Pensamentos de Baden-Powell
Estes pensamentos de BP
já são conhecidos de grande parte dos nossos jovens e adultos Escoteiros.
Escrito por Lord Somers está intacto na sua escrita ouvida diretamente do nosso
fundador. A tradução sofre em diversas passagens, mas acredito que são
perfeitamente compreensíveis. Que as palavras do nosso Mestre Escoteiro nos
ajude a perseverar no adestramento dos nossos jovens.
Prefácio
Em 1941, quando esta seleção de pensamentos do Fundador foi
publicada pela primeira vez, Lord Somers1 era Chefe Escoteiro da Comunidade
Britânica e do Império. Ele tinha sido escolhido por B-P para substituí-lo, e
sua morte prematura foi motivo de tristeza para os Escoteiros em todos os
lugares, por isso nós achamos que a introdução de Lord Somers deveria
permanecer nesta edição.
Por trinta anos B-P contribuiu para “The Scout”, com
notas e comentários na seção “Outlook”. O leitor ia direto à página da
seção, pois sabia que encontraria encorajamento, conselhos e inspiração, tudo
escrito num estilo muito pessoal que parecia uma conversa. Era deste modo que
B-P treinava aqueles que estavam tentando por em prática o Scouting for Boys.
Até mesmo quando um sistema de treinamento foi iniciado em Gilwell, estas notas
continuaram sendo um dos meios principais para passar as idéias e sugestões de
B-P ao grande contingente de Escoteiros em todos os lugares.
Agora que ele se foi, é desejável que algum registro permanente
de suas palavras esteja disponível, não somente para aqueles que se lembram
dele com gratidão por sua ajuda, mas também para benefício dos que virão.
Embora as circunstâncias possam mudar no futuro, os princípios e métodos.
1 Tenente-coronel Arthur Herbert Tennyson Somers-Cocks, 6º Barão
Somers, KCMG (Knigth Commander da Ordem de Saint Michael e Saint George), DSO
(Distinguished Service Order, Condecoração Militar do Reino Unido) , MC
(Military Cross, Condecoração da Forças Armadas Britânicas) nasceu em 20 de
março de 1887, em Freshwater, Ilha de Wight, e faleceu em 14 de julho de 1944,
no Castelo de Eastnor, Hereford. Filho de Herbert Haldane Somers-Cocks e
Blanche Margaret Standish Clogstoun foi um Administrador Britânico e serviu
como o 16º Governador do Estado de Victoria, Austrália entre 1926 e 1931. Ele
foi designado como Chefe Escoteiro do Império britânico em março de 1941, após
a morte de Lord Baden-Powell, o fundador do Movimento Escoteiro, que tinha sido
o Chefe Escoteiro Mundial, onde serviu até sua morte, em 1944, sendo sucedido
pelo Lord Rowallan. Em 1929, reuniu adolescentes de diferentes origens e fundou
o Lord Somer´s Capm and Power House, uma organização de jovens que funciona até
hoje.
Fundamentais do Escotismo resistirão, e as palavras de B-P nunca
serão obsoletas.
Reimprimir todas suas palavras teriam exigido um livro maior do
que a maioria de nós poderia dispor, ou que poderia ser produzido nestes tempos
de guerra. Ao fazer uma seleção, então, os seguintes pontos foram levados em
conta: assuntos que B-P teria incluído em um de seus livros e foi omitido (ele
freqüentemente experimentou suas idéias em “The Scout”); registros de suas
viagens pelo Império e pelo mundo que foram omitidas ou não pareciam úteis
incluir em referências passadas ou dificuldades menores.
Os extratos foram organizados em ordem cronológica, pelo
especial interesse de acompanhar o desenvolvimento das idéias ao longo dos
anos. Porém, um índice completo dos assuntos foi acrescentado, para facilitar a
leitura de algum assunto específico.
Uma seleção dos desenhos de B-P também foi incluída, porque ele
usou sua habilidade artística para ilustrar suas palavras, às vezes para zombar
de alguma extravagância, outras para colocar suas idéias na forma de um
memorável esboço. Nos primeiros anos estes desenhos eram raros, mas
posteriormente fez uso deles cada vez mais, e eles são típicos de sua visão, e
serão bem vindos aos leitores.
Este é um livro para mergulhar nele pelo tempo bastante para
compreendê-lo; ele será como um companheiro recordando para muitos de nós os
bons tempos, e a voz do líder ao qual seguíamos tão alegremente.
Lord Somers
Objetivos do acampamento
Os objetivos de um acampamento são:
(a) satisfazer o desejo do jovem pela vida ao ar livre do
Escotismo e
(b) coloca-lo completamente à disposição do Chefe Escoteiro por
um período definido para o treinamento do caráter, iniciativa, desenvolvimento
físico e moral.
Estes objetivos se perdem em grande parte quando o acampamento é
grande. A única disciplina que pode ser aprendida é a forma militar de
disciplina coletiva, que tende a destruir a individualidade e iniciativa, invés
de desenvolvê-las. Como há muitos jovens no terreno, o treinamento militar é
extenso, ocupando o lugar das práticas escoteiras e estudo da natureza.
Assim resulta que os acampamentos escoteiros devem ser pequenos
– não mais que uma tropa acampando juntos, e cada patrulha deve ter sua barraca
a alguma distancia da outra (no mínimo 100 jardas - 90 metros) dos outros. Isto
tem em vista desenvolver a responsabilidade dos líderes de patrulha com sua
unidade em particular. A localidade do acampamento deve ser escolhida para
estas instalações Escoteiras.
