Lendas da
Jângal.
O ultimo
Grande Uivo – É difícil dizer adeus...
Em nossa vida estamos sempre dizendo
adeus. Não é um adeus para sempre. Mas para crescer temos que deixar para trás
aqueles que amamos e nunca deixaremos de amar. Todos nós um dia deixaremos o
nosso lar, sem perceber dizemos adeus aos nossos pais, nossos irmãos, mas
continuamos junto a todos eles sempre na mente e no coração. Um dia vamos
partir para mais longe, mas o longe é tão perto que nos manteremos unidos em
qualquer tempo. Muitas vezes sentimos saudades do passado, buscamos lá no fundo
da memória cada ato, cada ação e isto nos trás um bem tremendo. Dizem que
recordar é viver. Acredito sim. Lembrando Drummond ele dizia que fácil é dizer
“oi” ou “como vai?” Difícil é dizer “adeus”... Fácil é abraçar, apertar a mão.
Difícil é sentir a energia que é transmitida... Fácil é querer ser amado. Difícil
é amar completamente só...
Realmente é difícil dizer adeus. Uma
palavra que não gostamos de usar. No escotismo estamos sempre dizendo adeus. Um
adeus diferente, pois estamos a poucos passos daqueles que despedimos. Mas
aquela saudade gritante ainda machuca quando partimos para a Cidade dos Homens.
Se um dia fomos lobos o nosso amor a nossa Alcateia, a nossa Akelá, nosso Balu,
Kaa, Baguera ou Raksha ficará para sempre em nosso coração. Se ali vivemos uma
vida cheia de amor, nada poderemos fazer para que um dia cada um de nós fique
para trás. Vai chegar a hora de dizermos adeus. Faz parte do nosso crescimento?
Sim faz parte. Iremos deixar para trás um pedaço de nós. Não foi assim que
disseram? O homem ao homem! É o desafio da Jângal! Já parte aquele que foi
nosso irmão. Ouvi, então, julgai, ó vós, gente da Jângal, respondei: - Quem irá
detê-lo então?
Tantos anos, um tempo simples cheio
de amigos e sem querer sabemos que o homem vai ao homem, mesmo que saibamos que
na Jângal está a nossa trilha, ninguém mais vai poder nos seguir. Nem mesmo
Shere Khan. Permanece aquela dúvida cruel de menino lobo, a lembrar de que
Mowgly queria ter morrido nas garras dos Dholes, quando sua força esvaiu-se e
ele sabia que não foi veneno. Dia e
noite ouvia um passo duplo no seu caminho. Quando voltava à cabeça sentia que
alguém se esconde atrás. Procurava por toda parte atrás dos troncos, atrás das
pedras, e não encontrava ninguém. Chamou e não tinha resposta, mas sentia que
alguém o ouvia e se guarda de responder. Ele se lembra de tudo. Sabia
que tinha de partir. Se Baloo, Akelá disse que ele iria um dia partir para a
Alcateia dos homens não tinha como fugir. Não era a lei? Não foi Kaa quem disse
que homem vai para os homens? Mesmo que a Jângal não mais o expulse? É não
adiantava mesmo que os irmãos Gris uivem furiosamente dizendo – Enquanto
vivermos ninguém, ninguém mesmo ousará!
Ele sente que já está com saudades.
Estão todos prontos para o Ultimo Grande Uivo. Quantas vezes ele os fez?
Quantas vezes ele gritou melhor, melhor, melhor e melhor? Quantas vezes a Akelá
no centro do círculo de braços abertos olhou para ele e ele sabia o que
responder? Tudo agora vai acabar para sempre? Mas ele se lembrava das palavras
de Bagheera dizendo que ele deveria seguir novos caminhos – Senhor da Jângal,
lembra-se que Bagheera te ama, vai em paz. O Grande Uivo terminou. Era a hora
da passagem. Passagem? Ele iria partir? Dizer adeus? Olhou além da floresta e
viu os homens meninos o esperando. Ele já os conhecia. Ficou varias luas com
eles. Foi bem tratado, aprendeu a dizer o Grito da Patrulha, aprendeu o novo
lema à saudação. Aprendeu muitas coisas...
