Uma linda historia escoteira

Uma linda historia escoteira
Era uma vez...

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Um pouco da história do escotismo.



Crônicas escoteiras.
Um pouco da história do escotismo.

               Todo o escoteiro conhece um pouco a história do escotismo e o marco que foi o acampamento experimental na ilha de Brownsea. No centenário deste, que se confunde também com o centenário do próprio escotismo, todos temos a hipótese de reviver de alguma forma o que se passou naquela pequena ilha. Queremos deixar-te aqui algumas pistas e informações para que, no teu grupo ou agrupamento, possas organizar um “Reviver Brownsea” daqui por dois anos. Vamos a isso?

Os participantes

Alguns historiadores contabilizam um total de 22 rapazes, neste acampamento experimental. Para além dos famosos vinte, cinco em cada Patrulha, ainda Simon Rodney (12 anos), na Patrulha Lobo, e Donald Baden-Powell (sobrinho de B-P) que, por ter apenas 9 anos, ficou como Ordenança de Campo (uma espécie de auxiliar). A presença de Donald é confirmada e, dada a sua idade, pode ser “interpretado” por um Lobito.
Baden-Powell levou consigo um adjunto: Kenneth Maclaren, seu amigo de longa data da vida militar.
Para melhor viver o imaginário neste “reviver”, cada uma das confirmadas 23 pessoas em campo (B-P, o adjunto, o sobrinho e os cinco rapazes por cada Patrulha) podem usar um cartão pendurado ao pescoço, com a sua identificação, para todos serem tratados pelo respectivo nome.
Por ser um acampamento experimental, os rapazes vestiam-se de acordo com a moda da época.

A ida

A 29 de Julho, parte dos participantes (12 rapazes) embarcaram a bordo do Hyacinth, no porto de Poole, para fazerem a travessia de pouco mais de 3 km até ao cais de Seymour, já na ilha, percorrendo ainda cerca de 800 metros até ao local do acampamento, ao sul da ilha. No dia seguinte, chegaram os restantes. Na noite do dia 30, ao redor da fogueira, B-P contou algumas das suas aventuras na África e na Índia e deu informações sobre o dia seguinte, terminando o dia com orações.
Cada Patrulha ficou com uma tenda militar, em forma de campânula. B-P e os seus assistentes ficaram noutra tenda. Havia, ainda, uma tenda-cozinha e uma tenda aberta de um dos lados para se abrigarem em caso de tempestade.

As atividades.

A 1 de Agosto, começaram as atividades programadas para o acampamento, distribuídas da seguinte forma:

1 de Agosto: Preliminares - formação das Patrulhas, distribuição de tarefas, instrução para os Guias de Patrulha, etc.
2 de Agosto: Campismo - engenho em campo, construção de cabanas e esteiras, nós, fogueiras, culinária, saúde e saneamento, orientação em território desconhecido e barcos.
3 de Agosto: Observação - observar e memorizar detalhes ao longe e ao perto, pontos de referência, seguir pistas, dedução a partir de pistas e sinais, e treino da visão.
4 de Agosto: Vida na floresta - e de animais e plantas, estrelas, espreitar animais, observação de detalhes de pessoas e leitura do seu carácter e condição.
5 de Agosto: Cavalheirismo - honra e código dos cavaleiros, altruísmo, coragem, caridade e poupança, lealdade para com o rei, patrões e oficiais, cavalheirismo para com senhoras, a boa ação diária e como fazê-la.
6 de Agosto: Salvamento de vidas - em incêndios, afogamento, gás, atropelamento por cavalos, em esgotos, pânico, acidentes na rua e primeiros socorros.
7 de Agosto: Patriotismo - geografia colonial, história e feitos que engrandeceram o império, a marinha e o exército, bandeiras, medalhas, deveres dos cidadãos e auxílio à polícia. 
8 de Agosto: Jogos - campeonato desportivo envolvendo todos os temas abordados durante o acampamento.

