Uma linda historia escoteira

Uma linda historia escoteira
Era uma vez...

sábado, 18 de maio de 2013

Lendas escoteiras. A Árvore dos sonhos impossíveis.



Lendas escoteiras.
A Árvore dos sonhos impossíveis.

                       Ela sempre existiu na Rua da Felicidade, lá no final do bairro dos Grandes Amores. Ficava bem em frente à igrejinha dos Noivos felizes. Era um belo Jequitibá, enorme, frondoso e interessante, embaixo de sua sombra sempre existiu uma camada de grama verde macia e que nunca crescia. Ideal para deitar e sonhar. Até mesmo em sua volta flores silvestres nasciam em qualquer época do ano. A que mais se sobressaia eram as bromélias. Sempre floridas e perfumadas, um perfume que embalava os sonhos dos amantes que ali passavam. Minha Avó disse que quando nasceu ela já estava lá. Se for verdade ela teria mais de cem anos. Eu a descobri por acaso. Um dia andando sem rumo topei com ela. Encantei-me. A sombra convidativa me fez sentar e logo estava encostado ao seu tronco macio eu dormitava. Foi minha primeira vez. Voltei lá muitas outras vezes. Fiquei amigo do Jequitibá. Um dia me passou a narrar os sonhos e desejos dos que a procuravam. A princípio me assustei depois embalado pela brisa suave que ela fazia questão de soprar de leve em meu rosto passei a absorver através da mente o que ela insistia em me contar.

                       Tininho, um Escoteirinho feliz foi o meu primeiro. Um dia descobriu o Jequitibá. Como eu ele também se encantou. Voltava do seu primeiro dia de Escoteiro. Fechou os olhos, deitou na grama macia convidativa e sem perceber passou a contar cm sua mente para a Árvore dos Sonhos um pouco de sua vida. Sempre quis participar. Seus pais contra. Fez tudo e nada. Era seu sonho ser Escoteiro. Não sabia a quem apelar. Um dia ouviu uma música, decorou e passou a cantar todas as tardes na varanda de sua casa. A música era uma velha conhecida do velho oeste americano. “Suzana”. Dizia - ¶Minha mãe vou lhe pedir, e não a quero aborrecer, para ser um homem forte, um Escoteiro eu quero ser! – Vou para o campo, aprender a trabalhar, não serei um peso morto e não darei o que falar! O meu Chefe, saberá me ensinar, andar pela floresta sem espinhos atrapalhar!¶ - E assim Tininho cantou por semanas e meses. Um dia seu pai se apiedou dele. Viu que ele cantava plangente, queixoso e triste. Afinal era seu sonho de menino. O levou ao Grupo Escoteiro. A maior alegria de um menino sonhador aconteceu. Tininho voltou lá muitas vezes, muitas vezes contou seu sonho à árvore dos sonhos dourados sempre com um grande sorriso nos lábios.

                       Foi em uma tarde quente de agosto que a Árvore dos sonhos recebeu Nalvinha. Ela deitava em sua sombra sonhava. Nalvinha sonhava em ser Escoteira. Com quinze anos procurou o grupo Escoteiro próximo a sua casa. Foi aceita e entrou na Patrulha Flor de Lis. Nalvinha vibrava com tudo. Ia para a casa, para a escola e sempre sua mente voltada para os escoteiros. Nalvinha não se achava bonita. Nunca achou, mas Totonho se apaixonou por ela. Ela não pensava em amores, pois o escotismo era sua vida. O pior aconteceu em um acampamento. Ela procurava lenha seca próximo ao seu campo de Patrulha. Totonho a segurou pelo ombro e a jogou ao chão. Nalvinha assustada gritou com ele e ele não parava, queria beijá-la a todo custo. Balbuciava que ela era sua vida, que a amava que viver sem ela era melhor morrer. O Chefe Lourenço ouviu seus gritos. O caso foi levado a Corte de Honra. A decisão foi unânime. Totonho seria expulso tão logo voltassem do acampamento. Nalvinha perdoou Totonho. Pediu ao Chefe que não o mandasse embora. Foi perdoado com uma suspensão de dois meses. – O tempo passou. Hoje Nalvinha é casada com Totonho. Vivem felizes como dois grandes amantes. Walace e Rosália são seus filhos. Nalvinha sorria de olhos fechados. Ela era a mais feliz do mundo. Um grande amor, dois lindos filhos e o Escotismo que vivia em seu coração.

                      Era bom deitar sobre a relva verde da Árvore dos sonhos. Quanta coisa ela me contou. Ah! Joel Simon. Um dia passou por ali viu a árvore e resolveu tirou uma soneca. Joel Simon era Chefe. Oito anos se passou e naquele dia recebeu sua Insígnia de Madeira. Joel Simon reviveu tudo que aconteceu com ele no grupo. Como se fosse um telão enorme sua vida era passava rapidamente. Quando resolveu entrar foi por causa de Carlinho, seu filho de sete anos. Queria ser lobinho. Porque não? Lá foi com ele. Nunca viu tanta alegria em uma criança. Resolveu entrar, pois tudo o atraía ali. Marly foi contra. Sua esposa estava ficando amarga. Ele tentava manter seu casamento, mas estava difícil. Insistia para Marly ir com ele. Um dia ele se acidentou em um acampamento. Acidente simples. Tentava descer por uma corda no alto de uma árvore. Perdeu o equilíbrio e caiu. Fraturou um braço e uma perna. Os escoteiros valentes o levaram até a estrada. Chamaram a ambulância. Marly quando soube ficou possessa. – Queria por que queria vê-lo fora do Grupo Escoteiro. Um dia ela resolveu se divorciar. Ele fez tudo para que não acontecesse. Não houve jeito. Ela foi embora. Não foi com ninguém. Voltou para a casa de seus pais. Deixou Carlinho com ele. Hoje ela voltou. Passado dois anos ela se arrependeu. Ele a abraçou e a beijou apaixonadamente. Ela pediu para ir ao Grupo Escoteiro com ele. Gostou. Disse que ia ser Chefe. Ah! Joel Simon, o Chefe Escoteiro mais feliz do mundo!