Outubro de 1909
Líderes de Patrulha
Alguns poucos Chefes Escoteiros estão atrasados no tempo, e por
conseqüência suas Tropas ficam abaixo da média, não fazendo uso suficiente dos
Líderes de Patrulha.
Eles deveriam dar aos seus auxiliares tanta liberdade quanto a
que gostariam de obter de suas Associações ou de seus Comissários. Devem se
assegurar que os Líderes de Patrulha sejam responsáveis por tudo de bom ou de
ruim que aconteça em suas patrulhas.
Devem dar-lhes responsabilidades, deixar que façam seu trabalho,
e se cometerem erros, deixem-nos fazer assim, e depois mostrem onde e o que
estava errado – só desse modo ele aprende.
Metade do valor do nosso treinamento sobrevém de colocar responsabilidades
nos ombros dos jovens. É especialmente valioso para domesticar os espíritos
mais selvagens, pois isto lhes dá algo que podem levar adiante em lugar das
atividades arruaceiras, igualmente aventureiras, mas menos desejáveis.
Abril de 1910
.
Distintivos de
eficiência
Nós aprovamos recentemente vários distintivos de eficiência, e
esperamos que isto sirva como incentivo aos Escoteiros se qualificarem como
pessoas úteis, seja em casa ou em uma colônia.
Enquanto estavam sendo considerados, chegou a nós uma
reclamação: em certos centros a dificuldade de passar nos testes para qualquer
distintivo era tão grande que o que tinha sido uma medida atraente para os
jovens estava se tornando rapidamente um exame “bicho-papão”2.
Temo que isto seja devido a falhas na aplicação da idéia.
Estes distintivos são planejados meramente como um encorajamento
para que o jovem tenha um passatempo ou ocupação e obter algum progresso com
isto; eles são um símbolo para um jovem que conseguiu conquistar.
2 - No original “bugbear”, também chamado " boogerbear
", é uma criatura legendária comparável com “bogeyman”, “bogey”,
“bugaboo”, “hobgoblin” e outras criaturas do folclore, todas historicamente
usadas em algumas culturas para amedrontar as crianças desobedientes. Na
Inglaterra medieval, por exemplo, o “bugbear” era um urso arrepiante e
gigantesco que espreitava nos bosques; as crianças eram advertidas para não
vaguear longe de casa ou não se portar mal, senão o “bugbear" iria
pegá-las. Em um contexto moderno, o termo “bugbear” serve como uma metáfora
para algo que está aborrecendo ou está irritando. ““ De acordo com o Dicionário
Webster, um “bugbear” é” um duende imaginário ou espectro usado para
amedrontar”, " um objeto ou fonte de medo ", ou " uma fonte
contínua de irritação” (Wikipédia) pessoa de fora de que ele faz algo. Não se
pretende que signifique que ele é especialista na arte na qual é testado. Por
isso os examinadores não devem exigir padrões excessivamente elevados,
especialmente no primeiro distintivo.
Alguns são inclinados a insistir que seus Escoteiros sejam de
primeira classe antes que possam obter algum distintivo. Na teoria isso é muito
certo, você consegue alguns jovens muito proficientes, mas nosso objetivo é
fazer com que todos sejam
interessados, e que cada um inicie um ou dois hobbies, de modo que ele possa
descobrir o que mais lhe é adequado e que pode lhe oferecer uma carreira na
vida.
O Chefe Escoteiro que criteriosamente coloca para seus jovens um
ou dois desafios fáceis, faz com que eles passem com confiança e entusiasmo,
enquanto que colocando um muro de pedra os fará recuar e deixar de fazer tudo.
Ao mesmo tempo não recomendamos o outro extremo, isto é, quase
dar os distintivos com um conhecimento muito superficial dos assuntos. É uma
questão que os examinadores devem usar o bom senso e critério, mantendo o
objetivo em vista.
Abril de 1910.
Nosso Objetivo
No Exército temos alguns pontos que almejam o treinamento de
nossos homens, mas ao longo dos anos os passos do treinamento se tornaram tão
absorventes e importantes que em muitos casos a visão do objetivo se perdeu.
Por exemplo, veja o exercício da espada. Neste, vários recrutas
são instruídos no uso da espada para se tornarem bons esgrimistas. Eles são
colocados em uma quadra e treinados para permanecer em certas posições e
desenvolver certos ataques, defesas e esquivas, conforme um plano estabelecido.
Tão logo façam isto com perfeição em conjunto – e isso é trabalho de meses para
conseguir – são declarados eficientes espadachins, mas não podem enfrentar um
inimigo mais do que minha botina. O objetivo da instrução foi negligenciado
pelo desenvolvimento dos passos em si.
Espero que este mesmo engano nunca seja cometido por nós nos
Escoteiros. Nós temos sempre que manter nosso grande objetivo diante de nós e
fazer nossos passos conduzirem a ele. O objetivo é fazer de nossa raça uma
nação de trabalhadores energéticos e capazes, bons cidadãos, seja para a vida
na Inglaterra ou ultramar.