                  Todos os dias havia inúmeros jogos: jogo do Kim, caça à baleia, seguir pistas, competição de nós, caça ao urso, tração da corda, observação de veados, etc.
Os elementos de cada Patrulha distinguiam-se por um pedaço de lã colorida, presa no ombro: azul para os Lobos, verde para os Touros, amarelo para os Maçaricos e vermelho para os Corvos. Cada Guia de Patrulha tinha uma bandeirola com o desenho do respectivo animal.
                 Cada noite, uma Patrulha ficava encarregue do “piquete noturno”. Levava rações de farinha, batatas, carne, chá, etc., e partia para um local indicado para bivacar, afastado do acampamento. Cada rapaz levava fósforos e o seu próprio tacho, cozinhando ali o seu próprio jantar. A seguir, eram colocadas sentinelas e montado o bivaque. B-P e os Guias das outras Patrulhas entretinham-se a observar o piquete até às 23h, hora a que os rapazes iam todos dormir, regressando ao acampamento no dia seguinte a tempo do pequeno-almoço. Eram feitos alguns ataques simulados para testar a capacidade de vigilância do piquete.
                  A instrução era dada sempre com pouca teoria e muitos exemplos ilustrativos, para não maçar os rapazes, seguida de jogos e competições sobre o assunto. Praticamente não se cantava mais nada no acampamento para além do “Inegoniama”. B-P distribuiu a cada rapaz uma insígnia em latão com a flor-de-lis. Alguns historiadores defendem que usou o mesmo esquema de classes que tivemos no CNE e que foi usado um pouco por todo o mundo.

Horário diário

A alvorada era às 6h00, ao toque de um chifre de Kudu que B-P tinha trazido de África, usado pelos Matabeles.

6h00 - Alvorada, arejar, leite e biscoitos
6h30 - Ginástica matinal
7h00 - Avisos das atividades do dia, com demonstrações
7h30 - Limpeza do campo
7h55 - Formatura, içar da bandeira e orações. Pequeno-almoço.
9h00 - Prática Escotista
12h00 – Banho
12h30 – Almoço
13h00 – Descanso
14h30 - Prática Escotista
17h00 – Chá
18h00 – Jogos
19h15 - Passar uma toalha húmida pelo corpo e mudar de roupa
20h00 – Jantar
20h15 - Palestras ao redor da fogueira
21h15 – Orações
21h30 - Deitar e silêncio.


                Posteriormente voltaremos com outras lembranças dos primórdios do escotismo.                                                   

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Aqui se faz aqui se paga.


Lendas Escoteiras.
Aqui se faz aqui se paga.

                Narville ouvia calado. Ele sempre foi assim. Preferia ouvir a discutir, pois achava que seu silêncio lhe daria sempre paz de espírito. Seu pai um simplório carroceiro um dia lhe disse – Narville, a maior parte dos problemas do homem decorre de sua incapacidade de ficar calado. Ele olhava nos olhos do Chefe Wantuil do Grupo Escoteiro Águia de Haia. Um nome que todos sabiam o significado. Mas o Chefe Wantuil com toda sua arrogância não sabia. A princípio Narville achou que ele lhe daria um sorriso e dizer – Bem vindo, precisamos de voluntários, mas não. Tentou encobrir sua presunção de dono da verdade e só saiu um monte de asneiras. Finalmente completou – Narville, você é um simples vigia das Casas Noêmia, trabalha a noite, acho que nem estudo tem. Como posso aceitá-lo no Grupo Escoteiro? O que você pode trazer de benéfico aos jovens classe média que temos aqui? Se observar bem todos os chefes tem curso superior ou então estão terminando. Melhor procurar outro Grupo Escoteiro. Aqui não tenho lugar para você!

                Falar mais o que? Discutir com o Chefe Wantuil? Falar umas poucas e boas para ele? Ele já tinha lido que a maior parte dos problemas do homem decorre de sua incapacidade de ficar calado. Não foi Abraham Lincoln quem disse que melhor permanecer calado e que suspeitem tua insensatez, que falar e eliminar toda a dúvida disso? Narville era realmente na sua aparência um pobre coitado. Vestia mal. Ganhava pouco. Aprendera tanto com seu pai, um simples carroceiro, mas que para ele era um sábio. – Não diga a coisas com pressa Narville, mais vale um silencio certo que uma palavra errada. É mais fácil a gente se arrepender de uma palavra que de um silêncio. Ele sabia disso. Tinha visto agora nas palavras do Chefe Wantuil. Palavra errada, na hora errada pode se transformar em ferida naquele que disse e naquele que ouviu.