                Mas nem todos os sonhos são felizes. Noêmia era professora do Grupo Escolar Padre Eustáquio. Um dia viu uma Alcatéia de lobinhos passando em frente à escola. Era sábado. Ela fora lá porque precisava colocar em dia as provas que os alunos fizeram na semana. Noêmia tinha vinte e cinco anos e solteira. Não era bonita. Nunca foi. Ao nascer tiveram que operar sua boca. Um rasgo enorme. Uma parte dos lábios finos e outro grosso demais. Seus alunos olhavam para ela com medo. Fazia tudo para conquistá-los. Mas era difícil. Pensou em procurar o grupo. Não sabia o que a esperava. Um Chefe prepotente, rancoroso, a recebeu mal. Ela não sabia o que fazer. Ele dizendo a ela que não precisavam de ninguém. Que ela primeiro devia operar os lábios. Nenhum Escoteiro ou lobinho iria gostar dela. Que ela se tocasse. Noêmia saiu dali chorando. Ao atravessar a rua um ônibus a atropelou. Ficou tetraplégica. Sua mãe a levava sempre a Arvore dos sonhos. O Jequitibá chorava com ela. A embalou muitas vezes tentando com seu néctar retirado de sua folhas verdes como a servir de bálsamo para sua tristeza.

                     Ah! Como era gostoso deitar debaixo do Jequitibá frondoso. Ele e eu nos tornamos grandes amigos. Um dia vi dois homens da prefeitura dizendo que iam cortá-lo. Impossível! Não podiam. Alegaram que ela ia cair. Cupins em seu tronco o demonstravam. Chorei muito. Ela não chorou. Disse-me que já era hora de partir. Ela estava cansada, precisava de uma nova morada para descansar dos trezentos anos que viveu na terra. Pediu-me para tirar uma muda. Tão logo ela se fosse que eu devia plantar um filho seu ali. Uma tarde vi que ele tinha sido levado. Meu amado Jequitibá partira para outra vida. Plantei a muda. Com um ano ele já dava sombra. Aos seis anos era um belo Jequitibá frondoso. Nunca esqueci o velho jequitibá. Quantos sonhos ele me contou. Durante anos ia lá sempre. Deitava na sombra gostosa e na grama verdinha macia. Meu Deus! O novo Jequitibá passou a dividir comigo os sonhos de quem o procuravam! Sou um homem de sorte. Valha-me Deus! Quantos amigos eu fiz, quantos inimigos não tive. Viver uma vida de felicidade e ser amigo de uma Árvore dos sonhos me fez renascer por muitos e muitos anos!
                                
O JEQUITIBÁ DE BOCA DO MATO

Imponente veia verde no seio da Guanabara, 
ponto magnético na partilha das montanhas, 
anúncio imediato das serras fluminenses...

Abraçada à Mãe Terra por tentáculos centenários, 
esta árvore de porte inimaginável não é árvore. 
Traduziu-se a si mesma de árvore, 
com o intuito de melhor ser entendida.

Mais que árvore, 
este ser encantado, 
encouraçado de uma madeira grossa e bruta, 
cuja copa alcança e toca singelamente o céu... 
é uma entidade.

Uma manifestação encantada, 
viva, múltipla.
Ela é, em si, uma força religiosa.
De uma religião traduzida em madeira, 
seiva, raiz, folhagem.
Cuja doutrina despenca do alto 
em sementes voadoras, 
levando para outras terras 
a essência divina que lhe dá forma.
Wellington Lyra

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Lendas escoteiras. Joviano Perna Fina, os Touros, as Artimanhas e Engenhocas.




Lendas escoteiras.
Joviano Perna Fina, os Touros, as Artimanhas e Engenhocas.

                  Quer saber? Nem sei como tudo começou. Para dizer a verdade acho que valeu e outros não gostaram muito. Éramos quatro patrulhas, todos amigos e não gostávamos muito de jogos ou atividades onde teria de haver um primeiro lugar. Claro quando as quatro acampavam juntas não tinha como fugir. Uma vez vi os Morcegos perderem só para ver a alegria dos Javalis. Bem sei que não compreendem, mas vejam bem, é triste você ganhar e ver a tristeza nos olhos dos outros. Afinal eles também se esforçaram. Claro isto poderia ser considerado como forma de incentivo para que as outras patrulhas conseguissem melhorar. Foi bom eu acho. Outros me disseram que poderíamos fazer em patrulhas sem ficar se gabando como ficou Joviano Perna Fina. Quem sabe foi isto que a maioria não aceitou muito.

                   Foi em um sábado pela manhã que a ideia surgiu. Claro foi ideia do Joviano Perna Fina, mas todos adotaram. Ficamos horas discutindo em patrulhas quais Artimanhas e Engenhocas seria de grande valia em um acampamento Escoteiro. Era regra que Fossas com tampa fosse aberta com um só toque e um dia Tiquinho foi mais alem, a fossa abria e com outro toque a terra era jogada por cima do lixo. Tanto a de detritos como a de líquidos. Isto mesmo, Tiquinho meus amigos foi o maior construtor de pioneirias que conheci. Ele era um “craque”. Não só criava e fazia como tinha um caderno onde desenhava tudo e o melhor, dava medidas e quantas madeiras iam gastar. No entanto Tiquinho era da Touro. Nossa Patrulha a Maçarico fazia o trivial variado e mais nada. Mas não damos por vencido. Planejamos a maior engenhoca que um acampamento pudesse ter. Afinal ficamos cinco dias na casa do Taozinho para planejar.