O melhor princípio para este fim é conseguir com que os jovens
aprendam por eles mesmos dando-lhes um currículo atraente, em lugar de
martelá-los com alguma forma de instrução de “moer os ossos”. Temos de lembrar
que a maioria dos jovens estão cansados com horas de escola ou seminário, e o
nosso treinamento deve, portanto, ser em forma de recreação e ao ar livre
sempre que possível.
Esse é o objetivo de nossos distintivos e jogos, nossos exemplos
e padrões.
Se você ler do princípio ao fim o Scouting for Boys mais uma
vez, com o Grande Objetivo diante de você, verá o significado mais claramente.
E o grande objetivo significa não só a prática de “contribuir e
fazer” com seus próprios dirigentes, mas também com outras organizações que
trabalham no mesmo sentido.
Em um grande movimento para um grande objetivo não há lugar para
pequenos esforços pessoais, temos que afundar idéias menores e nos abraçar em
uma grande associação para lidar efetivamente com o todo.
Nós Escoteiros somos jogadores de um mesmo time com a Boys’s
Brigade (Brigada de Rapazes, Church Lads (Jovens da Igreja), YMCA (Young Man
Chisthian Association – Associação Cristã de Moços), Departamento de Educação e
outros). Cooperação é o único modo de se obter sucesso.
Maio de 1910.
Treinamento de
Escoteiros
Quando eu visito um distrito para inspecionar Escoteiros, uma
grande parada é formada, com o máximo possível deles, pois esta é a única
maneira de um grande número ser visto de uma só vez. Penso que precisamos ter
todo o tato – os Escoteiros, Escotistas e eu – quanto a isto, afinal de contas,
uma parada formal realmente não dá oportunidade de testar as qualidades
individuais dos jovens e chefes.
Sempre que posso dispor de uma hora ou duas, faço questão de
assistir os Escoteiros em suas atividades fora das luzes de uma inspeção
formal.
Tenho feito bastante isto ultimamente, sem o conhecimento formal
da Tropa interessada, e notei um ou dois pontos interessantes.
Em geral fiquei bastante contente com o que vi, mas não preciso
discorrer sobre isso. Quero mostrar pontos onde penso que melhorias podem ser
feitas, e estou certo que os Chefes Escoteiros não pensarão que estou
escrevendo com espírito de crítica, mas com o desejo exclusivo de ajudar em
suas tarefas.
Em primeiro lugar, muitos Chefes Escoteiros parecem ter lido o
Scouting for Boys uma vez, deixando-o então por outras formas de treinamento,
algumas não muito boas para os jovens. Como escrevi antes, o grande objetivo
deve ser mantido antes de tudo, considerando que alguns chefes partiram para
treinamentos os quais estavam mais familiarizados, mas que não tem nenhuma
referencia com a formação do caráter individual dos rapazes.
Muito treinamento, pouca atividade de campo é uma falha comum.
Fazer os rapazes disciplinados utilizado suas próprias capacidades é o nosso
objetivo – muito no princípio da habilidade do marinheiro e não tanto na
máquina - à semelhança da vida rotineira do soldado. Adote as linhas do manual
e se desenvolva nelas.
Junho de 1910.
Acampamentos
Como estamos agora na estação dos acampamentos, eu gostaria de
falar que um ou dois acampamentos que vi infelizmente estavam no caminho
errado, entretanto outros eram muito satisfatórios.
Eu recomendo fortemente acampamentos pequenos, com cerca de meia
dúzia de patrulhas, cada patrulha em uma barraca separada e em um terreno
separado (como sugerido em Scouting for Boys), de forma que os Escoteiros não
se sintam parte de um grande rebanho, mas membros responsáveis de uma unidade
independente.
Grandes acampamentos fazem com que os Escoteiros tenham trabalho
e necessitem de treinamento militar. Um dos que visitei outro dia,
excessivamente pensado e realizado como uma pequena organização Militar me
agradou muito pouco, não somente porque estava inteiramente na linha militar,
mas também as Patrulhas – a essência do sistema – foram quebradas para ajustar
os membros às barracas.
Patrulhas devem ser mantidas intactas em todas as
circunstâncias. Se mais de seis ou sete patrulhas estiverem fora ao mesmo
tempo, devem ser separadas preferencialmente em dois acampamentos distintos e
separados por, digamos, duas milhas ou mais (3,2 quilômetros).
Junho de 1910.
Líderes de Patrulha
O melhor progresso é feito naquelas tropas em que poder e
responsabilidades são realmente colocados nas mãos dos Líderes de Patrulha.
Esse é o segredo do sucesso de muitos Chefes Escoteiros, quando uma vez que
tenham meia dúzia de Líderes de Patrulhas, realmente os fazem agir como se
fossem Chefes Assistentes. Os Chefes Escoteiros encontram os capazes de, por si
mesmos, seguir adiante e aumentar suas tropas, seja iniciando uma nova patrulha
ou adicionando recrutas a uma existente.
Espere bastante de seus Líderes de Patrulha, e nove em dez vezes
eles superarão suas expectativas, mas se você sempre lhes der comida na boca e
não confiar neles, você nunca conseguirá que façam qualquer coisa por iniciativa
própria.
Junho de 1910.
Entrando no jogo
Fazemos de nossos jovens cidadãos, portanto, é essencial
esforçarmo-nos para criar neles o hábito da alegre cooperação, de esquecer seus
desejos e sentimentos pessoais em prol do coletivo no qual estejam
comprometidos, seja no trabalho ou na diversão. Podemos ensinar ao jovem que é
exatamente como no futebol. Você tem que jogar na sua posição e participar do
jogo; não queira ser o juiz quando você estiver jogando na retaguarda, e não
pare de jogar quando se encher do jogo, mas mantenha-se junto, animadamente e
esperançosamente, de olho no objetivo, ajudando sua equipe a ganhar, mesmo
tomando chutes na canela ou caindo na lama.
