Lendas
escoteiras.
A lenda de
Zezé Saviola, superando limites.
Zezé Saviola poderia ter sido um
bandido, um marginal ou um traficante de drogas. Não foi. Não foi por um motivo
simples. Alguém resolveu ajudá-lo e este alguém se chamava Montana, um simples
Chefe Escoteiro. Zezé Saviola era negro, magro e com o rosto marcado pela
varíola que sofreu quando criança. Sua mãe vendia drogas e seu pai vigia na
prefeitura vivia embriagado. Dona Leôncia morreu crivada de balas em um Beco no
Jardim das flores bairro favelado onde moravam. Zezé não tinha ninguém por ele
e por graças de boas almas vizinhas ele ainda tinha uma refeição e alguma roupa
que lhe davam. Algumas vezes seu pai acordava sóbrio e olhava para ele
chorando. - O que eu fiz? Perguntava a sí próprio ao olhar para seu filho Zezé
Saviola. Ele amava o filho, mas era sair de casa seu caminho era cheio de
bebidas alcoólicas. Muitas vezes acordava em uma marquise qualquer, em um banco
da praça e muitos que o viam bêbado pelas sarjetas juravam que ele chorava.
Chefe Montana fora Escoteiro
quando jovem e se tinha duas coisas que amava na vida era sua esposa Dorinha e
o escotismo. Eletricista formado pelo SENAI tinha uma boa casinha, um carrinho
simples e não desejava mais nada. Sua simplicidade supria suas dificuldades na
fala, ele era fanhoso, sua voz era horrível e quem não o conhecia dava grandes
gargalhadas o que o deixava triste, mas nunca enraivecido. Sua Tropa no Grupo
Escoteiro Águia de Haia o adorava. Eram 18 Escoteiros e 10 escoteiras sendo
estas aceitas quando Dorinha resolveu ajuda-lo para equilibrar meninos e
meninas. Os que o conheciam sabiam de suas qualidades. Os pais o respeitavam e
acreditavam que seus filhos teriam o melhor na formação que se pretendia na
Tropa Escoteira. Quase não ficavam na sede e sempre estavam no campo, fazendo
atividades aventureiras, acampando ou excursionando.
Zezé Saviola se sentiu encurralado.
Aos dez anos desconhecia o medo e lutava com qualquer um que o desafiasse.
Agora não, agora eram mais de seis meninos que o pegaram no Beco da Saudade e
nem sabiam por que queriam lhe dar uma surra. Talvez pelo seu rosto “perebento”
ou por ser filho de um beberrão. Zezé sabia que se tivesse oportunidade para
correr ninguém o alcançaria. Corria como o vento e sempre que podia ia para a
Estrada do Elefante e ali corria a mais não poder. Zezé se preparou para a
defesa, com as duas mãos juntas sabia que pelo menos dois iriam arrepender-se
de atacá-lo. Todos caíram em cima dele e aos gritos de mata o filho do demônio
ele tentava se defender de todas as maneiras. Alguém começou a gritar com todos
para largá-lo. A meninada conhecia aquela voz fanhosa e sabiam que não era hora
para sorrir. Saíram correndo e gritando – Vai ter outra vez Zezé Bexiguento!
Chefe Montana viu que ele sangrava no
nariz e um olho estava inchado. O levou para sua casa e o tratou. Lourdinha o
ajudou como podia. Zezé – Disse Chefe Montana – Quero ver você sábado no grupo
escoteiro. Faço questão que seja um de nós – Zezé olhou para Chefe Montana
ressabiado. Nunca pensou em ser Escoteiro, mas quem sabe poderiam ajudá-lo a
enfrentar a molecada que sempre o espancava? No sábado ele chegou com receio.
Não foi preciso, pois foi muito bem recebido e encaminhado para a Patrulha Javali.