                 O grande dia chegou. Ninguém contava nada para ninguém. Segredo absoluto. Três dias acampado na Garganta do Morcego. Lá era um local especial. Boa aguada, cachoeiras, entre as duas montanhas enormes moitas de bambus gigantes (Bambusa vulgaris vittata). Ideal para pioneiras de grande porte. O bambuzal lá era tão antigo que muitos pés ultrapassavam os trinta metros de altura. Como sempre o Chefe Jessé só iria no segundo dia. Trabalhava na Vale do Rio Doce e não tinha folga. Sempre que ele não estava Romildo se investia no cargo de Guia. Naquela época o Monitor mais antigo era o Guia de Tropa. Eu mesmo sonhava um dia ser um. Seu bastão com o totem de Guia era enorme e sua ponteira de aço dava inveja. Mas olhe, haja braço para carregar o bastão. Pesado, muito pesado. Bem cedo na sexta com a cidade ainda dormindo lá íamos nós com nossa carrocinha pela estrada do Girassol. Não fomos junto às outras patrulhas. Pelo programa nos encontraríamos lá às dez e meia. Era coisa de quatro horas a pé.

                  Na fazenda do Senhor Girardo demos uma parada. Sabíamos que Dona Filomena sua esposa sempre nos convidava para comer um bolo ou biscoitos. Ele aproveitou para nos prevenir do Trio da Morte. Um touro escapou da Larga do Sol e juntou com mais dois garrotes. Atacavam tudo. Ele já tinha tentado com outros fazendeiros prender os bois, mas ainda não tinha conseguido. Estávamos saindo quando chegaram mais duas patrulhas. Resolvemos ir juntos. Os bois assustavam. Onze e meia chegamos. A Coruja já estava lá. Mãos a obra. Romildo escolheu um pé de Azinheiro e lá arvorou a bandeira. Cada Patrulha escolheu seu campo e ficamos bem longe uma das outras. Até a tarde precisávamos fazer o trivial variado. Fogão suspenso, fossas, mesa com bancos, intendência mateira e WC. Fácil. Nunca gastamos mais que cinco horas para isto.

                  Fumanchú já estava a postos com o almoço. Todo ele ração C. Levado individualmente em bornais. Já à tarde por volta de três horas começamos nossa engenhoca. Trazer água da cascata até o acampamento. Uma bica e um chuveiro deviam ser levantados. Se possível no segundo dia faríamos também um elevador até um ponto alto de alguma árvore para servir como torre de observação. Mãos a obra. Baleiro da Coruja comentou conosco que iriam fazer uma ponte elevadiça que seria movimentada com a força da água. Já sabíamos que os Javalis e os Morcegos iriam construir um pequeno parque de diversões. Pretendiam fazer um Carrossel e uma Roda Gigante. Todos movido à água. Pensei com meus botões se conseguissem seriam uma verdadeira lavada nas demais patrulhas.

                 Foi uma noite divertida. Fugindo as regras ninguém foi dormir cedo. Os lampiões a querosene davam um brilho fantasmagórico em cada Patrulha que bravamente estavam a campo para produzir o que idealizaram. Às duas da manhã se ouviu o apito do Romildo. Hora de dormir. No segundo dia, café, inspeção (feita pelos Monitores, pois o Chefe Jessé ainda não havia chegado) e de volta as construções. Conseguimos as quatro da tarde tomar uma chuveirada fria atrás da barraca de intendência. Valeu os dois cocos maduros que encontramos. Ótimo chuveiro. Bem próximo à cozinha a água jorrava em uma bica formidável. O grito da Patrulha Coruja mostrou que a Ponte Elevadiça funcionava. Faltavam ainda os Javalis e os Morcegos. Fomos até lá. Meu Deus, o carrossel estava pronto. Lindo! Sabia que Toquinho era bom nisto, mas ao ver o Carrossel fiquei abismado. Só ele valia por tudo. Uma engrenagem de bambu, Cinco latas de vinte litros que se enchiam automaticamente no remanso fazia o Carrossel movimentar.

                    Lá pelas quatro da tarde do segundo dia o Chefe Jessé chegou na sua Philips de guerra. À noite o Fogo de Conselho foi uma festa. Vários pularam o Fogo por três vezes e receberam os seus nomes de guerra. O meu sempre foi Tupã. Eu sempre me considerei um trovão dos céus. Waltinho recebeu sua Segunda Classe renovando a promessa em frente ao Fogo de Conselho. Gostava disto. A chama iluminando, o Monitor desfraldando a bandeira e o grito de guerra da tropa era de tirar o folego. O melhor foi os Javalis. Levaram umas duzentas gramas de pólvora, fizeram antes do anoitecer uma valeta com um bambu, nele colocaram um rastilho de pólvora, marcaram o tempo até ela chegar na fogueira e o Marcondes Monitor na sua melhor pose gritou – Acende Fogo eu te ordeno! Uma fumaça, um pequeno estrondo e a pólvora fazia o inicio do crepitar das chamas.

                     No domingo levantamos bem cedo. Acho que cinco da manhã. Era dia para tudo. Inspeção, café e notas para ver a melhor das artimanhas e engenhocas feitas. Toquinho sorria. Sabia que eles ganhariam fácil. Deu sete e meia e levamos o maior susto. O danado do Touro e os dois garrotes fez do nosso acampamento um inferno. Quebraram tudo. Tivemos que correr e subir em árvores para fugir da fúria deles. Ficaram lá por mais de meia hora. Quando se foram não sobrou nada. Tudo quebrado. Nossa água não existia mais, a ponte elevadiça foi levada pela correnteza e a tristeza maior seria o parque de Diversões. Tudo no chão. Maldito touro! O chamamos de Demônio Negro.