                  Desde pequeno que Narville sonhava em ser Escoteiro. Nunca pode entrar. Primeiro porque precisava trabalhar. Seu pai o deixara órfão aos dezesseis anos e antes tinha que ajudar sua mãe nas trouxas de roupa que lavava para algumas famílias da cidade. Depois para completar o dinheiro que precisavam para sobreviver ele trabalhava. Sempre fora bom aluno e estudava a noite. Dona Noêmia das Lojas do mesmo nome lhe dera um emprego. Salário pequeno. Passava sempre em frente ao Grupo Escoteiro e sonhava que um dia seria um. Mas onde estava o seu tempo? Não tinha. Sabia que eles iam acampar excursionar, entravam em matas fechadas, atravessavam rios e ele sonhava. Quantas vezes olhava no espelho e se via com aquele uniforme caqui, aquele lenço verde e amarelo e aquele chapelão.  Foi crescendo com seu sonho. Um dia Conseguiu o emprego de vigia noturno. Agora tinha as tardes de sábado, mas seu sonho foi destruído pelo Chefe Wantuil.

                  Não ficou com raiva. Ele era uma alma boa. Não tinha e nunca teve raiva de ninguém. Achava que cada um tinha suas razões. Narville tinha um segredo. Só dele, de sua mãe e dona Noêmia. Ela o vira uma vez estudando após o horário e sentiu que ele precisava de sua ajuda. – Narville, eu vou pagar a faculdade para você. Se um dia se formar vais trabalhar para mim aqui? – Falar o que para dona Noêmia? Um ano, dois cinco anos. Formou-se em direito. Uma luta para passar no exame da ordem, mas conseguiu. Ninguém sabia do seu intento. Sua mãe e dona Noêmia estavam presente na sua colação de grau. Logo foi transferido para o departamento Jurídico. Colocou seu único terno cinza e entrou na sala humildemente. Foi bem recebido. Em trinta dias conquistou amigos. Já era outro homem.

                O nome do Chefe Wantuil surgiu em destaque nos jornais. Foi acusado de roubo na firma que trabalhava. O juiz decretou prisão preventiva por trinta dias. Seu arroubo de arrogância afugentou os dois únicos advogados da cidade. Não tinha ninguém para defendê-lo. Narville achou que era hora de retribuir. Foi à prisão. Viu os olhos de Chefe Wantuil em lagrimas. Quem poderia imaginar aquela cena? Narville era bom advogado. Com a ajuda de um amigo detetive logo descobriu quem era o culpado. Chefe Wantuil no julgamento foi declarado inocente. Seu nome ficou marcado no grupo. Não o queriam mais. Nem deixaram entrar na sede para se explicar. Sempre tem aqueles que aproveitam dos que um dia estiveram no poder e humilharam todos. Não é assim que dizem que quem aqui faz aqui se paga?


              Chefe Wantuil ficou marcado para sempre. Narville não pode fazer nada. Seu sonho de ser Escoteiro foi adiado, mas dois anos depois organizou um novo grupo. Pequeno, sem grandiosidade. Trabalhar com poucos. Convidou o Chefe Wantuil. Este com lágrimas nos olhos aceitou. Tornaram-se amigos, foi seu padrinho de casamento. Mudou muito. Aquela arrogância ficou no passado. Ele aprendeu que nunca mais iria cair na tentação do discurso banal, da explicação simplória. Agora era outro, sua fala era como se estivesse dizendo – Calma! Agora eu tenho calma para dizer, calma para ouvir!        

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Escoteiro não durma. Se dormir você morre!


Lendas escoteiras.
Escoteiro não durma. Se dormir você morre!

                      Ainda faltava uma hora e meia para chamar Meiasuja. Meu amigo de muitos anos e Escoteiro sênior como eu. Meus olhos queriam fechar. Um sono incrível. Não sei se aguentaria sem dormir por muito tempo. A noite estava gostosa. Uma brisa fresca, um céu estrelado e naquela clareira da Floresta da Jiboia nada dizia que seriamos incomodados por chuva ou outros “bichos” naquela noite. Meus olhos fecharam. Tentei abrir. As pálpebras não obedeciam. Forcei novamente. O melhor era levantar beber um pouco de água, passar um pouco no rosto e tomar um café que estava quente no bule em cima das brasas do fogo, pois assim meu sono seria espantado. Por pouco tempo é claro. Já tinha feito aquela rotina por duas vezes. Abri os olhos. O que vi me matou de susto de uma só vez! Fiquei paralisado. Meiasuja tinha me prevenido. Melhor fazer uma guarda, cada um fica três horas e meia. Lembre-se não durma! O Seu Ptolomeu foi sincero em tudo que nos contou.

