Uma linda historia escoteira

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Era uma vez...

sexta-feira, 20 de março de 2020

Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro em quarentena. Nos tempos das falas novas, um novo tempo de Vírus Corona.




Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro em quarentena.
Nos tempos das falas novas, um novo tempo de Vírus Corona.

- Não... Não é primavera, entramos no outono. As falas novas de hoje são um tal de Vírus Corona, diferente daquele que Mowgli e seus amigos davam pulos de alegrias, ao sabor dos ventos benfazejos, das planícies floridas do ar vindo das montanhas dos perfumes das flores no ar... Ainda temos ventos, temos chuvas, mas temos agora tempos do qual nunca ouvimos falar. Vejo-me na minha varanda assumindo meu posto de velho escoteiro em quarentena, não se esquecendo dos meu aparelhos respiratórios e aspiratórios, lendo calmamente os viventes postando noticias e pensando o que devo seguir. O assunto é um só... CONVID-19, mais precisamente Corona-vírus. Mas tem mais, muito mais. Chefes amorosos, chefes raivosos, chefes revoltosos... Tem todo o tipo de postagem de chefes escoteiros que não acabam mais.

Às vezes me toco e penso em dar meu pitaco... Vale a pena? Vou dizer que amo o Presidente e me orgulho de sua prole e do seu respeito para um tal de Olavo que mora lá nos States? Vou condenar a Rede Globo, pois se ela fechar metade das outras irão acabar já que não vão ter mais notícias para dar. Que o Bonner e seus asseclas estão passando da medida concordo, mas tirando a Globo vou assistir o que? Quem tem TV por assinatura ainda vá lá. Entrou no ar a CNN Brasil... Não vi nada demais. Tem a Bandnews, ok, tem outras noticias que não o Corona para dar.  E aí vem tantas postagens que coço o cocoruco e penso se devo comentar... Melhor deixar o vento me levar e voltar nos meus tempos das falas novas, onde Mowgli desgostoso se sentia sozinho nas terras de Seeonee.

– “Não há nenhuma caçada para hoje, observou Mowgly. – Irmãozinho estarão teus ouvidos tapados? Isto que canto não é palavra de caça, mas canto que quero ter pronto para a primavera. – tinha me esquecido. Reconheço muito bem a chegada das falas novas, estação em que tu e os outros correreis para longe, deixando-me sozinho, respondeu Mowgly queixoso. Vós debandais e eu, Senhor da Jângal, tenho que viver sozinho. Até aquele ano Mowgly se deleitara com o retorno das estações. Era ele quem, antes de todos, descobria o primeiro olho da primavera e as primeiras nuvens da estação. Sua voz era ouvida em todos os lugares, a fazer coro com os outros animais. Como para todos os outros, a primavera era para ele o tempo de correr, só pelo prazer de correr do anoitecer ao amanhecer e voltar ofegante, rindo-se, cheio de flores raras. O povo da Jângal está constantemente ocupado na primavera; Mowgly via-os sempre rosnando, uivando, gritando, piando , silvando, conforme a espécie de cada um. Suas vozes mostram-se diferentes então; e por isso a primavera no Jângal é chamada o Tempo das falas Novas”.

- Sou aquele velho que muitos dizem que não bato bem da “cuca”. Reclamo calado por não ter comentários dos leitores. Pode ser, gosto de falar de vestir de sonhar e de viajar nos meus tempos das falas novas escoteirando sem me afastar do que amo e penso. Porque não vejo tantos dizendo sobre sua promessa? Valeu? Sobre o que prometeu fazer o melhor possível para cumprir... É, cumprir uma lei, tão difícil de seguir. Mas não deveriam escrever que somos irmãos uns dos outros, somos leais, temos uma só palavra, sabemos sorrir e principalmente somos corteses... Não é isso que diz alguns dos artigos da Lei? Ah! O lobinho ouve sempre os velhos lobos... Bah! Melhor dizer que ele pensa primeiro nos outros. Mas Chefe me diz um Lobo da Montanha, estão às pencas oferecendo ajuda aos velhos, não sabe ler? È eu tenho que concordar. Mas ainda me bato que devíamos falar mais do escotismo real e não aquele feito para satisfazer o ego de cada um!