                       Chefe Jessé sempre aquele que nos dava ânimo. Chamou todo mundo e disse – Vamos dar as notas conforme vocês viram. Cada um escreva a que dariam o primeiro lugar, o segundo e terceiro. Não deu outra. Os Javalis e os Touros levaram o primeiro lugar. Mereciam. Não tinha o que discutir. Ao voltarmos a tarde o Senhor Girardo disse que teve de matar o Touro. Não tinha mais jeito. Uma pena, um belo touro negro, ou melhor, o Belo Demônio Negro. Voltamos todos juntos. Até o Chefe Jesse voltou a pé conosco. Carinhoso da Patrulha Touro levou sua bicicleta. Uma pena valeu a atividade. Prometemos ir outra vez e fazer de novo, mas sabe, perdeu a graça. Muitas ideias novas surgiram e as do passado foram com o vento para algum lugar.

                        Histórias são historias. Cada um que viveu o escotismo tem a sua. E claro quem conta um conto aumenta um ponto. Nada foi como dantes. As histórias ficam assim mais deliciosas mais apetitosas para um dia serem contadas por aí. Quem sabe em um belo Fogo de Conselho em uma mata enorme e escura?
¶O espirito da coruja mora neste acampamento!¶                    

Lendas escoteiras. As aventuras de Ticha. Uma Lagartixa dengosa.


Lendas escoteiras.
As aventuras de Ticha. Uma Lagartixa dengosa.



               Eu tenho um especial carinho pelos lobinhos. Quando atuava na linha de frente adorava ficar olhando para eles, me fixava em um ou dois prestava atenção aos seus olhos, à boca, a expressão de felicidade e isto me fazia feliz. Quando um lobinho ou lobinha fica quieto ou quer sentar para descansar está doente. Eles não param. Vivazes, alegres e correndo sem parar. Infelizmente fiquei pouco tempo como Chefe deles. Menos de três anos. Tive muitos amigos e amigas chefes de lobinhos. Estes chefes tinham sua maneira, seu porte, seu sorriso diferente do chefes escoteiros. Ontem me dirigia ao Super Mercado a pedido da esposa para umas comprinhas e passei em frente ao Grupo Escoteiro Rui Barbosa. Não deu outra. Tive de parar. Eu tinha bons amigos ali e gostaria de revê-los e dar um abraço Escoteiro. A tropa Escoteira não estava e os sêniores também não. Mas lá esta KeláNina com seus traquinas a correr pelo pátio. Desculpem o seu apelido, mas de tantos os lobos chamarem-na de Kelá o apelido pegou. Até eu só a chamava assim.

              Ela me viu e deixou a Alcatéia com sua Assistente. Nina teria no máximo trinta e oito anos. Casada e dois filhos na tropa. Entrou por causa deles e ficou. O tal mosquitinho Escoteiro mordeu. Ficamos grandes amigos quando dirigi um Curso Avançado de Lobos. Ela aluna sempre me procurava para perguntar e perguntar. Grande perguntadora! Risos. – Chefe! Que prazer em ter o Senhor aqui! – Alegria minha KeláNina, afinal estava com saudades. – Sabe Chefe, voltamos de um acantonamento semana passada e olhe, até hoje não acredito em tudo que aconteceu. – Lá vinhas histórias. Adoro. Deixo tudo para ouvir uma boa história. – Conte disse eu! Esqueci completamente minha ida ao supermercado. – Pois não – Observe aquela lobinha morena de cabelos curtos bem baixinha. Ela se chama Katinha. Claro apelido. Um dia me procurou se podia trazer com ela a Ticha. Ticha? Disse eu. Kelá é minha amiguinha, uma lagartixa. – Olhe Katinha não dá. Ela vai prender sua atenção e você pouco vai absorver o que estaremos fazendo, isto sem contar que os outros também não iram participar como devem.

             -  Água mole em pedra dura que um sábado a deixei trazer. Porque não? Garantiu-me que ela ficaria em uma pequena gaiola. Para dizer a verdade não entendia nada de lagartixa, sabia sim que muitos jovens estavam mudando seus animais de estimação. Já conheci alguns com cobras, papagaios, canários, e outros bichos. Mas lagartixa não. Tudo correu bem nos quatro primeiros sábados. Um acantonamento estava marcado para o final de junho, feriado de Corpus Christi. Katinha chorou para levar sua Ticha. Tanto chorou que deixei. Antes de ir fiz uma pesquisa na internet sobre elas. Lá dizia que Lagartixas são animais surpreendentes. Embora muitas pessoas tenham a imediata intenção de matar uma lagartixa ou gritar de medo e/ou nojo, esses animais são importantes controladores de pragas, como insetos. E, além disso, são criados por gente do mundo todo como animais de estimação.

                        - Era um mundo a parte Chefe. Eu nunca poderia entender bem tudo sobre elas. E assim começou nosso acantonamento, ou melhor, nossa aventura lagartixeira. No primeiro dia Katinha só ficava de olho na sua Ticha que ela deixou em cima da mesa da varanda. À tarde Katinha me chamou – KeláNina foi a Ticha quem me contou. Está vindo aí e vai passar por aqui agora a tarde um exame de abelhas africanas. Ela disse que são milhares e milhares. Disse também para não deixar ninguém ficar do lado de fora da casa e trancar portas e janelas. – Pelo sim e pelo não, pois já pensou milhares de abelhas africanas picando os lobinhos? – Prendi todo mundo contra a vontade e vários fazendo lá dentro  maior zoeira. Não deu outra. Eram quatro da tarde e o céu ficou preto de abelhas. Meia hora depois elas haviam sumido com o vento sul. Fiquei cismada, lagartixa falando? Bem na minha pesquisa vi que elas e algumas espécies conseguem se comunicar vocalmente através de ruídos, coisa incomum para répteis. Além do mais é um dos únicos animais do planeta que conseguem aderir em quase qualquer superfície e até escalar o vidro. Mas falar?