                      E dai? Adiantou? Consegui abrir o olho, mas não consegui me mexer. Era a visão da morte. Não dava um níquel pela minha vida. Os dois eram enormes. Seus olhos eram brasas vermelhas a brilharem no escuro. Seu Ptolomeu disse que não era comum Pumas daquele tamanho na região. Eles lá na roça os conheciam como Onça Pé de Boi. Matavam para viver e quando apareciam o gado ia aos poucos sendo sacrificado. Diziam continuou ele que eram animais fantásticos e que muitos caçadores e pescadores que conseguiram sobreviver juram que era uma Onça enorme, andando sempre aos pares com uma femea. Assim era difícil escapar. Encurralavam em algum lugar e enquanto matavam um e comia a femea esperava sua vez. Se vocês estiverem armados, matem primeiro o macho. Só assim poderão sobreviver, pois a femea vai fugir. Pescoço, você e Meiasuja tomem cuidado. A Suçuarana que aqui chamam de puma podem matar vocês só com uma pata.

                      Não me mexia. O corpo tremia. Urinei na calça uma vez. Seriam varias naquela noite. Olhava aqueles olhos vermelhos que não piscavam. Os dois pumas estavam um ao lado do outro e a menos de três metros onde estava. Meiasuja estava atrás de mim dormindo nem imaginava o perigo que corria. Pensei em acordá-lo, mas estava tremendo. Se ele acordasse e gritasse já era! – O que fazíamos ali? Por Deus deveríamos ter voltado. Seu Ptolomeu foi enfático. Agora era tarde de mais. – Tudo começou no Conselho da Tropa Sênior. O Grande Acampamento Distrital Sênior que fazíamos a cada dois anos seria em nossa cidade e iria acontecer uma grande Olimpíada Técnica Escoteira. Precisávamos de um local para alojar mais de duzentos seniores de seis distritos Escoteiros. Não poderia ser um lugar qualquer. – Era condição mínima ter uma mata, um rio ou riacho mais largo, remansos para banho, se possível quedas d’água para pioneiras de grande porte e muita madeira. Todos nós conhecíamos uma infinidade de lugares, mas mesmo assim o Chefe Pantaleão no Conselho de Tropa Sênior deu sua opinião que prevaleceu.

                      Vocês são doze. Duas patrulhas. Tem muitas estradas vicinais que ainda não exploramos. Vamos nos dividir em duplas.  Levar toda a patrulha não vai dar tempo de achar um local novo e desconhecido para todos. Vamos sair pela manhã do próximo sábado e voltar no domingo à tarde. Vamos sortear aonde cada um vai. Na semana seguinte nos reuniremos para ver o que vocês encontraram. Assim foi dito, assim foi feito. Nosso destino seria a Floresta da Jiboia. Nunca estive lá. Tinha ouvido falar. O Rio Taquari corria em suas entranhas mais fechadas. Até pescadores evitavam ir lá. Mas éramos seniores. Afinal o difícil para nós era fácil. Impossível? Nunca, dizíamos. O possível se faz agora e o impossível daqui a pouquinho.

                      Para ser sincero não dei muita bola para o que disse o Seu Ptolomeu. Já vi onças muitas vezes e a maioria se espantava e sumia no meio das matas. Portanto estas tais pumas quando nos visse fariam a mesma coisa. Iriam fugir como o diabo foge da cruz. Ainda bem que o Meiasuja deu a ideia da sentinela. Mas não achei que adiantou muito. Estava petrificado olhando aqueles enormes pumas a minha frente. Como sênior aventureiro já tinha visto a morte de perto muitas vezes. Naquele buraco fedido no Espinheiro da Maloca, onde nunca tinha visto tantas surucucus reunidas em um só local. Ou mesmo na Garganta do Espantalho, onde caí dentro de um buraco de formigas gigantes. Safei-me de muitas e outras borrava de medo. Nunca fui valente. Mas gostava daquilo que fazia. Agora não. Sabia que não haveria escapatória. Atrás de mim, deitado em uma manta e com a cabeça na mochila Meiasuja dormia como um neném recém-nascido.