– “Comi bem, disse Mowgli a si próprio, bebi bem, minha garganta não arde nem aperta. Mas tenho o estômago pesado e tratei mal a Bagheera e outros. Ora me sinto quente, ora frio; ora nem quente nem frio, mas apenas furioso contra não sei que. Ah-ah! É tempo de dar minha carreira. Esta noite cruzarei as montanhas; sim darei uma corrida de primavera até os pantanais do norte, ida e volta. De muito que caço sem esforço, isto me enerva. Como não encontrou nenhum de seus irmãos lobos para correrem juntos, Mowgly saiu sozinho, aborrecido por isso. Assim correu ele aquela noite, ás vezes gritando, ás vezes cantando; correu até que o cheiro das flores o avisou que estava próximo dos pantanais e longe, muito longe de sua Jângal. Avistou uma estrela bem baixa e olhou pelo canudo da mão. – Pelo touro que me comprou é a flor vermelha, a flor vermelha que deixei pra trás de mim quando me mudei para a alcatéia de Seonne. Agora, que a vejo de novo, dou por fim a minha corrida”.

Embarco nesta carreira de Mowgly, queria ter a vontade de Caio Vianna Martins. Andando com as próprias pernas escorando aqui e ali pelas paredes e ainda penso em correr nos tempos das falas novas. Onde andam as crianças? Onde andam os jovens que são a razão de ser deste belo movimento Badeniano? Desapareceram no tempo das falas novas? Agora são folhas de outono perdidas entre os Bandarlogs próximo ao Waingunga? Não os vejo comentando, sendo comentados, não os vejo em nenhum lugar. Será que só os “grandes chefes” tem a primazia de dizer o que fazer? Falar por eles? O que querem? Sento-me nas Montanhas do Quênia e tento localizar a morada de B.-P. a sua Paxtu amada, onde dizem estão lá as almas dos amigos dos tempos das falas novas, a recordarem dos Ashantis, das lutas no Transwal, falando escotismo nas noites enluaradas de Mafeking, dos ditosos dias de Brownsea, dos primeiros dias em Gilwell, da grama verde tão lembrada, dos escoteiros e seus sorrisos... Gostaria de estar lá, ouvindo num canto da sala, a voz de Baden-Powell das suas risadas, dos tempos das falas novas!

- “Se tivesses vindo quando te chamei, isto nunca se daria, respondeu Mowgly, apressando o passo. - E agora como será? - Perguntou o lobo Gris. - Mowgly ia responder, quando uma mocinha trajada de branco surgiu no caminho que levava à aldeia. Mowgly segui-a com os olhos por entre os talos de milho até que seu vulto se perdeu ao longe. - E agora? Agora não sei... Respondeu finalmente, suspirando. Porque não vieste quando te chamei? Nós te seguimos, murmurou o lobo. Nó te seguimos sempre, exceto no tempo das falas novas”.

E sem carambola no pedaço, ouço o cantar de um bem ti vi lá ao longe bem distante, quem sabe na terra onde nasci. E volto meus olhos ao Face, leio cada frase, analiso penso e se penso logo existo! Rs... Até quando? Até quando alguém disser: - Chefe o Corona acabou, use o Lorenzetti é melhor! Mas e a Lei? E a Promessa pergunto novamente? E os jovens o que serão deles se não podem opinar? Nos tempos do Corona sem Lorenzetti eu me perco nos sonhos de uma noite de outono... Até quando? Até quando não sei!

– “Para! Que estás dizendo? - O lobo gris ficou uns instante calado, depois falou: - Filhote de homem, senhor da Jângal, filho de Raksha, meu irmão de caverna: embora eu fraqueie nas primaveras, o teu caminho é o meu caminho, o teu antro é o meu antro, a tua caça é a minha caça e a tua luta de morte é a minha luta de morte. Falo por mim e pelos outros três. Mas que irás dizer na Jângal”? Quem quiser saber que leia o final do conto de Kipling. Eu paro por aqui, ainda pensando que na história de Mowgly lá nas selvas de Seeonee sem Corona Vírus os adultos não tinham vez...

quarta-feira, 18 de março de 2020

Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro. A Insígnia de Madeira.




Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro.
A Insígnia de Madeira.

... – Ontem um amigo Chefe que ainda não tive a honra de apertar a mão, me enviou pelo Watshap a seguinte mensagem: - Amigo Chefe me diga por gentileza, como foi seu curso avançado e qual sua reação ao receber a sua IM? Quais foram suas palavras ao receber a IM? E como seria para o Senhor se a recebesse pela 1° vez hoje? – Interessante à observação. Voltei no tempo, ainda me vejo menino crescido no meio de dezenas de novos amigos que ainda não tinha o prazer de conhecer. Nove dias acampados no bosque do Jardim Zoológico em Belo Horizonte. Foi demais. Enfim todos os nossos cursos são demais. Então me lembrei desse artigo que postei aqui há tempos e com a nova foto que um amigo me enviou onde me vi no meio de uma turma supimpa tirada no último dia do meu lembrado curso avançado da Insígnia de Madeira.