Mas a melhor de todas as formas de instrução que o Chefe
Escoteiro pode proporcionar é à força do exemplo. Se ele quiser ter sucesso em
incutir o caráter correto no jovem, é essencial que pratique o que prega.
Jovens são imitativos, e o que o Chefe Escoteiro faz, eles captam e refletem.
Instruções e especialmente ordens, costumam ter efeitos diferentes e até mesmo
opostos nos jovens, mas se lhes dá o exemplo, mostra que qualquer tolo pode
fumar, mas um Escoteiro sábio não o faz, esta é outra questão.
Em conseqüência, é de primordial importância que todo Chefe
Escoteiro com esta grande responsabilidade em seus ombros, faça um auto-exame
profundo, e suprima quaisquer pequenas falhas que possa ter – é um compromisso
de fato – e esforce-se para praticar aquilo que ensina, para dar o exemplo
certo aos seus jovens, para formação do caráter e da carreira deles. Consta no
nosso manual que um Chefe Escoteiro deveria passar por um período de observação
de três meses antes de ser finalmente designado.
O objetivo disto é permitir-lhe descobrir se o Escotismo
realmente enquadra-se nele, se é capaz de passar por cima de (ou pisar em)
pequenas preocupações ou pequenos aborrecimentos, se pode suportar as muitas
dificuldades preliminares e desapontamentos, se pode se ajustar no lugar a ele
designado, e lealmente seguir as instruções, pois estas podem não ser
exatamente aquilo que gostaria, enfim, em uma frase, se pode ocupar seu lugar
no jogo e jogar para o bem de todos.
Se puder fazer isto, estará fazendo o mais valioso trabalho que
um homem pode fazer, ou seja, ensinando aos irmãos mais jovens as grandes
virtudes da resistência e disciplina, determinação e altruísmo. Se, por outro
lado, não puder, seu único caminho honrado é conformar-se com sua escolha em
ser alguém covarde - a propósito, típico de homens que falham em qualquer rumo
da vida – resmungando sobre seus auto proclamados direitos, e reclamando da má
sorte.
Julho de 1910
Programa de treinamento
de inverno
Com a chegada da estação do inverno, temos oportunidade de
treinar e retreinar nossos jovens em habilidades manuais e eficiência.
Suponho que pessoas mais capazes que eu possam manter seus
jovens ocupados e progredindo em conhecimento sem utilizar qualquer sistema em
especial, mas eu confesso que não posso. O único meio pelo qual eu,
pessoalmente, posso efetuar qualquer coisa é estabelecendo previamente
programas definidos e trabalhando neles – um geral para a estação de inverno,
um mais particular para cada semana, com detalhamento para cada noite de
atividade que acontece habitualmente.
Eu não os faço muito ajustados, mas deixo margens e aberturas
para ocorrências imprevistas. Deste modo, uma grande quantidade de preocupações
e desperdícios de tempo é economizada. De fato, raramente é exagero dizer que o
resultado obtido por um plano sistemático de trabalho tem quatro vezes o valor
daqueles com arranjos fortuitos. É bom para o “caráter” dos jovens ensiná-los
também a fazer o planejamento antecipado de suas atividades, e, sabendo qual é
o objetivo a alcançar, eles se tornam duplamente mais interessantes.
Um ou dois Chefes Escoteiros me disseram que a idéia deles para
a estação de inverno é reforçar o treinamento em , digamos, quatro habilidades
manuais, por exemplo, cozinha, trabalhos em couro, eletricidade e sinalização.
Eles conseguem um expert para vir instruir a Tropa uma ou duas noites, uma
semana ou uma quinzena em cada assunto, então conseguem outro para a próxima
quinzena, e assim por diante. Deste modo esperam que durante o inverno seus
jovens tenham adquirido treinamento suficiente para obter quatro especialidades
cada ao final do inverno.
Outro Chefe disse ter feito uma exposição e venda de objetos
manufaturados pelos Escoteiros no final do inverno, tendo usado vários
indutores para conseguir com que os jovens trabalhassem à noite na sede com
ajuda de ferramentas, moldes, armazenamento, etc., e enquanto trabalhavam liam
em voz alta livros de aventuras, conversas de fogueiras de acampamentos, etc.,
com jogos ocasionais e canções para revigorar os trabalhadores.
Qualquer sistema deste tipo é valioso, mas necessariamente tem
que variar de acordo com condições locais e criatividade do Chefe Escoteiro, e
eu estou feliz de ver tantas boas idéias sendo iniciadas.
Não há nada como dar trabalhos manuais para os jovens para
treiná-los com prazer nas atividades, mas esses devem ser do tipo que realmente
interessem a eles em primeiro lugar. Isto tudo será melhor se puder ser feito
com uma equipe (ou Patrulha) competindo com outra, isto quer dizer trabalho em
equipe.
Novembro de 1910.
Tempestades em copo
d’água e como evitá-las
“Eu não brinco de mais nada em seu quintal”, era o refrão de uma
encantadora canção, coisa muito típica de criança que não gosta da maneira que
uma brincadeira está se desenvolvendo, e no final das contas, “faz uma cara
emburrada” e vai tentar outra brincadeira em outro lugar, ou então vai “contar
pra Mamãe”.