                       Um dos “monstros” sem pêlo deu mais um passo a frente. A femea fez o mesmo. Estava morto e não sabia. Olhavam-me dentro dos olhos. Não aguentei mais. A calça ficou toda molhada. Perdi os sentidos. Não tive sonhos e nem pesadelos. Acordei uma hora depois pensando estar no céu. Os dois pumas estavam deitados aos meus pês e dormiam como anjinhos. Acho que aproveitando o calor das brasas do fogo que já se extinguia. Cutuquei Meia suja. Ele custou a acordar. Fiz o sinal de silêncio com o dedo à boca. Ele então viu os pumas. Saímos pé ante pé. Subimos na primeira árvore que encontramos. Cada um em um galho. Ficamos lá por um bom tempo.  Pela manhã os pumas foram embora e nós também. Sempre a olhar na longa trilha da mata se eles resolvessem nos emboscar. Foi duro sabe muito duro. Não tinha levado roupa reserva. Todo molhado e vi que não era só isto, pois tinha mais coisa na roupa. Saímos da mata duas horas depois.

                     Passamos pela fazenda do Seu Ptolomeu. Ele abanou a mão. Estava dando um trato na sua vacada de leite. Não paramos para comentar. O medo era demais. No Conselho de Tropa Sênior todos deram boas risadas. Alguns não acreditaram em tudo que contamos. Que seja. O Acampamento Sênior Distrital foi realizado com muito êxito. Nossa patrulha não ganhou nada nas olimpíadas, mas eu e Meiasuja fomos batizados de “Escoteiros Melosos”. Bem não foi propriamente meloso, mas o nome próprio não deve ser colocado aqui. Um dia na Barbearia do Mico Preto, eu cortava o cabelo e o Seu Ptolomeu entrou. Quando me viu riu e disse – Sabe? Nunca mais vi os dois pumas. Não perdi mais nenhum boi. O que vocês fizeram para eles sumirem deste jeito? Falar o que? Será que eles aproveitaram o calor do fogo e o calor de dois meninos Escoteiros e em troca da amizade e hospitalidade oferecida foram embora?


                  Um dia chamei Meiasuja e disse – Acho que devemos voltar lá. – Nem pensar Pescoço, nem pensar! Mas no meu intimo queria saber se os pumas ficaram meus amigos. Uma dúvida que persiste até hoje. Cresci e não voltei. Não soube de mais nada deles na Floresta da Jiboia. Soube sim que outras patrulhas acamparam lá e nem sinal dos pumas. Ainda bem. Histórias são histórias. Acreditem se quiser! Risos.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Nazareno, o menino Escoteiro que falava com o céu.



Lendas escoteiras.
Nazareno, o menino Escoteiro que falava com o céu.
(um conto baseado na doutrina espírita).

                Quanto tempo? Muito. Mais de vinte e poucos anos. Uma vida. Não sei onde ele anda hoje e se ainda continua nos caminhos que escolheu. Não digo que foi um santo que foi um pecador nada disto. Poderia dizer que nasceu em uma família errada, na cidade errada.  Nazareno nunca foi um crédulo, um homem de Deus. Na época ele não teve escolha. Como Escoteiro sempre foi considerado um simples menino sem muitos conhecimentos religiosos afora os que lhe foram colocados como o correto como coroinha da Paróquia São Geraldo. Seus pais até imaginaram que ele poderia ser um padre, um bispo um cardeal. Sonhos de muitos pais em cidades do interior. Não porque fosse um prodígio em religião ou milagreiro, nada disto. Eu pessoalmente na época, com parcos conhecimentos espíritas achava que ele estava em contradição com as leis da natureza. Claro que tinha excepcional inteligência para sua idade e em alguns casos poderia dizer mesmo que ou fazia milagres ou tinha parte com o demônio. – Deus me livre! 

               Nazareno procurava sempre esconder suas possibilidades de falar com os mortos. Ninguém sabia. Dizem hoje que a mediunidade faz parte da natureza. Que todos nós sem perceber somos médiuns, uns mais outros menos. Não vou entrar no mérito da questão. Não estou aqui para escrever sobre uma crença, uma Doutrina, uma ideologia ou uma filosofia como querem alguns definir o espiritismo. Prefiro ficar com Mateus, em 15, 14 que dizia: – “Deixai-os; cegos são os condutores de cegos. E se um cego guia a outro cego, ambos vão cair no abismo”. Quem sabe é melhor ficar com Nathalia Wigg que disse – “A maior mediunidade que um homem pode desenvolver é a capacidade de amar”. Quando era lobinho sempre o achei taciturno, reservado e retraído. Brincava, cantava, mas não parecia estar ali junto com seus amigos de matilha. Quando passou para Escoteiro o encontrei uma vez depois da reunião chorando. Seus olhos cheios de lagrimas. Seu corpo tremia. Sempre assim calado, sem dizer nada. Perguntei o que havia e ele me respondeu melancólico que eu não iria entender. Ninguém o entendia. Isto aconteceu várias vezes. Nunca comentei o caso na Corte de Honra.