- Lá pela década de sessenta recebi minha Insígnia de Madeira das mãos do Escoteiro Chefe Darcy Malta. Não foi em uma festividade, ele e eu na Sede da Região em uma noite de sexta feira. Chefe Darcy foi nosso líder e um exemplo por muitos anos em Minas Gerais. Foi uma honra ter sua amizade. Nunca esqueci as palavras que me dirigiu: - Chefe é uma honra para mim fazer a entrega da sua Insígnia de Madeira. Lembre-se que o Colar pesa. As contas mais ainda e o lenço vai distinguir você de outros tantos chefes que estão a fazer o mesmo que você. Não pense que isto vai mudar sua maneira de ser, que vai ficar mais importante. O que a Insignia de Madeira está lhe concedendo é o inicio na sua luta para formar melhor os jovens de sua Tropa. Não pense também que você é agora um instrutor diferenciado. E nem tão pouco tem o direito de ambicionar ir mais longe. A Insignia só tem a importância para que os jovens acreditem que tem um Chefe capaz, um instrutor diferenciado e um irmão mais velho. Quando olharem para você saberão que sendo um Membro do 1º Grupo de Gilwell será sempre um exemplo na sua apresentação e no seu garbo. Seja humilde, não seja arrogante. Você não é melhor que os demais chefes. Evite ser chamado de “chefão” pelos seus jovens. Darcy o Escoteiro Chefe, meses depois me nomeou Comissário Regional no Estado de minas Gerais.

- Durante minha vida escoteira por vários anos vi centenas de chefes recebendo sua IM. Sabia que a IM pesa e a responsabilidade seria maior que antes. Sabemos que o lenço e as contas pesam. Fico triste quando vejo um Chefe IM não dando seu exemplo pessoal e mal uniformizado. Apesar de não ser uma unanimidade isto está acontecendo nos dias de hoje e me entristeço a ver um recebendo a IM com aquela apresentação autorizada pela Escoteiros do Brasil e muitas vezes desfocada. Camisa solta, e meias coloridas no calçado. Um desdenhou o Anel de Gilwell e amarrou as pontas do lenço. Seria esse o exemplo nos dias de hoje? B-P comentava sobre o uso do uniforme não só por parte dos jovens, mas também dos chefes. – “Mostrem-me um desses tipos e lhes afianço que provarei que ele é um daqueles que não conseguiu pegar o verdadeiro Espírito Escoteiro e não se orgulha de ser membro da nossa Grande “Fraternidade”“. Um IM deveria ser alguém que sem comparar a “mulher de Cesar” não basta ser um exemplo ele tem de parecer sempre dar o exemplo. Isto se aplica a todos sem exceção. Para um Insígnia não existe modismo, escolhas individuais e sim uma apresentação digna de alguém que pertence ao 1º Grupo de Gilwell. Sabemos que a tradição já não é tão respeitada, mas para um membro do primeiro grupo de Gilwell deveria ser diferente.

                     Muitas vezes tive a honra de entregar o lenço da Insígnia de Madeira e minhas palavras eram curtas. Apenas lembrar-se de sua promessa da Lei e do seu exemplo pessoal. Certa vez li um artigo sobre os novos membros de Gilwell e como deveriam se portar. O artigo contava uma pequena história de como ele deveria portar sendo a partir de agora um IM (ele se achava importante demais). - Quando soube que ia receber a IM o Chefe ficou tão eufórico que quase não se conteve. Serei um grande homem, um grande chefe agora – disse a um antigo Chefe seu amigo. - Preciso de um novo uniforme imediatamente. Que faça jus a minha nova posição na sociedade escoteira, no Grupo Escoteiro e em minha vida.

- Conheço um alfaiate perfeito para você – replicou o amigo, um IM que recebeu a sua há muitos e muitos anos. – Vou lhe indicar um alfaiate que é um "Velho" sábio e sabe dar a cada cliente o corte perfeito. Deu-lhe o endereço e o novo futuro IM foi ao alfaiate, que cuidadosamente tirou suas medidas. Depois de guardar a fita métrica, o sábio alfaiate disse: - Há quanto tempo o senhor é IM? - Ora, o que isso tem a ver com a medida do meu uniforme? – perguntou o cliente surpreso. – Não posso fazê-lo sem obter esta informação senhor. É que um IM recém-formado fica tão deslumbrado que mantem a cabeça altiva, ergue o nariz e estufa o peito! Assim sendo, tenho que fazer a parte da frente maior que a de trás.