                      No segundo dia de novo estava lá Katinha. – KeláNina, Ticha gostou muito da senhora e gostaria de apresentar O prefeito da cidade de City Lagarti. Ele pediu para conhecê-la. – Chefe, brincadeiras a parte, mas não sei onde estava com a cabeça. Aceitei o convite e fui com Ticha e Katinha até onde ela disse ser a cidade. Nossa! Fiquei abismada. Próximo a um lago em um barranco centenas de buracos tipo cavernas e de lá começaram a sair milhares de lagartixas. Um barulho diferente, mas educado sem correrias elas tomaram conta da areia que beirava o lago. Uma lagartixa gorda, enorme e quase achei que seria um lagarto se aproximou. Ficou nas duas patas trazeiras e fazendo trejeitos com a cabeça parecia sorrir para mim – KeláNina!  Apresento o prefeito da cidade, o Senhor Mestre Baba! Meu Deus! Não via ninguém falar, mas Katinha jurava que sim. Não sabia se estava assustada, se isto me deu uma enorme surpresa ou se eu estava sonhando. Voltamos caladas com Ticha nas costas de Katinha.

                - O pior Chefe foi no último dia. Depois do cerimonial de bandeira de despedida, Katinha me procurou ainda no circulo antes do Grande Uivo e me disse que Mestre Baba tinha solicitado educadamente que parte dos habitantes de City Lagarti pudessem participar também de uma cerimonia de bandeira. Eles gostaram muito da que a senhora fez conosco! E agora Chefe? Já viu um pedido assim? Fazer o que? Após o arriar da bandeira, dei para Katinha uma bandeira do grupo. Ela mesmo colocou no cabo (era arvorado) e fez um sinal de reunir. – Imagine Chefe centenas de lagartixas correndo e tomando posição em frente à bandeira. Para dizer a verdade ficaram uma ao lado da outra e se a gente pudesse ver por cima seria uma perfeita ferradura. Os lobinhos e as lobinhas estavam adorando tudo. Katinha fez um sinal elas levantaram a cabeça e ela hasteou e arriou a bandeira ao mesmo tempo. – Precisa ver Chefe. As lagartixas fizeram um ruído tremendo. Pulavam, subiam em cima da lobada, em cima de mim e no principio fiquei com medo. Depois entrei na farra lagartixeira!

                O Ônibus saiu devagar para não passar em cima das milhares de lagartixas que cismaram em ficar até nossa partida. Katinha sorria de orelha a orelha. – Sério olhei para KeláNina, mas ela parecia estar sendo sincera. Pelo sim e pelo não dei boa tarde um bom aperto de mão e fui me despedir do Chefe Brito que era o Diretor Técnico. Cheguei tarde em casa. Célia me olhou e rindo falou – Escoteirando? Sorri e repliquei – Não – Lagartixando! São histórias que me contam e eu repasso. Acreditem quem quiser. Mas eu sou um eterno sonhador, acredito em tudo. E não é que sonhei com KeláNina, Katinha, Ticha e Mestre Baba? Risos.        

terça-feira, 14 de maio de 2013

Uma cidade chamada Felicidade.





Lendas escoteiras.
Uma cidade chamada Felicidade.

                 O Barão Franz Sebastian Denutz Nasceu em Regensburg no leste da Baviera. Seus pais quando conheceram Hitler se assustaram. Sua maneira de agir ao assumir o poder sentiu que tudo podia dar errado para sua família. O Barão estava com vinte e seis anos e sofria uma atrofia na perna o que doía horrivelmente. Médicos consultados não resolveram. Disseram ser uma doença incurável. Católicos e judeus tinham receio que quando Hitler mostrasse a que veio eles iriam perder tudo. Afinal ele e sua família eram judeus. Ele doente e Hitler falando em raça pura muita coisa ia mudar. Chamou toda a sua família para uma reunião. Explicou tudo. Falou sobre o Brasil. Poderiam comprar umas terras, plantar cana de açúcar e viver a paz que aquele pais oferecia. Corria o ano de 1937. Em agosto daquele ano embarcaram para o Brasil a bordo do navio Chalupas.

                  Chegaram a Santa Rita do Passa Quatro em uma tarde de setembro. O Barão Franz comprou no Rio de Janeiro um Ford 29, muito querido na época. O povo todo na rua para conhecer os novos visitantes. No dia seguinte foram conhecer as terras  Foram 25.000 hectares de terra adquiridos do Coronel Laviola. O Barão era incansável. Construiu um império. Não sabia como explicar, mas sua perna não doía mais. Ainda estropiada, mas sem dor. Em dez anos construiu uma grande Usina de Açúcar, plantou 150.000 pés de café e fundou uma cidade. Isto mesmo. “Felicidade” foi seu nome de batismo. Nos estatutos pouca coisa – 1ª’ – Nesta cidade todos serão felizes – 2ª’ – Todos serão bem vindos melhor ainda os jovens possuidores de necessidades especiais. Eram quatro ruas, calçadas com pedras de granito em formato de mosaico. As casas não tinham muros. Eram separadas por canteiros de flores. Naquela região o Barão Franz fundou o primeiro Grupo Escoteiro. O chamou de Grupo Escoteiro Estrelas Cintilantes. Disse que todos os participantes teriam direito a uma estrela e ser feliz. Todos os meninos e meninas portadores de necessidades especiais seriam bem vindos.

