Lendas
escoteiras.
A lenda
de Chico Mortalha – O malvado.
Todos os
habitantes de Floradas na Serra conheciam a lenda. Claro, lenda é lenda e serve
para contar, não para acreditar. Mas a criançada da cidade acreditava. Mamães,
professoras, pais, vovós quando queriam chamar atenção por uma simples
travessura lá estava Chico Mortalha presente para amedrontar. Se foi verdade ou
não isto não posso dizer. Quem me contou foi o Padre Josenilton. Chico Mortalha
era um pistoleiro famoso. Um matador. Matava tudo que encontrava. Velhos,
moços, jovens, crianças, animais. Matava tudo que aparecesse em sua frente. Seu
último crime foi à morte do Bispo Marcelino. Gente boa, boníssima. Mas o
prefeito encrencou com ele. Pagou a Chico Mortalha para dar um sumiço no bispo.
Dito e feito. O Bispo sumiu! Ninguém nunca mais o viu.
Desconfiaram que fosse
crime encomendado. Chamaram o Delegado Paredes da capital. Não provou, mas
disse que foi Chico Mortalha. O povo se revoltou. Foi na casa dele. Levaram-no
para a Lagoa das Piranhas. Tiraram a roupa dele e amarraram em todo seu corpo
nacos de coração de boi. As piranhas adoram. Amarraram ele em um galho que dava
em cima da lagoa. Iam descendo aos poucos seu corpo. As piranhas devoravam tudo
que mergulhava na água. Primeiro suas pernas, depois seu corpo, só sobrou à
cabeça de Chico Mortalha. Dizem que não deu um gemido. Por fim cortaram a corda
e Chico sumiu nas aguas profundas da lagoa. Contava-se que uma vez por ano, na
data de sua morte, ele aparecia na lagoa, em pé, sem afundar e dava gemidos
imensos que nenhum peixe, nenhum animal ficava por perto.
Há mais de
trinta anos existia um belo Grupo Escoteiro em Floradas na Serra. Quase todos
os homens da cidade haviam passado pelas suas fileiras. Uma grande Alcatéia,
uma ótima tropa, três Patrulha seniores e um Clã que precisa definir quantos
poderiam participar, pois em suas reuniões sempre apareciam mais de cinquenta
pioneiros. Seria um tema para o próximo Conselho de Chefes do Grupo. Chiquinho
Mortalha era Sênior. Desculpe. Risos. Seu nome era Lorenildo Simplício das
Mercês. Não gostava do nome. Nunca gostou. Quando foi lobinho colocaram nele este
apelido. Não se incomodou. Ficou para sempre. Talvez por ficar sempre de cara
amarrada. Não sorria. Mas todos gostavam dele. Tinha uma força descomunal para
sua idade. Não era alto, mas levantava toras, pesos enormes com facilidade. Nos
acampamentos o pau para toda obra. Era bem quisto na Patrulha. Desde quando
Escoteiro. Conseguiu a Primeira Classe. Pretendia ser Escoteiro da Pátria.
Em sua Patrulha
todos os temiam. Não pela sua força, mas pela sua astúcia. Dizia que quando
desse na telha ia enfrentar este tal de Chico Mortalha lá na lagoa na data que
costumava aparecer. Ninguém acreditava. Dito e feito. Em onze de agosto, data
da morte do tal Chico Mortalha lá foi ele rumo à lagoa. Sozinho é claro. Levou
sua faca, sua machadinha e uma corda de dez metros. Lá chegando subiu no pé de uma
Copaíba enorme. Se amarrou nos galhos e esperou. Não tinha pressa. Que venha o
Chico Mortalha. Estava na hora de enfrentá-lo. Sete horas da noite, nove, dez,
onze, meia noite. Nada do Chico. Era fanfarronice. Ela assim pensava. Uma hora
cochilou. Dormiu. Não caiu, pois estava amarrado. Mas alguém o desamarrou. Ele
caiu do alto dentro da lagoa. Afundou. Abriu os olhos e viu com horror o Chico
Mortalha. Só a caveira, pois as piranhas não deixaram nada. Chico sorria para
Chiquinho. Não teve medo. Pegou sua faca e disse que ele era Escoteiro. “O
Escoteiro não tem medo de nada” A caveira começou a rir.
Gargalhadas
enormes. Chiquinho isto é Lorenildo precisa de ar. Subiu até a borda da lagoa,
respirou e mergulhou de novo. Danado de Sênior. Não tinha medo mesmo. A caveira
o pegou pelo ombro, o levou até o pé da árvore fora da lagoa. O abraçou e disse
a ele que era bom conhecer um Escoteiro. Poderia ter sido um, pois quem sabe
não seria o que tinha sido. Ficaram amigos. Conversaram toda a madrugada. Chico
Mortalha contou muito da sua vida. De seu grande amor por Nininha, mas nunca
disse a ela. Morrera de tuberculose e solteira. Hoje ela faz companhia a ele no
fundo da lagoa.
O dia amanheceu.
Lorenildo voltou para sua casa. Seus pais preocupados. Todos os escoteiros a
procurada dele. Resolveu não contar nada. Não devia. Agora era amigo de Chico
Mortalha o Malvado. Tinha prometido a ele que voltaria no próximo aniversário e
iria conhecer Nininha. O tempo passou. Lorenildo casou. Contou para seus filhos,
mas eles riam e achavam que seu pai era um bom contador de histórias.
Todos os anos,
durante toda a sua vida Lorenildo voltava à lagoa. Fizera um amigo, ou melhor,
amigos. Chico e Nininha. Sentava a beira da Copaíba e Chico Mortalha aparecia
com Nininha e eles se abraçavam. Ficavam ali conversando por toda a madrugada.
A cidade sabia, mas tinha medo. O Grupo Escoteiro não comentava. A Patrulha
entendia. Amigos são amigos. Durante toda sua vida agora como Chefe Escoteiro
não deixava de visitar Chico Mortalha e Nininha na Lagoa das Piranhas. Amigos
para sempre. Diferente, pois Chiquinho era um Escoteiro do bem.
E como dizem
por aí, boi não é vaca, feijão não é arroz e quem quiser que conte dois! E como
dizia minha avó, “Pedro, nem tê-lo, nem vê-lo, nem querê-lo, nem a porta da
casa consegui-lo... mas sempre é bom na casa havê-lo”. Risos.
E quem quiser que conte outra!
Uma beleza de história com sotaque do interior do Brasil!
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