               Cidade pequena, praticamente católica como ajudá-lo? Quantas vezes ao sair da barraca pela manhã, com o sol já despontando no horizonte, eu o avistava sentado em um lugar qualquer, olhando para o céu? Um dia me disse – Monitor sabe de uma coisa? Tem alguém me dizendo que devemos esperar que se o amor se propagasse no mundo com mais força que a violência a violência desaparecerá, a maneira da treva quando a luz se lhe sobrepõe. Eu tinha treze anos, não entendia nada do que dizia. O dia amanhecia e lá estava a Patrulha nos seus afazeres. Nazareno corria com os outros nas atividades, mas quase não sorria. Só uma vez o vi sorrindo quando alguém brincou no Fogo de Conselho com os novatos com a velha brincadeira do Serafim. Você conhece o Serafim? Não? Aquele que fica assim? Ele ria. Não aquela gargalhada de quem conhece a brincadeira. Eu mesmo ate hoje dou boas risadas.

              Acredito que tudo piorou quando na missa de um domingo qualquer, a tropa estava presente e ele sem ninguém perceber foi ate onde estava o padre e em alto e bom som disse para todos os presentes: – “Somos companheiros otimistas no campo da fraternidade”. Se Jesus espera no homem, com que direito deveríamos desesperar? Aguardemos o futuro triunfante, no caminho da luz. A terra é uma embarcação cósmica de vastas proporções e não podemos olvidar que o Senhor permanece vigilante no leme! – Todos os presentes na igreja ficaram estupefatos. Ninguém entendeu nada. Pudera entender o que? Um menino Escoteiro com chapéu na ombreira, olhando para o céu e de mãos postas dizer aquelas palavras? Era santo? Ou estava tomado pelo demônio que fingia para todos ali presentes? O padre ficou possesso.

              Na escola sua professora Dona Neide, uma matrona dos seus quarenta anos sem filhos, magra, parecendo a Olivia Palito esposa do Popeye o pegou varias vezes de olhos fechados, escrevendo sem parar no seu único caderno que era para fazer a lição de casa. O pegou pela orelha e o arrastou ate o diretor. Era difícil entender o que estava escrito vários rabiscos que precisariam ordenar para entender. E depois? Como explicar aquelas palavras? – “Quando cada um transforma-se em livro atuante e ao vivo as lições para quantos nos observam o exemplo, as fronteiras da interpretação religiosa cederão lugar a nova era da fraternidade e paz, que estamos esperando”. Não foi uma só vez. Foram várias. Ninguém para explicar e ajudar. As brigas homéricas do padre versus professora versos pais versos chefes eram constantes. Cada um querendo que o outro resolvesse.

                Ao fazer quatorze anos já com sua Segunda Classe, Nazareno desistiu de sua Primeira Classe. Pela primeira vez pensou em abandonar o Grupo Escoteiro. Ele sabia que era o único lugar que ninguém perguntava e se preocupava com sua maneira de ser. O aceitavam como era. Mas eu, como Monitor de sua Patrulha ficava de olhos nele. Tinha medo que ele fechasse os olhos e desaparece em alguma mata ou bosque e pudesse acontecer o pior. Mal sabia eu que ele era assistido por milhares de espíritos protetores que iriam sempre lhe mostrar o caminho do bem. Um dia sua mãe procurou o grupo e disse para o Chefe umas verdades. Este me chamou e ela sem papas na língua disse em alto e bom som que nós não nos preocupávamos. Que o deixávamos fazer suas ilusões mentirosas e até mesmo falar com Deus. Alguém soprou no ouvido dela e do padre que era mediunidade. A resposta dela já pronta dizia que não era mediunidade coisa nenhuma, era coisa do demônio ou dos escoteiros que o levavam a acreditar em tudo.