Com dois meses Zezé se sentiu outro e aquela tristeza que o acompanha se
transformou em um sorriso. Disseram a ele que quem entra se transforma. Passa a
acreditar que a felicidade existe. Quatro meses depois a tropa estava
alvoraçada, pois sabiam que se aproximava a data das olimpíadas escoteiras
distritais. Mesmo treinando muito todas as modalidades sabiam que dificilmente
iriam ganhar uma medalha, no entanto isto pouco importava, pois o importante
era participar como dizia o Chefe Montana.
Chefe Montana não gostava muito de
participar da Olimpíada. Eram cinco grupos e dois deles se achavam os tais.
Viviam se gabando que ninguém tinha vez com eles. Um deles o Grupo Escoteiro
Dez Estrelas em todas as atividades que participavam sempre ganhavam. O Chefe
deles um fanfarrão dizia que quem quisesse vencer que se “ralasse”, pois o
grupo era de gente de posse. Contratavam sempre bons Professores de Educação
Física e treinavam quase diariamente. Todos os anos colocavam uma faixa na
porta da sede dizendo – Grupo Escoteiro Padrão Ouro! O melhor da cidade! Zezé
quando soube pediu para inscrevê-lo em quatro modalidades – Corrida, salto em
altura, salto em distância e revezamento dos 200 metros. Inacreditável! Todos
ficaram boquiabertos com Zezé. Ganhou todas. Nem Zezé sabia que era um
triatleta. Zezé foi festejado e o Melhor Grupo da cidade humilhado. Se pelo
menos aprenderam que a cortesia, a lealdade e a fraternidade escoteira eram um
fato então valeu a pena as medalhas que Zezé ganhou.
Aos desesseis anos já sênior Zezé
soube de uma corrida famosa na capital. Não tinha dinheiro para inscrição e o
Chefe Montana fez questão de pagar. A tropa fez uma vaquinha para sua viagem e
ficaram torcendo por ele. Zezé não tinha roupa apropriada para a corrida, usou
a calça e a camisa de Escoteiro e sem calçado foi colocado em um dos últimos
locais da corrida. Os melhores na frente. O mundo se surpreendeu com o maior
Corredor brasileiro de todos os tempos. Primeiro lugar disparado e seu prêmio
em dinheiro foi de cem mil reais. Na cidade foi ovacionado e até um carro de
bombeiro estava lá esperando a chegada do trem. Zezé humilde viu que a multidão
aplaudia. Do premio fez questão de doar trinta mil ao grupo apesar do Chefe
Montana tentar recusar. Com o saldo comprou uma casinha de alvenaria e prometeu
ao seu pai que tudo ia mudar.
Mudou mesmo. Zezé Saviola passou a
participar de todas as corridas em todo o mundo. Ficou rico e todos se
divertiam, pois ele insistia em correr descalço e com a calça e camisa
escoteira. Aonde ia fazia questão de estar com seu uniforme. Dizem que toda
história tem final feliz, esta não tem. Poderia ter se não fosse Trinado da
Morte, um bandido que morava na capital e recebeu um bom dinheiro de um
financista que queria que seu pupilo ganhasse todas as corridas. Contratou o
matador para matar Zezé Saviola. Foi um tiro certeiro, mas Zezé não morreu.
Ficou paraplégico. Ainda bem que guardou um bom dinheiro e ele e seu pai tinham
o que precisavam. Zezé nunca desistiu de nada. Jurou a si mesmo que voltaria a
andar e correr. Cinco anos depois ele sentiu uma perna e dois anos depois a
outra. Dez anos passados e Zezé ficou em pé. Quando quinze anos depois se
inscreveu em uma corrida novamente foi saudado como herói por todo o Grupo
Escoteiro. Chefe Montana e seus Escoteiros nunca abandonaram Zezé Saviola. Sua
bondade, sua simplicidade e sua maneira de ganhar sem se vangloriar serviram de
exemplos para eles por toda a vida. Como dizia Ayrton Senna - Se você quer ser bem sucedido, precisa
ter dedicação total, buscar seu último limite e dar o melhor de si.
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