Lendas escoteiras.
Os anjos também são escoteiros.
Ela
nasceu em dezembro, dizem que foi no dia vinte e cinco não sei. Nasceu
prematura com sete meses. Dona Esmeralda sorriu quando ela nasceu. Dizem também
e eu não posso afirmar que no céu um clarão enorme, como se vários arcos íris
cruzassem o espaço iluminando a cidade de Espera Feliz. As pessoas correram
para a rua e viram lá ao longe uma estrela brilhante desaparecendo no espaço.
Na maternidade ninguém sabia explicar. Rosa Maria sorria. Incrível! Seu pai
quando a colocou no colo ela piscou seus olhos negros grandes, como se dissesse
– sou eu, Rosa Maria. Você sabe quem eu sou! Nasceu com dois quilos e meio. Ela
ficou na maternidade por duas semanas e foi liberada a ir para casa.
Foi um dia que Espera Feliz
recebeu uma revoada de pássaros. Tinha canários dourados, bem-te-vis azuis da
cor do céu, araras verde e amarela fazendo acrobacias no céu azul. De novo o
povo saiu às ruas. Ninguém sabia o que acontecia. O Padre Rosaldo teve uma
visão. Um anjo chegou a terra. Na sua cidade. Quem seria o anjo? Ele se lembrou
de uma frase de Augusto dos Anjos – “A esperança não murcha, ela não cansa,
também como ela não sucumbe à crença. Vão-se sonhos nas asas da descrença,
voltam sonhos nas asas da esperança”. Rosa Maria cresceu como uma jovem menina
sonhadora. Não tinha forças para brincar como as outras. Na escola só fazia o
bem, dizia amar a todos e ela tinha o mais lindo olhar que uma criança teria.
Não era a primeira da classe e nem tinha super poderes. Mas os amigos e amigas
sabiam que ela era especial.
Naquele
ano, quando ela completou sete primaveras, o Grupo Escoteiro Estrela Verde foi
fundado. Rosa Maria se inscreveu. Sua mãe não foi contra só preveniu os chefes sobre
sua fraqueza. Na primeira excursão não quiseram que ela fosse. Iam andar muito
a pé. Ela insistiu. Foi. Todos acharam muito estranho, ela parecia flutuar no
ar mesmo que andando em passos largos. Todos na Patrulha amavam Rosa Maria. Mesmo
a Patrulha querendo fazer tudo ela não deixava. Na sua promessa um fato
significativo aconteceu. Um lindo casal de Tuiuiú, enormes, pousou no mastro da
bandeira. Não era comum. Principalmente naquela região. Quando ela recebeu o
distintivo, eles fizeram uma revoada e pousaram em seu ombro. Deste dia em
diante uma serie de estranhos acontecimentos começaram a acontecer.
A filha
de Dona Matilde tinha quatro anos e estava entre a vida e a morte. Rosa Maria
indo para sua casa após a reunião, viu varias pessoas na porta. Entrou. Colocou
sua mãozinha na dela e a beijou. A menina sorriu e sentou na cama. Ninguém
entendia. As duas começaram a cantar e brincar de roda. A cidade ficou sabendo.
Sempre alguém querendo milagres de Rosa Maria. Não houve outros. Não até ela
fazer doze anos. Já Escoteira. Espera Feliz sofria uma enorme seca. O gado nas
fazendas morria de sede. Os rios estavam secando. Muitos abandonavam a cidade
em busca de sonhos que ali não se realizaram. Pela manhã viram Rosa Maria, uniformizada,
em pé e em cima de um banco da praça, mãos abertas, olhando para o céu. Nuvens
negras apareceram. Uma chuva fina começou a cair. Os rios voltaram. Os pastos
ficaram verdes. Houve dezenas de casos. O Padre Rosaldo escreveu para o Bispo.
Anjo ou Demônio? Ele se lembrou de uma frase de Michele – “Amigos são anjos que
não só nos ensinam a voar como também nos mostram a hora de pousar na
realidade”. Um padre de Roma chegou à cidade. Um pouco tarde. Uma tosse
frenética tomou conta do corpo de Rosa Maria. Disseram que ela estava com
leucemia. Ficou entre a vida e a morte por três meses. Um dia pediu sua mãe que
lhe trouxessem seu uniforme. Com dificuldade o vestiu. Contra os desejos dos
médicos foi à reunião. Deixaram. Seria sua ultima vontade.
Na sede todos a receberam com
abraços e beijos. Ela pediu para falar no cerimonial de Bandeira. Não falou
muito. Disse que ia para o céu. Lá também é lindo, lá também os anjos são escoteiros
e escoteiras. Eles acampam nas estrelas distantes. Fazem jornadas na Grande
Nuvem de Magalhaes, dormem na Via Láctea e adoram passear em Andrômeda. Todos
estavam em silencio. Ela tossiu um pouco e continuou. – Deus um dia muito
ocupado resolveu criar anjos pra auxiliá-lo. Esses anjos chamam-se amigos. Vocês
são meus amigos. Que vocês escoteiros e escoteiras cumpram sua missão. Ajudem
uns aos outros. Não chorem por mim, vocês são meus amigos e amigos são como
anjos sem asas. Mas que com um único sorriso nos proporcionam tamanha alegria
que nos levam até o céu. Eu vou embora logo, não quero que chorem. Devem sorrir
e cantar canções alegres quando eu me for. As tristes machucam.
Rosa Maria morreu numa tarde de dezembro. Dizem que foi no dia vinte e
cinco de dezembro. Não sei. Morreu sorrindo. Na Necrópole da cidade, lá estavam
todos. Os escoteiros e escoteiras foram dar seu último adeus. Não estavam
chorando, mas seus olhos marejados de lágrimas era difícil de esconder.
Cantaram varias canções. Todas alegres como ela queria. Eles lembraram-se de suas
últimas palavras no Grupo Escoteiro. Quando alguém nos vê chorar é como se
despencássemos de uma alta nuvem. Vocês são meus amigos. São anjos. Foram
escolhidos por Deus. Devemos nos alegrar, consolar e compartilhar os momentos
que criamos para nós mesmos. Amo todos vocês!
Dizem, eu não sei que aquela noite milhares de cometas passavam
brilhando no espaço sideral sobre a cidade deixando um rastro colorido enorme,
com cores azuis, brancas, amarelas, alaranjadas e vermelhas. Dizem também e eu
não posso afirmar que o brilho das estrelas se superaram. E acho que não posso
acreditar no que me disseram. Nasceu uma nova estrela no céu. Brilhante. Um
brilho que quase ofuscava a lua quando aparecia. Ficou lá, no céu de Espera
Feliz para sempre!
** - algumas frases são do poeta Bruno Ciquetto.
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