As
crônicas de um Chefe Escoteiro.
Quando
setembro vier.
Setembro vem aí, um mês calmo, mês que gosto
de sentar na varanda e me lembrar do passado. Assim é setembro. Todos os
tempos, todos os períodos são bons enquanto vivemos. Pode ser no passado ou
presente. Podemos fazer diferente, igual e isto não é importante. O escotismo é
único e mesmo querendo que outros passassem pelo que muitos antigos escoteiros
passaram sei que é impossível. Lembro que era um tempo de ventos amigáveis, sem
as atribulações de hoje. Podíamos sair por aí sem as preocupações que acometem
a esta era moderna. Ainda bem que a promessa, as formaturas e o sistema de
patrulhas mal ou bem se mantêm e isto é bom. O que não mudou são os sorrisos.
Os mesmo ontem e hoje. Adoro-os. Os meninos e as meninas nos fazem rejuvenescer.
De vez em quando converso com um e outro e vejo que eles também têm histórias
para contar. Formidável. A chama ainda não se apagou e acho que não irá se
apagar nunca.
Hoje vejo que
muitos se complicam para fazerem um programa. Nas mãos dos chefes. Antes não.
Em mãos dos escoteiros. Claro, hoje não seria possível dizer a minha mãe e meu
pai que iria acampar em Santa Maria de bicicleta. 250 quilômetros ida e mais
250 quilômetros volta. Oito dias. Qual Chefe vai? Nenhum! Qualquer pai de hoje cairia
da cadeira se ouvisse isto. E se dissesse que conseguimos passagens gratuitas
até Caparaó de trem. Pai, vamos aproveitar as férias. Serão só dez dias. Sabia
pai que Caparaó significa águas cristalinas que rolam da serra? Sabia pai que o
Pico da Bandeira se chama assim porque o Imperador Pedro II mandou colocar uma
bandeira em seu cume? Sabia pai que A serra do Caparaó, além do pico da
Bandeira, tem ainda o Pico do Cruzeiro, o Pico do Calçado, O Morro da Cruz do
Negro, o Pico da Pedra roxa, o Pico dos Cabritos ou do Tesouro, o Pico do
Tesourinha e ainda a Pedra Menina?
Vai ser difícil
qualquer pai entender hoje. E quem vai com voces? Ninguém pai. Somos Sênior e o
senhor sabe, tropa Sênior, Sênior é, é que é bacana! Risos. Não cantávamos
assim naquela época. Mas e o pai de hoje? Olhos esbugalhados, pensando, que
diabos este escotismo pensa que é? E se ele nos visse no campo cortando
madeira. “MADEIRA!” gritávamos. E Lá ia a tora caindo. Hoje não pode. Mas
naquela época? Florestas enormes. Entrávamos nela como se estivéssemos
passeando no “foot” de nossa cidade. (foot, praça onde aos sábados e domingos a
noite ficávamos ali a paquerar as lindas meninas). De dia ou de noite varávamos
trilhas, matas, atravessávamos rios, e quando desse sono era só deitar na
relva, na pedra ou em qualquer lugar e dormir. Hoje? Impossível.
Já pensou? Um
Chefe no nosso campo dando “pitacos”? Nem pensar. Bastava um sisal ou um cipó a
30 cms do chão e ninguém passava. Todos sabiam que deviam ir na entrada onde
existia o pórtico bater palma e pedir licença. Afinal era nossa casa e não a
casa da “mãe Joana!”. Chefe, você ensinou ao nosso Monitor, deixe a patrulha
fazer, por favor! Vá para sua barraca, faça lá suas pioneirias, sua refeição.
Quem sabe hoje à tarde quando da apresentação do jantar pronto o convidamos?
Setembro vai
chegar e não vai demorar em ir embora. Não dá mais. Agora precisamos tomar
cuidado. A marginalidade. Minha prova de jornada? Hoje poucos fazem. Pai, vamos
eu e o Israel fazer uma prova de jornada. Só nós dois. Serão só cinco dias.
Vamos descer o Rio Boitanga de jangada que nós mesmos faremos e só levaremos
sal e óleo. Serão pouco mais de cento e vinte quilômetros de corredeiras até a
ilha dos Aimorés. Lá vamos conseguir comida! O que diria o pai hoje com este
pedido? Só rindo. Está louco? Nem pense. Esqueça! Vou tirar você do escotismo.
Setembro,
tão próximo e vai passar tão rápido. Ainda acredito que podemos fazer muito do
que nós os antigos escoteiros fizemos. Não sei. Alguns chefes me dizem que
fazem. Acredito. Mas rezo para que os chefes lembrem que seus escoteiros
precisam de liberdade. Nem que seja vigiada, mas precisam. Lembro-me sempre do
passado e das palavras de Kipling e até hoje penso que o escotismo tem ainda muito
que aprender:
“Quem ao crepúsculo já sentiu o cheiro da fumaça de lenha, quem já ouviu
o crepitar do lenho ardendo, quem é rápido em entender os ruídos da noite;...
deixai-o seguir com os outros, pois os passos dos jovens se volvem aos campos
do desejo provado e do encanto reconhecido...”.
KIPLING
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