Isto faz um expectador adulto sorrir, mas ele mesmo não está
livre desse tipo de vaidade egoísta.
Eu freqüentemente estive no papel da “Mamãe”, e é quase
inacreditável que pessoas adultas ou quase adultas possam tratar coisas
insignificantes tão a sério e tão mesquinhamente como fazem alguns. Se eles
tivessem um pouco de senso de humor ou uma visão mais abrangente, poderiam ver
o outro lado da questão ou o objetivo maior, e também iriam rir da pequenez
dessas coisas.
Faz lembrar o quanto sente uma pessoa ao retornar de nosso
grande e vasto Império para uma pequena e velha ilha, e encontrar nossos
políticos arrancando os olhos uns dos outros por algum problema bairrista! Eles
não percebem que a guerrinha deles é somente uma piada para o expectador
externo.
Eles provavelmente se sentiriam bastante magoados se não fossem
sepultados na Abadia de Westminster como “Estadistas”, mas somente como
“Pequenos Políticos”.
Como a “Mamãe”, fui chamado outro dia num caso que era evidentemente
considerado de grande importância pelas partes envolvidas na contenda, mas que
pareceria ridiculamente simples para alguém de fora que viu ambos os lados e o
objetivo maior que supostamente era o objetivo comum deles.
Minha resposta para eles foi a que poderia ser aplicada a muitos
casos semelhantes em que os contendores não enxergam o caminho certo a seguir.
A resposta foi:
“É curioso para mim que pessoas que professam serem bons
cristãos freqüentemente se esqueçam de, em uma dificuldade desse tipo, fazer a
pergunta simples: ‘O que teria feito Jesus Cristo nestas circunstâncias? ’ e se
guiar de acordo.”
Tente isto da próxima vez que estiver em alguma dificuldade ou
dúvida de como proceder.
Nos primeiros dias do nosso Movimento havia muitas pequenas
disputas locais que eram realmente secundárias na maioria dos comitês, e que
nunca ocorreriam se os membros pudessem se lembrar de seus deveres e agir de
acordo com eles. Ultimamente, porém, essas sociedades contestadoras parecem ter
diminuído, dando lugar para conselhos de mútua cooperação e ajuda, e tudo
caminha bem.
Março de 1911.
Primeiros Socorros
“Qual é o problema do seu paciente?" Pergunto ao Escoteiro
Socorrista que está cheio de distintivos uns em cima dos outros como é a moda
hoje.
“Pois não, senhor - clavícula quebrada”.
“Certo. Agora, que osso é este?”
“O fêmur, senhor. Não, não- é - é a tibi... --é...”.
“Bem, como você chamaria ele se levasse um pontapé e estivesse
falando a seus amigos sobre isto?”
“Canela, senhor”.
Quando eu perguntei ao instrutor por que é considerado
necessário confundir as mentes dos meninos com os nomes latinos para ossos
ordinários, ele disse que era necessário para passar no exame do médico para
obter distintivos ou certificados.
Espero que todos os Comissários e Chefes Escoteiros expliquem
aos instrutores de Primeiros Socorros que nós queremos ensinar aos jovens como
lidar na prática com acidentes, e não passar em exames.
Eu dou pouco valor ao sistema moderno de ataduras semi-prontas,
onde é informado ao jovem previamente cada ferimento que elas são adequadas,
tendo todas as aplicações prontas, bastando somente dobrar e amarrar, e onde o
jovem sabe os nomes latinos dos ossos com que está lidando. Eu prefiro muito
mais as demonstrações práticas, e fico feliz de ver que estas estão
prevalecendo no Escotismo, pois são a imitação mais próxima de acidentes.
Quando um paciente é encontrado coberto com lama e sangue, deve
ser lavado suavemente ou com esguicho antes para saber o que fazer dependendo
da natureza dos ferimentos (manter o rosto para baixo para prevenir
obstruções). O primeiro Escoteiro que o localizou, ou a pessoa designada pelo
instrutor ou audiência, se encarrega do caso, executa o trabalho, dirige os
outros, e não usa palavras latinas. E será melhor se forem usados materiais
improvisados, tratando o ferimento de maneira apropriada, em vez de meramente
enrolar uma bandagem sobre ele. Por exemplo, os movimentos deveriam ser rasgar
a roupa, tampar uma ferida, ou tudo que possa ser detalhado no caso.
Abril de 1911.
O Valor de Vida
Campestre
Eu não posso convencer o Chefe Escoteiro o grande valor da vida
campestre no treinamento dos Escoteiros, mas de fato creio que sua essência
depende disso.
Muitos Chefes Escoteiros que avaliam o lado moral do nosso
treinamento estão quase inclinados a subestimar a importância da vida no campo,
mas ela é tudo para os jovens. Nós temos que atrair o entusiasmo e gostos deles
em primeiro lugar, se tencionamos fazer algo de bom por sua educação.
Uma eminente autoridade educacional assegurou-me que atualmente
essa nossa educação escolar está toda no caminho errado. O aprendizado por
livros foi introduzido por monges com o fim de neutralizar o treinamento mais
varonil em habilidades braçais e de caça que, na Idade Média, ocupava o tempo
dos jovens, o que sem dúvida produziu uma grande porção de homens de caráter
entre eles. Isto acabou em um objetivo de pouca visão, embora tivesse feito
algum bem em certos aspectos, foi infinitamente danoso para nossa raça em
outros.
