Crônicas de um Velho Chefe
Escoteiro.
Na beira do caminho tinha uma
flor... Tinha uma flor na beira do caminho.
Era um sol de meio
dia. Quente, fervendo o sangue do Escoteiro caminhante. Mal dava para olhar a
frente de tão quente... O chapéu de abas largas tentava segurar os raios amarelos
do sol poente. A camisa ensopada. Ele pensou em tirar o lenço e a camisa. Ficar
com a camiseta que estava por baixo. Mas esqueceu desta vontade. Aprendeu a
andar uniformizado onde fosse. Não importa se tinha alguém a vê-lo ou não. Há
horas esperava encontrar uma arvore frondosa, a beira do caminho. Nada. A
estrada era de terra e quase não cabiam dois veículos passando um pelo outro.
Ele sabia que ainda tinha chão para percorrer. Não fora com sua patrulha pela
manhã. Prova de matemática. Um mais dois cinco mais oito e ele aprendeu a
tabuada assim nas jornadas da vida. Agora não. Não calculava a soma divisão ou
a multiplicação. Precisava parar para descansar, mas e o riacho de águas
cristalinas e a árvore frondosa que não apareciam?
Tirou seu cantil e
bebeu dois goles. Não mais. Ele não sabia quanto tempo de caminhada ainda tinha
para encontrar um riacho. Ali era impossível. Tudo estava seco, nem o verde do
campo se via. O chão do caminho era terra pura e vermelha. Se chovesse valha-me
Deus o barro que formaria. Um, dois, quatro seis quilômetros de pé no chão. Sua
mochila pesava. Ele estava acostumado. Bastava encontrar uma árvore frondosa,
apenas um cochilo e ele andaria outros seis se necessário. E os pássaros? Ele
não via nenhum. Naquele sol escaldante nem pássaro se arriscaria a voar pelos
céus. Ele passou por ela... Na beira do caminho. Nem reparou. O sol não
deixava. O chapéu quebrando a testa para esconder o calor e a claridade
escondia as belezas que ele não via na beira do caminho.
Andou alguns passos
e parou. Sua mente tinha gravado a flor na beira do caminho. Pensou o que seria
e a mente o obrigou a lembrar. Voltou-se calmamente e a viu... Linda, vermelha,
quase do tamanho de uma rosa. Mas não era uma rosa. Somente ela com sua planta
a segurar como se fosse cair com o peso. Não havia vento, ela não se mexia. Mas
era linda. A mais linda flor que ele tinha visto. Deu meia volta até a flor na
beira do caminho. Quem pensaria que na beira do caminho tinha uma flor? Verdade,
mas na beira do caminho tinha uma flor. Ficou de frente a ela. Viu que ela
sorria e não se importava com os raios de sol que não penetravam nas suas
pétalas. Tirou sua mochila e se agachou ficando frente a frente com ela. Um
perfume suave percorreu seu olfato. Gostoso, delicioso. Aroma agradável de
cheirar. Era um balsamo para manter o corpo firme. Aquela sublime fragrância
jogava todo seu perfume no Escoteiro que caminhava no sol do caminho.
Ficou ali estático por
minutos que se transformaram em horas. Ela a flor na beira do caminho o
hipnotizava. Ele precisava prosseguir precisava chegar ao acampamento antes do
anoitecer. Seus amigos da patrulha o esperavam. Então o sol se escondeu. Uma
nuvem branca com pássaros esvoaçantes chegou. Um vento sul começou a soprar. A
flor balançou na sua planta, mas não caiu. O Escoteiro procurou um galho e o
fincou junto à flor. Do seu cantil molhou a linda flor da beira do caminho.
Precisava seguir adiante. O tempo não espera, e ele olhou a flor pela ultima
vez. Grande, Vermelha, quase do tamanho de uma rosa. O Escoteiro partiu olhando
para trás. Uma enorme tristeza o invadiu. A flor da beira do caminho balançou de
um lado a outro. Como se estivesse agradecendo o que o Escoteiro fez por ela.
Era só uma flor, uma
flor vermelha linda a beira do caminho. E ele viu que na beira do caminho tinha
uma flor, tinha uma flor na beira do caminho, tinha uma flor, no meio do
caminho tinha uma flor...
(Baseado no poema de Drummond – No meio do caminho
tinha uma pedra.).
Nota de rodapé: Nunca
me esquecerei dessa jornada. Na vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me
esquecerei que no meio do caminho tinha uma flor... Tinha uma flor no meio do
caminho. No meio do caminho tinha uma flor! Conto baseado no poema de Carlos
Drummond de Andrade. No Meio do Caminho.
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