Crônicas Escoteiras
Chefe Paulo R.R.
Costa.
O fantasma do
Cemitério Negro.
Em 1974,
eu era monitor da Patrulha Sênior Duque de Caxias do extinto GE Dom Diogo de
Souza em Bagé-RS. Apesar da idade, minha memória ainda se encontra em condições
razoáveis e por isso lembro-me de muitos detalhes, a começar pelos integrantes
da patrulha, Sub-monitor Vinícius, patrulheiros Gerson Maidana, Álvaro
(Alvinho), José Luis (conhecido como “primeira voz” por ser muito desafinado
para cantar, ou ainda por “pouca sombra” ( acho que era devido a sua pequena
estatura. Marcelo e dois novatos, Anadon e Bugu. Os nomes principalmente dos
últimos penso ser Paulo Roberto ou Paulo Ricardo, não lembro ao certo, mas era
muito parecido com o personagem dos quadrinhos do Mauricio, daí o apelido).
Na semana
da Pátria, no dia 7 choveu e o desfile foi transferido para a sexta-feira
seguinte, 13 de setembro. O chefe do Grupo Escoteiro era o Reinaldo Quintana,
auxiliado pelos chefes João Manoel e Wagner. O dia era marcante para a patrulha
sênior. Recém-formada, a chefia autorizou um acampamento da patrulha sem o
acompanhamento de nenhum chefe. Tudo pronto, mochilas na sede, prontinhas para
sairmos logo após o desfile cívico que ocorreu a tarde. O local do acampamento
distava uns 5 km da cidade, na propriedade de um tio do Vinícius, os veteranos
sabem que na época acampava-se em qualquer lugar, pois não existiam as
estruturas de campings que hoje existem. A saída prevista para sexta à tarde
após o desfile, com retorno no domingo. A chefia exigiu um croqui do local do
acampamento, itinerário de deslocamento, planejamento das atividades, etc, o de
praxe.
Saímos da sede já no final da
tarde e logo escureceu, sem problemas, levávamos lampiões a querosene, em fila
indiana, um lampião à frente e outro na retaguarda. Chegamos à fazenda, falamos
com o caseiro (que nem tinha sido avisado, mas autorizou a entrada tendo em
vista se tratar do sobrinho do patrão e de seus colegas). Da casa da fazenda,
seguimos pelo campo para chegar às margens de um riacho que corta a
propriedade. Detalhe, nenhum de nós tinha noção da distância até o riacho,
andamos um trecho e encontramos um túmulo bem antigo, no meio do campo
(antigamente na zona rural era comum enterrarem-se os mortos no campo, ou
muitas vezes, erigia-se um túmulo falso, somente para marcar o local onde
ocorreu a morte, tendo sido o cadáver sepultado em algum cemitério próximo).
Passamos o túmulo uns 20 ou 30
metros adiante encontramos uma clareira e pimba... Tivemos a excelente ideia,
como não sabíamos quanto faltava para chegar ao riacho, estávamos cansados e
famintos decidimos, pernoitamos aqui nesta clareira, e amanha, de dia, continuaríamos...
Ideia aprovada por todos. Foram divididas as tarefas, fogueira acesa,
cozinheiro preparando a boia, eu e o Vinícius armando um toldo para toda a
patrulha dormir embaixo. Os novatos empolgadíssimos... Eis que ouve-se uma voz
rouca, apavorante, vindo da direção do túmulo: “O que vocês querem
aquiiiiiiii?” Ninguém correu, claro que vontade de correr não faltou, mas
correr pra onde? Olhei na volta, todos me olhando e esperando alguma atitude,
por ser o monitor, também o mais velho (meses) e também o mais corpulento. O
meu cabelo crespo (na época eu ainda tinha cabelos) estava em pé, a boina lá
nas alturas. Na hora eu estava batendo um espeque com a machadinha e o Vinícius
estava colocando um bastão como esteio do toldo.
As minhas pernas tremiam, lá “naquele
lugar” não entraria nem uma agulha mesmo que tentasse enfiar a marretadas, mas eu
pensei, putz... Se eu correr vai ser um fiasco enorme, e os demais... Estão
confiando em mim... Resolvi apelar para
a diplomacia e conversar com o falecido. Ensaiei uma voz bem simpática
(contraindo todo o corpo para tentar disfarçar a tremedeira, diante dos meus
patrulheiros) e respondi: “Boa noite, nós somos escoteiros do Grupo Escoteiro
Dom Diogo de Souza, e vamos dormir aqui e amanhã cedo vamos continuar o
caminho”. Não adiantou, o fantasma não se calou e respondeu... “Voces vieram
profanar o meu túmulo...”, Respondi educadamente (O Escoteiro é cortês), “Não
senhor, não queremos incomodar, só vamos dormir e amanhã vamos embora...” Não
adiantou, o fantasma respondeu: “Fazem 30 anos que eu estou aqui e...” não teve
tempo de completar a fase, a essa altura perdi a compostura e lasquei, “Olha
por mim tu pode ficar mais 30 ou quanto quiser, que daqui não vamos sair” nessa
hora o Vinicius, acho que tremendo mais do que eu, me olhou, pegou o bastão, eu
ainda estava com a machadinha na mão, ele me disse: Vamos Romério? Não precisou
falar de novo, partimos todos com o que tínhamos na mão, em direção ao túmulo,
nem sei o que pensamos na hora, acho que a intenção era moer o fantasma, ou
pelo menos o túmulo, de pancada.
Eis que se
acendem duas lanternas no túmulo e os berros... “Calma, calma, somos nós”...
Nada mais, nada menos do que os dois chefes, João Manoel e Wagner, que ficamos
então sabendo, estavam atrás de nós todo o tempo desde a saída da sede,
observando nosso comportamento, por ser o primeiro acampamento sem a presença
de adultos. Sinceramente, a sorte foi que estávamos todos com muita fome, então
não tinha nada sobrando no intestino, porque se tivéssemos “bosta” pronta, com
certeza teríamos adubado o solo... Passado o susto, patrulha em forma,
apresentação, etc.
Vieram os
elogios pela excelente conduta durante o deslocamento, mesmo não sabendo que
estávamos sendo observados. E ai veio o melhor... Os chefes disseram: - Rapazes...
Estávamos esperando uma oportunidade para aprontar uma com vocês, e este túmulo
veio a calhar, sinceramente pensamos que voces sairiam correndo e abandonariam
o material, mas a reação nos surpreendeu de forma muito positiva. Voces não
sentiram medo? Ai veio à resposta: Medo? Capaz, acha que acreditamos em
fantasma, tínhamos certeza de que era algum engraçadinho querendo apanhar - Vocês
escaparam por pouco, mas não façam isso outra vez, pois podem se dar mal. Já
viram com quem estão lidando. Não somos mais “escoteirinhos”. Somos seniores!”“.
Infelizmente
perdi o contato com todos esses colegas, o único com quem consegui falar por
telefone foi o Álvaro, há uns sete anos falei com ele por telefone, estávamos
morando em Brasília, mas não chegamos a nos encontra pessoalmente. Gostaria
muito de manter contato com algum antigo integrante dos extintos Grupo
Escoteiro Dom Diogo de Souza, Sepé Tiaraju e Dom Atalício Pitã, todos da cidade
de Bagé-RS, da década de 1970.
As pessoas estão tão
acostumadas a ouvir mentiras, que sinceridade demais choca e faz com que você
pareça arrogante. (Jô Soares)
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