Operação Morcego Negro
Para mim Operação “sujar as calças”. Risos. Bem feito. Quem
mandou inventar? Claro, o Romildo era assim. Um sonhador e um aventureiro.
Aprontava poucas e boas quando Monitor da Patrulha Morcego na tropa de
escoteiros. Todos sabiam de sua lealdade, de sua competência e mesmo não tendo
a aparência de um menino forte e alto todos os respeitavam. Os chefes gostavam
dele. Esforçado, conseguiu a Segunda Classe e a Primeira Classe também. Por ser
difícil onde moravam e poucos sabiam da Região Escoteira ninguém se lembrou de
ver a possibilidade de um processo para a ortoga do Escoteiro da Pátria. E olhe
que ele merecia.
Na Patrulha Escoteira dentre outras aventuras que criou, a mais
célebre foi a de que deviam construir uma balsa para que o pessoal do outro
lado do rio não precisasse dar uma volta de mais de doze quilômetros para vir à
cidade. – O "Chefe" Escoteiro falou para ele - Romildo, balsa não é
como você pensa. Não é fácil. Ela é feita de toras, muitas taboas, pregos,
arame e depois de pronta uma corda maior que o rio para ir e voltar. Sem contar
um cabo de aço que vai ser muito difícil conseguir por aqui.
Mas quem disse que Romildo desistiu? Chamou os monitores e expos
seus planos. Todas as tardes iriam até o Curtume do “Seu” Tomas e ele próprio
já tinha cedido varias toras que estavam na porta do curtume. O trabalho
começou. Escoteiros não desistem nunca. Uma parafernália de serrotes, um
traçador, martelos, plainas, machado do lenhador. Formão, trados, um milhão de
coisas. Até uma bancada de carpinteiro ele conseguiu. Onde ele arrumou tudo
isto eu não sei. Não vou entrar em detalhes, mas eles construíram a tal barca.
Gastaram quatro meses. Lourival o ex-Escoteiro dono da loja de ferragens doou
as cordas. Mas o cabo de aço não. Resolveram usar outra corda. Fazer um tripé
de cada lado que pudesse suportar o peso foi outra aventura. E finalmente,
usando um sisal amarrado à cintura, Romildo atravessou o rio a nado e depois
puxou as cordas.
Não vão acreditar como fizeram para esticar as cordas. Eles
sabiam como usar a corda tipo “roldana”, pois conseguir pelo menos duas delas
seriam muito difícil. Com um carro de boi emprestado da fazenda do Zé Pacheco
eles esticaram as cordas. Depois fizeram uma experiência com a balsa. Não foi
fácil leva-la pelo rio de um lado a outro. Pretendiam chamar o prefeito para a
inauguração. E não é que ele foi? A primeira vez até o outro lado do rio foram
oito. Divertido. Na volta a balsa encheu. Mesmo Romildo dizendo que não ia
aguentar ninguém saiu. Dito e feito, a corda arrebentou e a balsa correu rio
abaixo com gente pulando no rio feito jacaré. Graças a Deus que sabiam nadar. O
prefeito de terno e gravata chingou todo mundo.
Romildo levou um “esfregão” do "Chefe" Escoteiro e da
Corte de Honra. Merecia é claro. Foram muitas a que o Romildo aprontou. Passou
para os seniores e logo convenceu a Patrulha Estrela Cadente a escalar o Pico
da Mortalha, que ficava em frente à cidade. – Impossível disseram todos. Gente
que entende de escaladas não conseguiu. Romildo convenceu que deviam ir pelo
menos na metade. Só duzentos metros. Lá tinha uma saliência onde cabia todos.
Depois era só contar na cidade e ficariam como os primeiros a escalar o Pico da
Mortalha.
Deram o nome de Operação Morcego Negro. Sempre era assim. Ele gostava
de inventar nomes pomposos. Partiram em
sábado pela manhã. Uma volta de doze quilômetros. O plano era subir logo,
chegar até a saliência (mais de trezentos metros de altura) e descer chegando
ao pé da pedra no máximo às cinco da tarde. Local bonito, aguada boa, poderiam
acampar ali até o dia seguinte quando retornariam. Começaram a subida.
Cantando. Rindo. Duas horas depois não havia mais canção e nem risadas. O sol
batia nas costas e na encosta elevando a temperatura a mais de quarenta graus.
Pensaram em voltar, mas a saliência estava a poucos metros. Mais
uma hora e chegaram. Riram. Apertados, mesmo assim houve abraços. Sentaram e
lancharam. Olharam a cidade. Linda. O sol já ia se por. O vermelho do sol
batendo nas aguas do Rio Saltimbanco era um espetáculo incrível. Melhor descer
disse Romildo. Dizem que descer todo santo ajuda. Engano. Menos de dois metros
e voltaram. Não dava. O medo de cair e não ter onde se firmar era por todos
possuídos. A noite chegou escura como bréu. Melhor ficar aqui e esperar o
amanhecer disse Nelsinho. Que seja. Dormir como? Um frio de rachar. Saliência
pequena qualquer descuido e “pimba” iriam parar lá em baixo. Amarraram-se uns
nos outros.
Lá em baixo a cidade brilhante, luzes, automóveis como se fossem
formigas. O dia amanheceu. Ainda bem que eram escoteiros seniores. Acostumados.
Agora era descer. Descer? Nem sabiam como subiram até ali. Alguns choraram
outros ficaram pensando que seriam ridicularizados por todos na cidade. E a
tropa Sênior? O que diriam? – Aí Mané! Vai no papo do Romildo e voces dançam!
Sorte de todos. Alguém no topo os viu. Muitos vieram. Cordas. La pelas onze da
noite o ultimo foi içado.
Mas ninguém nunca esqueceu o Romildo. Cresceu se formou
engenheiro. Passou a construir pontes. Prédios de alturas mil. Ainda faz suas
aventuras. Convidou diversos chefes escoteiros amigos para formar uma Patrulha.
Sem grupo é claro. Só eles. De uniforme porque não? E assim nasceu a Patrulha Impisa.
Não sei se conhecem, mas olhe, já foram até explorar o Pico da Neblina no alto
Amazonas. Fazem coisas de estarrecer. Eu mesmo não sei se iria participar de
uma Patrulha assim. Hoje, passado muitos anos, a Operação Morcego Negro é
contada em prosa, se tornou um épico e foi anotada no livro da Patrulha. Uma foto
da Patrulha Estrela Cadente ainda está lá na sede. Muitos dos meninos novatos
ficam horas e horas olhando e sonhando em ser um deles!
E como dizem por aí, qualquer semelhança é mera coincidência!
Risos
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