                  Dois anos mais tarde mandou construir em uma área arborizada diversos chalés que eram destinados a famílias com filhos portadores de necessidades especiais. Contratou na Europa diversos professores, médicos, pedagogos, para que desse toda a assistência que fossem necessária aos jovens que ali agora residiam. Foi nesta época que nasceu Tim Tim Soneca. Ficou famoso em toda a região. Mudou todo o rumo Escoteiro da região. O Barão tinha por ele um amor especial. Não o demonstrava, mas sabia que em pouco tempo iria ir desta para melhor ou pior, só Deus sabia. A família de Tim Tim Soneca morava em Santa  Rita do passa Quatro. Quando ele nasceu foi uma surpresa. A parteira Dona Matilde nunca acreditou no que vira. Ele nasceu dormindo. Todos acharam que estava morto. Mas seu corpinho respirava. Não havia médicos na época. Só em Ribeirão Preto. Sem posses deixaram de lado.

                   Vinte dias depois Tim Tim Soneca acordou. Deu um belo de um sorriso e disse – Bom dia! Que susto! Vinte dias de nascido e falando? Muitos que estavam na morada da Família Souza saíram correndo. A cidade toda veio para ver. Tim Tim Soneca estava conversando naturalmente com todos na casa. Disse que precisava dormir treze horas por dia. Ninguém devia acordá-lo. Dito e feito. Às seis da tarde ele dormiu e só acordou dia seguinte às sete da manhã. Quando o Barão Franz soube de Tim Tim Soneca ofereceu uma bela casa bem no centro de Felicidade. Não deu outra. Lá foram eles para uma nova história em suas vidas. O Barão queria Tim Tim Soneca ao lado dele. Queria educá-lo. Uma grande amizade surgiu ali. Aos sete anos Tim Tim Soneca entrou para os lobinhos, aos onze foi para os escoteiros. Na sede ele tinha um quarto. Quando dava a hora ele ia para lá e dormia suas treze horas. Nos acampamentos ele tinha sua barraca e os chefes sabiam que na hora ele tinha licença para ir dormir. Assim ordenou o Barão e assim era feito.

                     Tim Tim Soneca passou para os sêniores e depois os pioneiros. Em 1951 com vinte anos assumiu a direção do grupo. Sempre dormindo suas treze horas. Tudo aconteceu quando a cidade foi invadida por um bando de bandoleiros que há tempos saqueava cidades na região. O Barão estava velho. Não tinha mais aquela força do passado. A cidade foi subjugada pelos bandidos. Quando eles dominaram todos Tim Tim Soneca dormia. O Chefe do bando um tal de Periquito Dedo Duro achou estranho aquele marmanjo dormir assim. Tentou acordá-lo e não conseguia. Mandou seus capangas o jogarem no Rio  Mogiguaçu. Tim Tim Soneca levou um baque. Acordou afundando na água turva do rio. Subiu a tona e viu uma turba de homens atirando nele. Nadou para a outra margem. Sentiu seu corpo encorpar. Sua pele ficou vermelha. Correu rio abaixo até a ponte da Laguna. Voltou a Felicidade. Uma luta sem trégua começou entre Tim Tim Soneca e o bando de Periquito Dedo Duro. A cada bandido um soco e ele caia para não levantar nunca mais. Periquito Dedo Duro soube que Tim Tim Soneca estava liquidando seu bando. – Como pode um homem como ele vencer mais de oitenta bandidos?
    
                 O Grupo Escoteiro foi chamado pelo Barão. Meninos e meninas em cadeiras de rodas, muletas, mancando, uns pulando se reuniram na praça. Declararam guerra para os bandidos. Tim Tim Soneca já tinha mandado por terra mais de quarenta bandidos. Infelizmente o sono chegou de novo. Bem na Praça Tim Tim Soneca deitou na rua e dormiu. Periquito Dedo Duro sorriu. Correu até onde estava Tim Tim Soneca. Sabia que se desse nele um tiro toda a cidade iria ficar sem reação. Quando ele chegou em frente à Tim Tim Soneca que deitado na rua dormia, apontou a arma e ao puxar o gatilho recebeu uma paulada na cabeça. Toda a cidade saiu às ruas e armados com faca, enxadas, facões e paus atacaram a bandidada que saiu correndo de Felicidade. No dia seguinte um batalhão de soldados de Ribeirão Preto chegou à cidade. Prenderam todo o bando de Periquito Dedo Duro.

                  Nunca em tempo algum um Grupo Escoteiro formado só por excepcionais mostraram tanta coragem. O próprio Barão trouxe do Rio de Janeiro toda a cúpula do escotismo brasileiro. Foram medalhas de valor para todos. Tim Tim Soneca foi considerado o herói Escoteiro da cidade. Felicidade seguiu seu caminho. Mostrou ao mundo que quando se quer se faz só que nem todo mundo tem em suas fileiras um Tim Tim Soneca que quando acordado virou um herói, um forte  e alguém que sabe fazer o que deve ser feito. Tim Tim Soneca até hoje tira sua soneca de treze horas. Agora investido no cargo do Barão que se aposentou, criou um corpo de oito homens, que carrega junto a ele dois colchonetes, pois se der sono, Tim Tim Soneca dorme onde estiver.