Ele disse: “Você deve antes de tudo desenvolver o caráter
natural do jovem, encorajando-o nos exercícios atléticos naturais, que tendem a
fazê-lo mais varonil, valente, obediente e altruísta. Depois lhe incentive o
desejo de ler, o que o conduzirá eventualmente ao estudo sozinho. A falácia de
tentar forçar o jovem a ler o que o pedagogo quer que ele saiba é o segredo de
tanta ignorância e ausência de esforço no estudo entre nossos jovens atualmente”.
Esta mesma autoridade gostaria de ver o Escotismo ou algum
esquema similar introduzido em extensão a nossas escolas, e em atenção a isto,
tornado obrigatório a todos os jovens entre quatorze e dezesseis anos.
Eu espero que o desejo dele ainda possa ser satisfeito. Eu creio
que isso ocorrerá se os Chefes Escoteiros prosseguirem no caminho que começaram
e provarem às autoridades educacionais de sua região o valor educativo que
lastreia nosso Movimento.
Abril de 1911
No Acampamento
Eu escrevi minhas notas este mês no acampamento. Eu espero que
muitos Chefes Escoteiros tenham sido capazes de passar seus feriados deste ano
em acampamentos, como eu. Se desfrutou disso tanto ou mais que eu, terá feito
uma boa coisa.
Tenho certeza que uma semana ou duas de tal vida é o melhor
descanso restaurador e o melhor tônico para o corpo e a mente que existem para
uma pessoa, seja ele menino ou idoso. Por acampamento eu quero dizer um
acampamento no bosque, não um acampamento militar para alojar um grande número
de pessoas sob uma lona. Este não é mais parecido com o tipo de acampamento que
eu defendo do que um gafanhoto é parecido com um ganso.
O acampamento Escoteiro deve ser do tipo acampamento de bosque,
se quiser ser realmente bem educativo. Muitos acampamentos militares, não a
maioria, são responsáveis por causar mais prejuízo do que bem aos jovens,
exceto aqueles com boa administração e supervisão rígida. Considerando um
acampamento mateiro, se corretamente desenvolvido dará desenvoltura individual
e ocupação aos jovens todo o tempo.
Um grande acampamento tem necessidade de ser conduzido com uma
quantidade considerável de rotinas disciplinares. Formaturas têm que ser
asseguradas para dar ocupação e instrução aos jovens, reuniões fatigantes,
inspeções de barracas, listas de chamadas, filas de banho, e assim por diante.
Isto não serve para a revigorante vida ao ar livre, esse tipo de acampamento
pode muito bem ser feito em barracas na cidade, não ensina aos jovens nada de
individualidade, desenvoltura, responsabilidade, conhecimento da natureza, e
muito menos (realmente pouquíssima) educação do caráter, para o qual o
acampamento mateiro é o melhor, senão a única escola.
Mas um acampamento mateiro só pode ser realizado com um número
pequeno de jovens, de trinta a quarenta, sendo este o máximo possível, e
somente se o sistema de patrulhas for realmente e inteiramente colocado em uso.
Evidentemente é fácil alguém escrever a partir de um acampamento
ideal deste tipo e pensar que todo mundo tem as mesmas possibilidades, mas eu
não pretendo pensar dessa maneira. Eu sei as dificuldades daqueles que tem que
argumentar com um Chefe Escoteiro na Inglaterra, mas quero colocar o ideal à
frente desses que não tem refletido muito cuidadosamente sobre a questão, e são
inclinados, por costume ou exemplo, a achar que a forma militar de acampamento
é a habitual e correta para os jovens. O ideal deve ser seguido o mais
fielmente possível que as circunstâncias locais permitam.
Aqui estou acampado perto de um rio que corre entre colinas
revestidas de florestas. É perto de dez da manhã. Levantei-me as cinco, e estas
cinco horas foram cheias de tarefas para mim, muito embora fossem não mais que
pequenas tarefas de acampamento.
O fogão teve que ser reacendido, café e bolinhos foram feitos.
Em seguida foram lavados e areados os utensílios de cozinha; coletada lenha
para o dia (para queimar e formar brasa); uma nova barra e ganchos para panelas
tiveram que ser cortados e aparados; uma tenaz para o fogo e uma vassoura de
galhos para limpeza do chão do acampamento tiveram que ser cortados e feitos. A
roupa de cama teve de ser arejada e guardada; as botinas foram engraxadas; o
chão do acampamento foi varrido e o lixo queimado; a truta teve de ser
destripada e lavada. Finalmente me barbeei e tomei um banho, e aqui estou
pronto para as tarefas diárias que possam surgir. Mas levei cinco horas para
tudo isso.
Meu companheiro foi ontem para o vilarejo mais próximo e deverá
voltar logo com nossas cartas e suprimentos. Ele me encontrará em algum lugar
pescando ou desenhando, e juntando amoras para nossa “sobremesa” de compota de
frutas ao jantar; mas encontrará o acampamento varrido e guarnecido, fogão
pronto para ser aceso, panelas, copos e pratos todos limpos e prontos para uso,
à comida à mão.
