium”. Um
tipo especial. Uma grande amizade de seus anjos protetores. Uma vida no passado
que não esqueceu. Mas histórias são histórias. Umas são alegres outras tristes.
Mas todas podemos dizer – “São coisas da vida”!
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