                  Quem me contou esta história jurou ser verdade. Antonio Lorota era meu amigo e escoteiro. Eu sempre acreditei nele. (risos). Eu mesmo quando fui a Santa Rita do Passa Quatro procurei a tal cidade Felicidade. Ninguém sabia ninguém conhecia. Verdade ou não, um dia saiu no jornal o Estado de Minas quase uma página inteira homenageando o falecimento de Tim Tim Soneca. De onde era o jornal só dizia que era a  cidade de Felicidade. Risos. Nunca ninguém soube onde ficava, mas que alguém pagou ao jornal pagou. Quem foi o jornal não disse. Para mim que sou um contador de histórias pode ser verdade. Que na eternidade Tim Tim Soneca possa dormir em paz!       

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Lendas escoteiras. A incrível paixão de Lourenço Malenkaia.



Lendas escoteiras.
A incrível paixão de Lourenço Malenkaia.

                     Ele era o Escoteiro mais querido no Grupo Escoteiro Mar de Espanha. Era admirado e todos sabiam dos seus feitos nos grandes acampamentos e nas jornadas intermináveis que fazia e deixava saudades por aqueles que tiveram a honra de participarem junto a ele. Estou falando de Lourenço Malenkaia. Não foi da minha Patrulha, era da Leão. Mas ser seu amigo era motivo de orgulho. Alto, magro, cabelos louros encaracolados e sempre com um sorriso nos lábios, Lourenço Malenkaia sabia como  fazer amigos. Com quinze anos pediu ao Chefe se podia ficar até os dezesseis. Queria terminar sua Primeira Classe com chave de ouro. Pediu e o Chefe aceitou que fizesse a jornada sozinho. Queria ficar três dias, só ele, uma faca, um facão, uma manta, sal e óleo e mais nada. Seria seu desafio. Precisava provar a sí mesmo que sobreviveria.  As outras patrulhas assustaram. Como? – Isto é possível? De Lourenço Malenkaia nada era impossível.

                 Partiu sozinho em uma sexta pela manhã, garboso um sorriso enorme, atraindo olhares rumo a Mata do Roncador. Todos o olharam com orgulho. Mochila nas costas, um bastão a tiracolo e cantando “Avançam as Patrulhas” em marcha de estrada lá foi ele rumo à trilha do Cardim para atravessar o Rio Jambreiro na parte alta da fazenda Santa Cecília. Todos escoteiros ficaram ansiosos com sua volta. Era um fato inédito. Uma jornada sozinho? Nunca aconteceu. No domingo a tarde ele apareceu na curva do Urubu Rei, próximo à porteira do seu Nonato. Cantando, sorrindo, chapéu jogado para trás, mechas de cabelos louros caindo na testa uma passada que dava inveja lá foi ele para a sede onde se apresentou ao Chefe Jessé garbosamente – Pronto Chefe! Jornada realizada. Para dizer a verdade e pelo que eu saiba ninguém mais repetiu o feito de Lourenço Malenkaia. Dizem eu não sei bem que até hoje a Patrulha Leão é procurada por muitos para ler no Livro de Ata tudo que Lourenço Malenkaia fez e ali foi escrito.

                 Lourenço Malenkaia era filho do médico Doutor Arthur Malenkaia e de Dona Arminda Malenkaia, que trabalhava no Escritório do Advogado Pedreira. Não era um aluno brilhante, mas no Colégio Dom Pedro era muito querido. Que o diga o Padre Bento Solano diretor e o terror dos demais alunos. Eu e Lourenço Malenkaia não éramos íntimos. Nunca fomos. Até hoje não entendi porque ele me procurou naquela manhã de domingo. Pelo que me constava devida ter ido com sua Patrulha acampar nas margens do Rio Barão Vermelho em um acampamento de cinco dias. Eram férias de julho. Eu não tinha ido junto a minha Patrulha. Meu pai adoecera e precisava de mim para abrir sua sapataria, pois além de arreios para cavalos ele também fabricava sob encomenda sapatos na medida. Qualquer venda valia o almoço da família. Ele adentrou na sapataria com os olhos tristes e chorosos. Eu estava sozinho engraxando alguns pares de sapato, que me daria uns trocados e o seu Sempre Alerta foi dado sem nenhuma alegria.

                    Preciso falar com você – disse. Fiquei calado. – Você conhece a Dorita Valverde? – Assustei. Claro que sim eu disse. – Estou perdidamente apaixonado por ela, disse de supetão.  Não sei o que fazer de minha vida. – Falar o que? Dorita Valverde não era a moça mais linda da cidade. Muito conhecida como a mais traquina e sapeca era o dodói da garotada sedenta de amor. Sua fama de namoradeira e outras “cositas más” corria longe. Muitos diziam que era a única que deixa se beijar com beijos de “língua”. Eu mesmo nem sabia o que era isto. Famosa na cidade principalmente pelos filhos dos bem aquinhoados. Vi que Lourenço Malenkaia estava de cabeça baixa. Soluçava. – Não sei o que fazer! Não quero conselhos. Acho que estou louco. Nunca pensei em ficar assim. Amor para mim sempre foi uma bobagem que em escoteiros como  nós nunca vai e não pode acontecer. Quer saber? – Se amar pode nos deixar loucos então estou louco. – Deus do céu! O que estava acontecendo com Lourenço Malenkaia?