Nós podemos provavelmente “fazer as malas” e viajar em seguida,
e ver um pouco mais das belezas da terra, como podemos “carregar nossas coisas”
para o próximo local de acampamento com uma agradável paisagem. Então vem todo
esse negócio de montar o acampamento, buscar água e lenha, fazer a comida, e
buscar seu próprio conforto. Toda uma seqüência de pequenas tarefas cuja soma é
importante. Todas elas dão prazer e satisfação ao homem mais velho, enquanto
que aos mais jovens trazem prazer, experiência, desenvoltura, autoconfiança,
pensamentos para os outros, e aquela excelente disciplina dos costumes
campestres, sendo esperado que façam a coisa certa para eles.
Eles não têm nenhum tempo para inatividade, e não há espaço para
o ocioso. Mas isto é uma coisa bastante diferente daquelas ruas de lona, onde
os suprimentos são entregues por uma empresa, e cozidos e servidos por
empregados contratados, com os jovens em rebanhos, fazendo somente o que os
mandam fazer.
Setembro de 1911
Disciplina
Em um pequeno acampamento muita coisa pode ser feita pelo
exemplo. Você está vivendo com seus jovens, é observado por cada um deles, é
imitado inconscientemente, e isto provavelmente passa despercebido por você.
Se você é preguiçoso, eles serão preguiçosos, se você faz da
limpeza um hobby, isto se tornará o deles, se você for inteligente e inventar
acessórios para o acampamento, eles se tornarão inventores concorrentes, e
assim por diante.
Mas não faça muito do que deveria ser feito pelos jovens, deixe
que eles façam – “quando você quer uma coisa feita, não faça você mesmo” é o
lema certo. Quando for necessário dar ordens, o segredo para obter obediência é
saber o que você quer exatamente e expressar isto de maneira muito clara e
simples. Se você acrescentar à ordem uma explanação da razão para ela, esta
será feita com maior boa vontade e muito maior inteligência.
Se você acrescentar à ordem e à sua explicação um sorriso, você
conseguirá que seja cumprida com entusiasmo. Lembre-se: “um sorriso consegue
duas vezes mais que um rosnado”.
Um tapinha nas costas é um estímulo mais forte que uma
alfinetada.
Espere grandes coisas dos seus jovens e você geralmente obterá.
Setembro de 1911
Treinamento de Inverno
para Escoteiros
Estou feliz por ter recebido de alguns Comissários as idéias que
propõem no sentido de sistematizar a instrução da Tropa nos meses de inverno.
O inverno logo chegará, e a menos que o planejamento esteja
pronto a tempo, encontrará as pessoas responsáveis sobrecarregadas antes de
terem colocado em ordem o trabalho.
Uma sugestão é revisar o curso inteiro oferecido em Scouting For
Boys, e penso que isso é muito bom, porque Chefes Escoteiros e Escoteiros,
depois de ler o livro, executam as idéias de acordo com o que se lembram dele,
e adicionam novas idéias em linhas similares (é isto que eu gosto de ver), mas
sem muitas referencias fora do livro, e no fim um bom número de detalhes é
esquecido no treinamento, entretanto eles podem ser pequenos e aparentemente
insignificantes, mas todos eles têm sua importância. Veja, por exemplo, a
sugestão de limpar os dentes e fazer uma escova de dente campestre, este é um pequeno
ponto que provavelmente é desprezado nas recomendações em algumas tropas, mas é
de real importância a seu modo, e há centenas de outros semelhantes. Então “pata
tenras” que provavelmente terão entrado para a Tropa, que foi treinada
originalmente nas diretrizes do livro antes de sua chegada, e provavelmente só
entraram na forma subseqüente de treinamento, saberão pouco do ensino original.
Chefes Escoteiros que relêem o livro depois de algum intervalo, com certeza
verão alguns desses pontos com uma luz nova. Assim por várias razões, podem-se
repassar os ensinamentos do livro durante os meses de inverno.
Outubro de 1911
Fraternidade
internacional
Diversos países – cerca de uns doze – que adotaram o escotismo
para seus jovens estão agora formando uma aliança amigável conosco para
intercâmbio recíproco de opiniões, correspondências e visitas, e assim promover
um maior sentimento de solidariedade entre as novas gerações.
A paz internacional só pode ser construída sobre uma base, que é
o desejo de paz internacional partindo do próprio povo em sólida união para
guiar seus Governos.
Se o valor de um couraçado fosse colocado à nossa disposição
para o desenvolvimento dessa amizade internacional e camaradagem entre as novas
gerações, creio que nós, Escoteiros, faríamos muito mais para prevenir a guerra
do que todos os couraçados reunidos.
Dezembro de 1911
Educação
Uma das mais importantes possibilidades que se encontram diante
de nós é a Educação.
Temos, por outros caminhos, chegado às mesmas conclusões que chegaram
autoridades educacionais com suas experiências.
Resumidamente, o segredo da educação eficiente é QUE CADA ALUNO
APRENDA POR ELE MESMO, EM VEZ DE UM INSTRUTOR CONDUZINDO-O AO CONHECIMENTO
ATRAVÉS DE UM SISTEMA ESTEREOTIPADO. O método consiste em levar o jovem a
perseguir o OBJETIVO de seu treinamento, e não entediá-lo com os passos
preliminares de início. As autoridades educacionais já nos reconhecem como
cooperadores na mesma esfera de ação, o objetivo de ambos é produzir cidadãos
saudáveis e prósperos. Elas se ocupam do desenvolvimento intelectual, nós
caminhamos um pouco mais para o desenvolvimento do “caráter” que, afinal de
contas, é o atributo mais importante para prevenir as doenças sociais da
inatividade e do egoísmo, e dá melhores oportunidades de uma carreira de
sucesso em qualquer direção da vida.