                Mal sabíamos nós que o fenômeno mediúnico já estava fazendo parte dele. Mesmo sendo uma criança a partir do momento que se deixa dominar a influência espiritual está presente. Ainda bem que ele tinha amigos que o protegiam na espiritualidade. Sabemos que quando isto acontece pode um espírito qualquer aproveitar a circunstância e querendo fazer coisas erradas, e claro por satisfação do obsessor que nada mais é alguém de um passado seu. Nunca vi em Nazareno ações destemperadas. Se fosse hoje poderia dizer que ele estava tendo comunicações mediúnicas na acepção da palavra. Mesmo que todos queriam interromper esse fenômeno não iriam conseguir. E tudo seria tão simples com a oração, a pacificação, o desligamento do mal e seria fácil fazê-lo desligar daquela ação.

                 O pior aconteceu. A família de Nazareno começou a ser estigmatizada. Todos passaram a evitá-los. O dia ele chegou e me procurou chorando – Monitor tenho de sair. Meus pais vão mudar daqui. Nem sei qual cidade vamos e eles me pediram e até ajoelharam em meus pés para procurasse ser normal lá. Não entendi, pois me acho normal. Nunca disse para você, mas vejo tanta gente quando ando, quando durmo, e ate aqui no grupo eles estão. Não fazem mal a ninguém, pois me disseram que onde houver um ambiente saudável, cristão, onde Deus está presente eles não faram nenhum mal. Sabe Monitor, aqui encontrei uma paz que não encontrava na escola e nem em minha casa. A Lei Escoteira e minha promessa nunca será esquecida.

                 Eles partiram duas semanas depois. O tempo passou. Esqueci-me por completo de Nazareno. Há vinte anos atrás sem perceber alguém me chamou quando descia a pé a Avenida Angélica. Olhei para trás e reconheci Nazareno. Vestia simples, uma camisa verde desbotada e uma calça jeans velha. Calçava um sandália de couro. Convidou-me para um café. Contou-me sua vida depois da mudança. Seus pais morreram logo. Disseram que foi de desgosto. Eu vim para São Paulo aqui me casei e aqui criei meus filhos. São três. Um deles é formado em engenharia. Os demais seguiram outro rumo, mas são pessoas honestas. Eu e Linda minha mulher descobrimos um Centro Espírita próximo a minha casa lá no Bairro Santa Amélia. Gostei quando me aproximei deles. Gente simples. Não são um órgão centralizador. Apenas alguns princípios básicos que sustentam a Doutrina. Participo ativamente quando não estou trabalhando. Sou pedreiro e isto me dá o suficiente para minha família. Há algum tempo estou escrevendo. Ou melhor, psicografando. Ainda não tenho nenhum livro. A maioria do que escrevo são mensagens para pais saudosos, e graças a Deus eu tenho ajuda de amigos espirituais que fiz nesta jornada desde que estou lá.

             Fiquei ali com Nazareno por horas. Para dizer a verdade ele tinha uma voz que me encantava. Falava pausadamente sem ostentação. Seus olhos brilhavam quando falava da sua nova vida. Insistiu para que um dia fosse a sua casa. Sua esposa já sabia de mim, pois ele sempre contou sobre seus tempos de escotismo. Hoje não participa. Ainda se sente um Escoteiro. Mas suas horas de folga, seu tempo livre é dedicado a ajudar os que procuram no centro. Sabe Monitor, eu sou muito feliz em poder ajudar no tratamento, orientação dos problemas materiais e espirituais dos que procuram minha ajuda no Centro Espírita. – Monitor, ele disse, eu gosto de recepcionar os que nos procuram. Eu sei que o primeiro contato é a primeira impressão que cativarei para ajudá-lo em tudo que for possível.

            Não fui a casa dele. Talvez pela falta de tempo. Devia ter ido. Afinal sou um Kardecista de mão cheia. Não nos encontramos mais. Ainda tenho seu telefone. Todos os dias penso e ligar e não ligo. Quem sabe já escreveu um livro? Sinceramente? Gostaria de ler. Vou terminar por aqui. Desculpem os que ainda não professam a Doutrina Espírita. Não escrevi um conto com a intenção de catequizar ninguém. Respeitar a escolha individual faz parte da minha maneira de ser. Escrevi mais por recordar alguém que um dia me deu a luz para o espiritismo que conheço hoje. Como diz o nosso querido Chico Xavier: - “Acreditamos que o Criador nos fez rico a todos, sem exceção, porque a riqueza autêntica, a nosso ver, procede do trabalho e todos nós de uma forma ou de outra, podemos trabalhar e servir”.


Obs. Muitos dos escritos aqui foram anotados por Chico Xavier em suas centenas de livros.