                  Eu sempre fui bom ouvinte. Acho que foi por isto que ele me procurou. Ficamos horas debaixo da aroeira frondosa da Praça São Joaquim jogando conversa fora naquela noite. Nada demovia seu intento. – Disse que ela o beijou sem ele esperar no muro atrás do Colégio das Irmãs Caritas. – Fui pego de surpresa – Mas que beijo! Senti sua língua na minha boca. Sensação incrível! Nunca imaginei que isto pudesse acontecer. Não sei meu amigo, acredite virei seu escravo na hora! – Meu Deus! Lourenço Malenkaia não estava em seu estado normal. Não podia ser aquele Escoteiro Primeira Classe que era admirado por todos. – Porque não procura o Chefe? Falei. – Não, ele não vai me ajudar. Vai ficar falando, falando dando conselhos e acho que ele nem sabe o que é um amor de verdade. – Mas você só tem quinze anos! – Ainda nem sabe o que é a vida! – Sei sim disse, sei que agora minha paixão por ela é única. Sei ainda que ela ri de mim, fala de mim como se fosse um bobão, mas eu sei que a amo. Meu amor é a essência de minha alma.  Nunca vou deixar de amar Dorita Valverde.

                Não estava entendendo nada. Meus quinze anos era de menino sonhador. Sonhador de aventuras escoteiras é claro. Tinha namorada, ainda no "Velho" estilo de só por olhar de longe, vê-la balançar os cabelos, um piscar de olhos, um sorriso inocente e mais nada. Beijo? Nem pensar. De língua então me assustava. Olhe, tudo complicou na vida de Lourenço Malenkaia. Seu pai o deixou preso em casa. Não quis estudar mais. Um desastre na família. Ele fugia. Encontrava-se furtivamente com Dorita Valverde. Ela ria dele. Mas não sei sentia algum por ele. O tempo foi passando. Lourenço Malenkaia foi definhando. Cresceu mas era um trapo de homem. Quem viu aquele belo Escoteiro não acreditava no que via agora. Soube que o internaram no famoso Hospício de Barbacena. Hoje considerado um padrão no histórico centro Hospitalar Psiquiátrico um dos melhores do Brasil.

                  Para dizer a verdade eu esqueci completamente do acontecido. Tantas coisas aconteceram em minha vida que Lourenço Malenkaia foi como uma página virada que não mais me dizia respeito. A vida de cada um tem um sentido e o destino não pode ser mudado. Li muito romances sobre grandes amores. O de Lourenço Malenkaia e Dorita Valverde não tinha igual. Acho que foi um amor impossível de acontecer. Ainda mais de garotos. Imberbes. Sem nenhum conhecimento da vida. Sabia que não haveria nunca  um futuro na união dos dois. Mas a vida nos reserva surpresas enormes. Muitos anos depois estava em Capistrano Ferreira onde tentava vender uma colheitadeira para o fazendeiro Don Antonio Leismael e a noite, cidade pequena, sem cinema, sem TV porque não tomar um cervejinha gelada no “Vale das Flores”? Eu estava com trinta e dois anos e claro, casado, mas era só uma fugidinha, nada de “pulo do gato”. Entrei na Boate da Rosinha. Até estranhei o luxo. Sentei em uma mesa do canto e logo uma morena linda me rodeou. “Minina” eu disse, só uma cerveja, não me leve a mal, mas sem companhia.

                  Bebericava calmamente ouvindo o barulho do Xaxado tocando por uma bandinha  e eis que aparece nada mais nada menos que Lourenço Malenkaia! Em pé me olhou e disse: - Vado! O Escoteiro engraxate da Patrulha Lobo? – Sorri. Eu mesmo Lourenço Malenkaia. Nunca pensei em encontrá-lo ainda mais aqui. Ele sentou. Sorrindo me contou em poucas palavras sua vida. – Olhe amigo, repito para você que foi o único que soube me ouvir. Eu amo e sempre amei Dorita Valverde. Amo com amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar assim. Que queres que te diga, além de que a amo demais. Nunca a deixei. Sou até hoje seu escravo. Dizem meu amigo que o amor é como o vento. Não podemos ver, mas podemos sentir. Internaram-me em Barbacena. Fugi de lá. Vaguei por terras desconhecidas e ao chegar aqui encontrei de novo minha amada.

                   Ela é dona desta boate. Pouco liga para mim. De vez em quando me dá um pouco de seu carinho. Aprendi a aceitar as migalhas que ela me dá. Sou louco mesmo. Louco de amor. Fiz da minha um sonho imperfeito. Só vivo a me arrastar por esta mulher. Nem digo se é uma doce paixão. Se amar é um afeto, uma ilusão. Acho mais que é uma loucura. Ele sorria docemente. Pediu um guaraná. Uma mulher meio gorducha, toda “embonecada”, mas com feições belas se aproximou. Deu para reconhecer. Era Dorita Valverde. Deu um beijo na testa de Lourenço Malenkaia. E lá se foi entre as dezenas de clientes da boate que pediam sua companhia. Nem me olhou. Claro não me conhecia - E o escotismo? Perguntei. - Nunca mais. Era um amor que tinha no peito e foi substituído por esta paixão avassaladora. Não disse mais nada. Tomei o último copo e parti. Nunca mais o vi. Vida é vida, história é história. Destino é destino. Escolhas são escolhas e o livro arbítrio de cada um não pode ser alterado ou ignorado.

                    O sonho de um menino Escoteiro fugiu em uma nuvem que se espalhou no céu. Não dá para segurar a brisa e o orvalho da manhã. O melhor é esperar o vermelho do sol nascente. Ele pode trazer alegrias para uns e tristezas para outros. São recordações que sumiram como o vento forte que pegou de jeito uma Patrulha em uma ravina qualquer. Nem deu tempo de alertar para fincar os chapéus. Afinal escoteiros também amam? Amor é uma palavra que poucos ainda souberam explicar com exatidão. Mas a felicidade não é a minha. A felicidade é a de quem achou um dia ter encontrado uma razão para viver. Lourenço Malenkaia e Dorita Valverde encontraram seu verdadeiro amor. Diferente do que muitos acham que vale a pena. Que eles sejam felizes. É meu desejo sincero!