- E continuou: - Anos mais tarde quando está ocupado com o seu trabalho e os transtornos advindos da experiência o tornam sensato, olha adiante para ver o que vem em sua direção e o que precisa ser feito a seguir. Aí então eu costuro o uniforme de modo que a parte da frente e a de trás tenha o mesmo comprimento. - E mais tarde, depois que está curvado pelos anos de trabalho cansativo e pela humildade adquirida através de uma vida de esforços, então faço o uniforme de modo que as contas fiquem mais longas que a frente.

- Portanto, tenho de saber a quanto tempo o senhor foi nomeado para que a roupa lhe assente apropriadamente.

O novo futuro IM saiu da alfaiaria pensando menos no seu orgulho e mais no motivo que levou seu amigo a mandá-lo procurar aquele sábio alfaiate.

                   Portanto meu amigo Chefe Insignia de Madeira lembre-se que você é um exemplo para todos nós. Tens a obrigação de ser aquele que podemos copiar e ver que estamos diante de um exemplo padrão de um Chefe Escoteiro. Tem de mostrar a humildade de um portador da Insignia de Madeira cumpridor da Lei e da Promessa. O lenço pesa e a responsabilidade mais ainda. Mantenha seu padrão de apresentação, seu garbo, um olhar meigo, carinhoso, mostre ser um amigo fraternal e isto fará de você um “Insignia de Madeira” que todos seus amigos sentirão orgulho. Nunca se esqueça disto!

domingo, 15 de março de 2020

Crônicas de um Velho Escoteiro. A rede. (uma história real)




Crônicas de um Velho Escoteiro.
A rede.
(uma história real)

... - Um homem não deve ser boi de rebanho que vai empurrado pra frente sem ver: - Se firma o caráter, faz sua tarefa. E rema a canoa para onde quiser. Sem medo, ele olha os escolhos que enfrenta: Bebida, mulheres, o jogo e os espertos. Não vai encalhar, porque as rochas contorna. Remando a canoa com os olhos abertos.

·                 Até aquele verão de 1953 eu não tinha dormido em uma rede. Nunca pensei em ter uma, pois acreditava que dormir no chão, com folhas secas a servir de forro eu dormia Quando necessário o capim servia de colchão. Dois saco de estopa quebravam o galho melhor e era mais escoteiro. Possuir uma rede? Não tinha sonhos assim. Nem sabia o que era um sleeping bag (saco de dormir). Eu tinha facilidades para dormir em qualquer lugar. Dormia em trilhas em subidas, com pedregulhos em cima das árvores agachado sentado ou não. Dormia mesmo. Sono dos justos. Qualquer toco de madeira servia de travesseiro. Dormia muito bem obrigado. Dormi até em uma barraca suspensa, em cima do estrado de bambus sem nada. Não precisava esticar as canelas, bastava ter sono e pronto. Dormir encostado em uma árvore era divino e um dia dormi em pé caindo como uma abobora no chão quando o sono bateu forte. Quase nunca usava lençol ou fronha de casa. Só uma Capa Negra que ganhei do meu avô. Dormi em cima de pedras pontiagudas em várias montanhas. Sem cobertor dormi até em locais frios, mas... Um dia acampamos com alguns escoteiros do norte. Gente boa, boníssima. Alegres um sotaque delicioso.

         Apareceram em nossa cidade como se fossem transportados por uma nave interplanetária. Turma de primeira. Disseram-nos que estavam fazendo uma jornada e a pé ou de carona pretendiam ir até o Rio de Janeiro. A Rio Bahia estava no auge, boa parte asfaltada. Quando os vi na Av. Prudente de Morais dei um belo de um sorriso. Aproximei-me e em alto e bom som gritei! Sempre Alerta! Na melhor pose que conhecia. Eles me olharam espantados. Eram cinco. Não lembro os nomes. Estavam vindos de Jequié na Bahia. Logo apareceram outros escoteiros do nosso grupo. Lá fomos nós com eles até a sede. Causos e causos. Isto naquela época era comum. Nem imaginam a alegria em ver Escoteiros de outras plagas. Ninguém ficava ao relento, pois todos querendo os levar para dormir em suas casas. 