Estamos desenvolvendo esforços para ajudar as autoridades
educacionais em todos os aspectos que podemos. Elas estão trabalhando
inteiramente de acordo conosco em vários centros importantes.
Janeiro de 1912
Religião
Relacionada muito próximo com a educação, temos a importante
questão da religião. Resumidamente não apoiamos qualquer uma das formas de
professar a fé mais que outras, procuramos um caminho para colocar este
princípio em prática como fazemos em outros ramos da educação, ou seja,
colocamos os jovens em contato com seu objetivo de fazer seu dever para com
Deus por intermédio de seu dever para com o próximo. Ajudando os outros fazendo
diariamente uma boa ação, salvando alguém do perigo, adquire-se a coragem,
autodisciplina, cavalheirismo, que se tornam rapidamente parte de seu caráter.
Esses atributos, juntamente com o correto estudo da Natureza, devem
inevitavelmente ajudar a conduzir a alma do jovem mais próximo à
espiritualidade com Deus.
Pessoalmente tenho minhas próprias opiniões quanto ao valor
relativo do ensino das Escrituras às crianças nas escolas dominicais, e o valor
do estudo da natureza e da prática da religião ao ar livre, mas não vou impor
minhas opiniões pessoais aos outros.
Prefiro ser guiado pela opinião coletiva de homens experientes,
e aqui uma notável promessa está diante de nós. O Escotismo tem sido descrito
por diversas pessoas de respeitável reputação como uma “nova religião” – três
vezes li isto nesta semana. Não é, naturalmente, uma “nova religião”, é
simplesmente a aplicação na religião de princípios agora aprovados por secular
tradição – aquele que dá um objetivo definido e coloca a criança para aprender
e praticar para si própria – o qual, imagino que de todas as experiências que
terá, será o único treinamento que realmente manterá a pessoa no bem, e
finalmente fará parte de seu caráter.
Janeiro de 1912
O ponto de vista dos
outros
Nossa atitude no Movimento Escoteiro deve ser de não querermos
estar em conflito com quaisquer políticas, sejam educacionais, religiosas, ou
de outras entidades, mas de ficarmos felizes com seus conselhos ou sugestões.
É nosso objetivo estar em paz com todos e fazermos o melhor em
nossa própria linha.
Provavelmente a maioria de nós está em sintonia com ideais
socialistas, embora talvez não vejamos com um mesmo olhar a viabilidade de seus
detalhes ou de seus métodos.
Nós, no escotismo, desejamos não somente corrigir os males
sociais presentes, como também prevenir sua recorrência nas novas gerações,
tentar reduzir o grande desperdício de vidas humanas atualmente existentes nas
favelas das cidades onde tantos milhares de seres humanos vivem uma existência
de miséria pelo desemprego, isto nem sempre por sua própria culpa, mas
simplesmente por nunca lhes terem dado uma chance.
O nosso principal esforço é atrair os jovens e colocá-los em um
caminho correto para o sucesso em sua vida, nos empenharmos para equipá-los –
especialmente os mais pobres – com “caráter” e habilidades manuais para que cada
um possa pelo menos ter um trabalho. Se após isto ele fracassa, então é sua
culpa e não daqueles que estão em posição de ajudar nossos irmãos menos
favorecidos, como acontece atualmente.
O fato é que a justiça e a honestidade nem sempre fazem parte
dos currículos escolares. Se nossos jovens são treinados para enxergarem o
ponto de vista de seus companheiros antes do seu próprio no julgamento em um
litígio, que diferença faria na maturidade de seu caráter!
Esses rapazes não seriam levados pelo primeiro orador que cativa
seus ouvidos sobre qualquer assunto, como comumente acontece atualmente, mas
desejariam também ouvir o que a outra parte tem a dizer sobre a questão,
refletindo por si mesmos como adultos.
E assim é com quase todos os problemas da vida, o poder de
julgamento individual é essencial, quer seja nas escolhas políticas, religião,
profissão, esportes – metade dos fracassos e três quartos dos sucessos parciais
entre nossos filhos são devidos à carência disto.
Queremos que nossos homens sejam homens, e não cordeiros. E na
grande proposição da Paz Internacional, tenho para mim que antes de abolir
armamentos, antes de se fazer tratados de paz, antes de construir palácios para
os delegados das nações se reunirem, o primeiro passo é a formação de todas as
novas gerações – em cada nação – guiadas por um absoluto sentimento de justiça.
Quando os homens tiverem como instinto na condução das tarefas da vida, olhar
as questões com imparcialidade de ambos os lados antes de se tornarem
partidários de um deles, então, ao surgir crise entre duas nações, estariam
naturalmente mais dispostos a reconhecer a justiça de cada caso e adotarem uma
solução de paz, o que é impossível enquanto seus espíritos estiverem
acostumados a entrar em guerra como único argumento.
No movimento escoteiro temos a nosso alcance grandes
oportunidades para introduzir treinamento prático em justiça e honestidade,
como jogos e competições de campo, e através de arbitragens, cortes de honra,
ensaios e debates na sede.
Julho de 1912.
FIM
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