Ele não sabia se chorava ou se
dizia adeus quando se despediu de cada um. Mão por mão. Aquela do coração firme
como a dizer: - Estarei sempre aqui e vocês estarão sempre aqui no meu coração.
Olhou para Kaa e lembrou que ela chorava e que era difícil arrancar a pele,
mesmo que Baloo também chorasse e pedia que antes de partir ele o chamasse. Venha
até a mim sábia rãnzinha e ele quase rompeu em soluços naquela despedida dolorida.
Não se esqueça de mim. Ele lembrava quando estava partindo e Kaa repetia – “Somos
todos, eu e você irmãos de sangue”. Seus olhos estavam molhados de lágrimas.
Tinha de partir, sabia que está era sua sina seu destino. Ainda deu para ouvir
os soluços e os gritos do Lobo Gris que de olhos erguidos para o céu dizia –
Onde me aninharei doravante? Pois agora os caminhos são novos...
Era seu último Grande Uivo. Mais uma
vez olhou lobo por lobo. Nunca mais iria esquecer aquele dia. Hora de partir.
Sempre é uma hora difícil de dizer adeus. Mais uma vez ele se lembrou das
palavras do seu irmão o lobo Gris – “Filhote de homem, senhor da Jângal, filho
de Raksha, meu irmão de caverna, O teu caminho é o meu caminho. A tua caça é a
minha caça e a tua luta de morte é a minha luta de morte”. E ele completou
gritando para a Alcateia quando partiu - “Boa caçada grande povo da Jângal”!
Não tinha mais nada a dizer. Mais uma vez deu seu ultimo adeus e ouvindo a
canção do lobinho ele partiu para seu novo mundo. Akelá o levou até a trilha
que o levaria a cidade dos homens. Segurou sua mão esquerda e disse – Você
sempre será bem vindo ao nosso meio. Quem foi um lobo sempre será um lobo. Vá
com Deus e que na cidade dos homens você seja feliz como foi aqui!
O Monitor e o Chefe o esperavam na
trilha da cidade dos homens. Com sorriso saudoso e venturoso ele apertou a mão
do Chefe e do seu Monitor. Agora teria uma patrulha, agora ele teria de agir
como homem. Sabia que todos iriam ajudá-lo na nova vida. Pois ali disseram eles
que seriam um por todos e todos por um. Olhou para trás, acenou para a Akelá e
os lobinhos. Seu coração bateu forte. Que vontade de voltar de dizer que não
queria ir. Mas agora não era um homem? Suas passadas deviam ser para frente e
voltar seria um retrocesso. Pensou consigo como era difícil dizer adeus. Difícil
mesmo, mas agora era um homem. Disseram para ele que o homem mais sábio e mais
digno de confiança é o que aceita as coisas como são. Ele agora tinha uma nova
vida. Sabia que não seria fácil, pois nada neste mundo é fácil. Mowgly não era
mais o mesmo quando partiu. Seu coração doído iria se regenerar. Foi saudado
por todos na Tropa Escoteira, na cidade dos homens. Fez questão de apertar a
mão de todos. Havia aprendido que o Escoteiro é amigo de todos e irmãos dos
demais escoteiros.
“O abutre Chill conduz a noite incerta, e que o
morcego Mang ora liberta - É esta a hora em que adormece o gado, Pelo aprisco
fechado. É esta a hora do orgulho e da força unha ferina aguda garra. Ouve-se o
grito: Boa caça aquele Que a Lei da Jângal se agarra”.
Nota de Rodapé:
–
Ai de mim! Exclamou Mowgly em soluços. Eu não sei o que sei! Não vou, não vou,
não quero ir, mas sinto-me arrastado por ambos os pés. Como poderei deixar de
viver estas noites do Jângal? – Ergue os olhos, irmãozinho, disse Baloo. Não há
mal nisso. Quando o mel está comido, abandonamos os favos. – Depois que
soltamos a pele velha, não podemos vestir de novo, ajuntou Kaa. É da lei. A
pantera lambeu os pés de Mowgly. – Lembra-te que Bagheera te ama, disse ela por
fim, retirando-se num salto. No sopé da colina entreparou e gritou: Boas
caçadas em teu novo caminho, senhor da Jângal! Lembra-te sempre que Bagheera te
ama.
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