        Levei um e outros levaram os demais. Tempo bom, era assim na época. Como se diz hoje: - “Fraternidade sem fronteira”. Ver alguém de outro grupo era uma apoteose. O que foi para minha casa não quis dormir em meu quarto. Aproveitou o pé de manga e o pé de abacate e ali amarrou sua rede. – Você vai dormir aí? – Porque não? É minha cama preferida! Calei-me. Depois de vê-lo montar a rede fui para o meu quarto e fiquei pensando em dormir em uma rede também. Fácil de colocar na mochila seria uma mão na roda. De vez em quando olhava pela fresta da porta ele dormindo na rede. Que inveja eu estava sentido. Ficaram quatro dias e partiram em uma manhã ensolarada. Ficamos muito amigos e quando partiram senti saudades.

        Coloquei na minha mente que devia ter uma rede. Nas lojas em minha cidade custava uma nota. Na Casa Silva uns cento e cinquenta em dinheiro de hoje. Não importava. Chegava da escola, pegava minha caixa de engraxate e partia para o centro da cidade. Demorou quatro meses, mas consegui a quantia necessária e comprei a rede. Levei para casa. Amarrei-a no pé de abacate e o de manga. Fiquei ali um tempo enorme admirando minha nova amiga. Sentei me estiquei e deitei. Gostoso, aos poucos fui me adaptando. Bom demais! Meia hora depois começou o vira, vira. É sempre assim para os pata tenras em redes. Sempre virando para lá e acolá. Danada de rede. Não seria fácil acostumar. Na semana seguinte fomos acampar na Serra da Gamboa. Ia matar todo mundo de inveja. Levei a rede. Lá chegando todos assustaram. Uma linda rede. – Vais dormir aí? – Claro, melhor que no chão duro! Um frio danado. A manta não cobria tudo. Gelava por baixo. Fiz um fogo próximo. Nada. Fiz outro do lado contrário. Nada.

         Lá pelas três da manhã não aguentava mais. Não tinha dormido nada e sempre fazendo foguinho aqui e ali. Não queria dar o braço a torcer com meus amigos de patrulha e voltar para a barraca. Seria um vexame. Eles riram quando disse que ia dormir ali e tinha de dormir. Quatro da manhã e o frio piorou. Já tinha feito duas fogueiras uma de um lado e do outro lado da rede. Um clarão iluminou a mata. Um trovão trovejou no céu. Raios brincavam de cortar árvores pelo meio. A chuva caiu torrencialmente. Fiquei ali na rede. Tinha dito que ia dormir nela e tinha de dormir. Meus amigos dormiam sono solto na barraca e o idiota lá na rede molhado e na chuva.

            Pela manhã estava com os olhos inchados. Molhado como um pinto na chuva. – E aí Vado dormiu bem? – Dizer o que? Afinal não inventei? Não gastei o que não podia para ter a rede? Sorri azedo para os patrulheiros meus amigos. Eles sabiam o que eu tinha passado. Mas me tratavam seriamente e foram até gentis pela manhã me deixando no campo de patrulha e foram atrás de um quati que Cabeludo disse ter encontrado a pista. Não dei de bandeira, mas dormi sono solto ali na grama. Não vi mais nada. Eles voltaram algumas horas depois com o quati pendurado em um bastão. Perdi esta caçada e perdi muito mais, perdi a vontade de dormir outra vez em uma rede.

         Foi a primeira e última vez. Nunca mais arrisquei a tentar dormir em uma rede. Não era para mim. Eu a levava sempre, mas para forrar a barraca. Uma rede como forro? Pois é. Tenho duas em minha casa, às vezes dou uma cochilada, mas nada mais que isso. Eu ainda gosto dela para sentar deitar e tirar uma soneca por pouco tempo. Mas vá lá dormir em um acampamento de quatro ou cinco noites com o frio a gelar o esqueleto? Deixo para meus amigos escoteiros nortistas. Eles são bons nisto. Sei que a rede é um quebra galho para quem gosta. Nos barcos dos Rios Amazônicos ou não a rede está sempre presente. Até hoje fico pensando porque não acostumei. Mas eu dormia gostoso no chão duro, nas pedras, em cima de pontes, em trilhas, em capim meloso, braquiária, colonião, no meio das samambaias, ou seja, lá o que for. Que chovesse canivete. Mas na rede? Nunca mais!