Lendas
escoteiras.
As névoas
brancas do Rio Formoso.
O nada é a profecia da minha partida
o tudo é sopro que busca aquiescer
sou uma cor do arco-iris... Perdida
o lume solar na gota de chuva a correr
para beijar a névoa que deita escondida
a deleitar-se nos braços do amanhecer
Cellina
Faz muito, muito tempo quando a nossa Patrulha Sênior descobriu as lindas e espetaculares cachoeiras do Rio Formoso. Eram incrivelmente belas. Ainda sem rastros humanos. Pensei comigo que precisava acampar ali. Três quedas simultâneas, um som imperdível das cataratas caindo sobre as pedras e dando outro salto no espaço. Em volta uma floresta ainda inóspita. A névoa se formava a qualquer hora do dia. Uma visão fantástica. Quando vi pela primeira vez eu estava com meus quinze quase entrando nos dezesseis anos. Descobrimos por acaso. Uma jornada até o Serrado do Gavião onde existiam milhares de Folhas Secas. Um terreno vazio, sem árvores e muitas folhas. Era um mistério saber de onde vinham. Soubemos da história. Vamos lá disse o Romildo. Patrulha Sênior, cheia de ardor, procurando aventuras, vontade de enfrentar desafios e nada como descobrir. Está no sangue dos seniores.
O
caminho iniciava na Mata do Tenente, famosa porque uma tropa do exército ficou vinte
dias perdidos nela. Saíram com dificuldade, fracos e quase morreram. Bem, eles
não eram escoteiros como nós. Risos. A mata não era um obstáculo e o rio também
não. Dava para andar bem nas suas margens. Com quatro horas de viagem, vimos uma
bruma cinza que se espraiava no ar. A mata parecia que estava em chamas. Que
seria? O ribombar da cachoeira nos fez estremecer. Um espetáculo magnifico.
Incrivelmente fantástico! A cachoeira formava redemoinhos no ar. Uma nuvem de
vapor cobria certas partes da queda d’água. Os pássaros se deleitavam. Voavam
de supimpa naqueles redemoinhos e saiam do outro lado molhados como se
estivessem sorrindo. Não entendemos o porquê da névoa. O Rio Formoso era todo
formado por quedas de diversos tamanhos e na falta delas, as corredeiras davam
outro brilho aquele magnífico rio. Quem o batizou deveria ter sonhado muito com
coisas belas, pois o Rio era formoso e um grande espetáculo.
Pretendíamos
chegar ao Serrado do Gavião ainda naquela tarde e se não parássemos nossa
jornada seria cumprida. No entanto o espetáculo a cachoeira nos hipnotizava. Sentamos
numa pedra próxima e os barulhos das quedas d’água eram tão intensos que mal
dava para conversarmos. O ribombar das águas batendo nas pedras eram imensos. Romildo levantou e fez o sinal. Mochilas as
costas. Fomos em frente. Com tristeza, pois sabíamos que na volta o caminho não
seria o mesmo. Voltaríamos pela Mata do Peixoto já conhecida. Subimos as
pedras, olhamos novamente, pois íamos embrenhar na mata longe do Rio Formoso.
Impossível prosseguir. Aquela cachoeira nos hipnotizou. Parecia dizer para nós
que não podíamos deixá-la sozinha na noite que estava por vir. Paramos. Um
círculo de seis seniores se formou. Ir ou parar? Seis votos a favor, nenhum
contra. Todos escolheram e Romildo aceitou. Escolhemos um local próximo à
primeira queda para pernoitar. Não armamos barracas. Iriamos dormir sob as
estrelas em pedras lisas que as enchentes do Rio Formoso nos reservaram. Sem
sinal de chuva. “Vermelho ao sol por, delicia do pastor”. A noite chegou um
jantarzinho gostoso foi servido pelo nosso cozinheiro. Fumanchu. Comemos ali
mesmo olhando para as quedas no lusco fusco da tarde. Um espetáculo
maravilhoso. Era uma visão dos Deuses.
Ficamos
horas e horas sem conversar. O barulho era imenso. Cada um de nós meditava as
maravilhas que nos são reservadas pelo Mestre. A noite chegou de mansinho, o
espetáculo maior ainda estava por vir. Uma bruma em forma de nevoa branca foi
tomando conta onde estávamos e penetrando na mata calmamente. Ainda mudos. Cada
um olhando. Aqui e ali um canto de um gavião procurando seu ninho. Israel
acendeu um fogo. Pequeno. As chamas se misturavam com a névoa branca. Raios
vermelhos das chamas ultrapassaram a nevoa. Que espetáculo! Um céu colorido
como se fossem milhares de arco íris noturnos. Ninguém queria falar. Ninguém
falou em dormir. Não sei quanto tempo ali ficamos. Estávamos como encantados
por uma feiticeira perdida no tempo naquela névoa e esquecidos de quem éramos.
Acordei
de madrugada. Amanhecendo. O rosto molhado com o orvalho que caia da bruma
branca que nos fez companhia toda a noite. Cada um foi levantando. Arrumamos
nossa tralha. Comemos uns biscoitos de polvilho. Olhamos pela última vez
aquelas quedas que nos levou sem saber a um paraíso perdido daquele rio que
chamavam de Formoso. Calados e mochilas as costas nos pomos em marcha. Alguém
olhou para trás, a névoa branca se dissipava. Deu para ver centenas de pássaros
se molhando nos respingos da cascata imensa. Durante horas ninguém falou.
Sempre olhando para trás. Somente o pequeno trovejar ainda se ouvia das quedas
que já haviam desaparecido no horizonte. Nunca mais voltei lá. Ninguém de nós
voltou. Passaram uma cerca de “arame farpado” em tudo. O homem só o homem
resolvia quem entra e quem sai. Já não havia mais a natureza, pois foi
substituída pelos desmandos do ser humano. Aquele que mesmo chegando depois
dela, diz arrogantemente: “sou o dono da terra, dono da natureza”.
Quanto ao Serrado do Gavião é outra historia. Não deixou tantas
saudades como a Névoa branca do Rio Formoso.
Oba! Uma história verdadeira. Saudades...
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