Levei um ano de minha adolescência com um lenço enrolado no pescoço,
flor-de-lis na lapela e pureza no coração, para descobrir que não passava de um
candidato à solidão. Alguma coisa ficou, é verdade: a certeza de que posso a
qualquer momento arrumar a minha mochila, encher de água o meu cantil e partir.
Afinal de contas aprendi mesmo a seguir uma trilha, a estar sempre alerta, a
ser sozinho, fui escoteiro — e uma vez escoteiro sempre escoteiro.
O meu
querido distintivo de Lapela Escoteiro
Quem já
teve nunca o esqueceu. Uma época que tínhamos que correr atrás para conseguir
um nas lojas escoteiras. Quando vi o meu pela primeira vez me encantei. Só não
chorei porque o meu sonho agora era real. Pequeno, dourado, com uma linda flor de lis em
cores verde e amarelo. Minha mãe me entregou e disse: - Um presente que seu tio
Vadim trouxe para você do Rio de Janeiro. Parecia que ele foi feito para mim.
Até seu formato era a Flor de Lis perfeita. Com sua presilha se prendia
facilmente na gola da camisa ou no paletó social.
Uma época
de identificação de qual organização você pertencia. Era comum vermos os
rotarianos, os do Lions Club, e tantas outras organizações onde todos postavam
com orgulho o seu botton de lapela. Os padres também usavam o seu. O prefeito
também. Na Câmara de Vereadores idem. Naquele tempo não saímos por aí com o
lenço no pescoço tentando nos identificar de maneira diferente. O botton era
tudo.
E que
orgulho amigo o colocava na lapela e íamos desfilar para que os outros
soubessem que ali estava um Escoteiro. Quando pela cidade encontrávamos alguém
com ele, logo corríamos para cumprimentar: Sempre Alerta! Escoteiro de onde?
Prazer. Eu sou da Patrulha Raposa. Abraços, aperto de mão, histórias,
lembranças tudo em questão de minutos era conversado entre nós. Nossos chefes
nos ensinavam que o uniforme se vestia completo. Nada de usar peças por aí.
Usar o cinto? Nem pensar.
Um dia
resolvemos fazer uma vaquinha, que rendeu além do esperado. Todos que
participaram do Grupo Escoteiro na minha cidade e que os procuramos colaboraram.
Como se fosse hoje, chegamos a ter mais de cinco mil reais! Uma fábula para a
época. Para que? Para custear uma viagem de um "Chefe" Escoteiro até
a capital, o Rio de Janeiro. Motivo? Comprar distintivos de lapela para todos
os ex-escoteiros e todos os participantes do Grupo Escoteiro. E lá foi ele
sorrindo, mais de vinte e duas horas de viagem. Não reclamou. Claro, todos nós
gostaríamos de estar no lugar dele.
Aproveitamos
para ver se sobrasse algum dinheiro para ele comprar também a moeda da boa
ação. Quem não tinha? Eu já tinha a minha há tempos. De manhã bolso esquerdo.
Feita a boa ação, bolso direito. Claro, nunca nos contentávamos e voltávamos
para o bolso esquerdo novamente como a dizer: - Uma boa ação só hoje? Nunca.
Pelo menos mais uma e mais uma. Quando o "Chefe" Escoteiro retornou,
foi uma apoteose. Contando da viagem, do Rio de Janeiro, como era o mar, as
praias, Copacabana, e como era a loja Escoteira.
Ele
contava maravilhas. Quantos distintivos tinham lá. Quantas coisas bonitas.
Quantos livros. Trouxe até um que ia passar de mão em mãos para que o lêssemos.
O Guia do Escoteiro do "Velho" Lobo. Lindo! Espetacular! Quando o
levei para casa não queria dormir. Ficava ali sentado na cama lendo, relendo.
Coisas do passado. E junto ao "Chefe" Escoteiro que viajou ao Rio de
Janeiro nós também ficávamos ali a sonhar em um dia ir lá também. Naquele dia
mesmo inundamos a cidade com o distintivo de lapela. Quando seu Leôncio o
prefeito recebeu o dele, logo colocou com orgulho. Agora todos sabiam quem eram
ou quem foi escoteiro na cidade. E claro, um orgulho em usar na escola, no
trabalho (eu era engraxate) na igreja, ou seja, em qualquer lugar. Não precisa
dizer - Olhem! Estou sem uniforme, mas sou Escoteiro de coração!
Meu lindo
distintivo flor de lis de lapela que nunca esqueci. Se voces tiverem um devem
sentir o que eu sentia. O orgulho em usar e dizer aos quatro ventos: - Eu sou
um Escoteiro! Se os políticos lá no seu habitat usam eu não sei. Mas ainda lembro-me
de muitos profissionais, médicos, engenheiros e tantos outros que
orgulhosamente o colocavam como a dizer, sou isso mesmo, esta flor de lis fez
parte da minha vida. Eu sempre amei o
escotismo e hoje sou o que sou graças a ele.
São coisas
do passado. Passado que já se foi. Mas que ficaram gravadas até hoje no
presente. Será que hoje ainda tem alguém que usa a linda Flor de Lis de Lapela?
Que se orgulha em se mostrar como Escoteiro? Claro, tenho certeza que sim. Mas
porque escrevo isto? Não sei. Gosto de lembrar-me do meu passado e quem não
gosta? Foram tantas e tantas coisas que marcaram. Que valeram em minha vida no
Movimento Escoteiro. Por isto minha luta em manter certas tradições que
combatidas por outros nada provam se o mito do passado não pode também se
erradicar no presente.
Vamos passando, passando, pois tudo passa / Muitas vezes me voltarei /
As lembranças são trombetas de caça / Cujo som morre no vento.
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