Uma linda historia escoteira

Uma linda historia escoteira
Era uma vez...

sábado, 1 de setembro de 2012

A rede.



Crônicas de um Chefe Escoteiro.
A rede.

          Até aquele verão de 1953 eu não tinha possuído uma rede. Nunca tinha pensado em ter. Afinal dormia bem no chão, seja forrado com capim, ou seja, sem ele. Dormia mesmo. Sono dos justos. Qualquer toco de madeira servia de travesseiro. Dormia muito bem obrigado. Dormi até em uma barraca suspensa, em cima do estrado de bambus sem nada. Dormia sentado encostado em uma árvore e um dia dormi em pé caindo como uma abobora no chão quando o sono bateu forte. Quase nunca usava lençol ou fronha de casa. Só uma Capa Negra que ganhei do meu avô. Dormi em cima de pedras pontiagudas em várias montanhas. Sem cobertor dormi até em locais frios, mas... Um dia acampamos com alguns escoteiros do norte. Gente boa, boníssima. Alegres um sotaque delicioso.
         Apareceram em nossa cidade como se fossem transportados por uma nave interplanetária. Turma de primeira. Disseram-nos que estavam fazendo uma jornada e a pé ou de carona pretendiam ir até o Rio de Janeiro. A Rio Bahia estava no auge, boa parte asfaltada. Quando os vi na Av. Prudente de Morais dei um belo de um sorriso. Aproximei-me e em alto e bom som gritei! Sempre Alerta! Na melhor pose que conhecia. Eles me olharam espantados. Eram cinco. Não lembro os nomes. Estavam vindos de Jequié na Bahia. Logo apareceram outros escoteiros do nosso grupo. Lá fomos nós com eles até a sede. Causos e causos.
        Levei um para minha casa e os outros ficaram sem jeito pela insistência de mais de trinta escoteiros brigando para levarem eles para suas casas. Era assim na época. Ver alguém de outro grupo era uma apoteose. O que foi para minha casa não quis dormir em meu quarto. Aproveitou o pé de manga e o pé de abacate e ali amarrou sua rede. – Você vai dormir aí? – Porque não? É minha cama preferida! Calei-me. No meu quarto fiquei pensando em dormir em uma rede também. Fácil de colocar na mochila seria uma mão na roda. Ficaram quatro dias e partiram em uma manhã ensolarada. Ficamos muito amigos e quando partiram senti saudades.
        Coloquei na minha mente que devia ter uma rede. Nas lojas em minha cidade custavam uma nota. Não importava. Chegava da escola, pegava minha caixa de engraxate e partia para o centro da cidade. Demorou quatro meses, mas consegui a quantia necessária e comprei a rede. Levei para casa. Amarrei-a no pé de abacate e o de manga. Fiquei ali um tempo enorme admirando minha nova amiga. Sentei e deitei. Gostoso. Meia hora depois me virei e fiquei virando e virando. Danada de rede. Não seria fácil acostumar. Na semana seguinte fomos acampar na Serra da Gamboa. Ia matar todo mundo de inveja. Levei a rede. Lá chegando todos assustaram. Uma linda rede. – Vais dormir aí? – Claro, melhor que no chão duro! Um frio danado. A manta não cobria tudo. Gelava por baixo. Fiz um fogo próximo. Nada. Fiz outro do lado contrário. Nada.
         Lá pelas três da manhã não aguentava mais. Não tinha dormido e sempre fazendo foguinho aqui e ali. Não queria dar o braço a torcer com meus amigos e voltar para a barraca. Seria um vexame. Eles riram quando disse que ia dormir ali e tinha de dormir. Quatro da manhã e o frio piorou. Um clarão iluminou a mata. Um trovão abateu em cima de mim. A chuva caiu torrencialmente. Fiquei ali na rede. Tinha dito que ia dormir nela e tinha de dormir. Meus amigos dormiam sono solto na barraca e o idiota lá na rede molhado e na chuva.
         Nunca mais. Nunca mais mesmo iria dormir em uma rede. Não era para mim. A levava sempre, mas para forrar a barraca. Uma rede. É boa para sentar deitar e tirar uma soneca. Mas vá lá dormir em um acampamento de quatro ou cinco noites com o frio a gelar o esqueleto? Deixo para meus amigos escoteiros nortistas. Eles são bons nisto. Até hoje fico pensando porque não acostumei. Mas eu dormia gostoso no chão duro, nas pedras, em cima de pontes, em trilhas, em capim meloso, braquiária, colonião, no meio das samambaias, ou seja, lá o que for. Que chovesse canivete. Mas na rede? Nunca mais!

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

EU TIVE UM SONHO!



Um artigo longo. Tentei diminuí-lo, mas não deu, peço desculpas. Mas é um sonho meu e acredito de todos voces.

EU TIVE UM SONHO!

Há quem diga que todas as noites são de sonhos.
Mas há também quem garanta que nem todas, só as de verão. No fundo, isto não tem muita importância.
O que interessa mesmo não é à noite em si, são os sonhos. Sonhos que o homem sonha sempre, em todos os lugares, em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado.

                                Olhe, eu tive um sonho. Um lindo sonho. Fiquei exultante, toda a minha tristeza desapareceu. Não era aquele sonho de Martin Luther King Jr, onde ele dizia que mesmo as noites totalmente sem estrelas podem anunciar a aurora de uma nova vida. Eu sonhei algum análogo, equivalente, onde vi um Escotismo grande, forte e tão intenso, que fiquei mesmo exultante acreditando que enfim, seriamos muito mais no nosso querido Brasil. Cantei aleluia, um júbilo enorme tomou conta de mim.
                                    Pois é, eu tive um sonho. Não aquele outro de Martin Luther King Jr, em que dizia que a verdadeira medida de um homem não é como ele se comporta em momentos de conforto e conveniência, mas como ele se mantém em tempos de controvérsia e desafio. Meu sonho era real. Vi em cada escola, em cada igreja, em cada templo, fabricas e em tantos outros lugares, milhares de Grupos Escoteiros, com moças e rapazes praticando um escotismo autêntico, cheio de aventuras. Eu vi com meus próprios olhos, todos os membros dirigentes dos nossos órgãos escoteiros em nosso país, sorrindo, abraçando, sem “turmas importantes”, sem se considerarem divos, nem mestres e esculápio, falando e ouvindo a todos que ali estão junto a eles, participando e votando nas decisões. Incrível! Eles estavam unindo os arredios, procurando os desiludidos, abraçando-os e chamando de volta os que se foram.
                    Acreditem-me tive um sonho. Um sonho que podia criar o futuro. Não era uma utopia era uma realidade. Neste sonho, a altivez, a auto-estima, o orgulho, a presunção, a soberba e ufania não faziam parte de nós escotistas. A fleuma da importância se transformava em calor humano, fazendo um magnífico conceito de si próprio e olhando a todos como verdadeiros irmãos, ajudando sem receber, sem pensar em granjear fama em ser o chefão, pensando e agindo somente na sua missão de servir.
                  Que me desculpe Martin Luther King Jr. Mas eu também tenho sonhos. Onde num mundo fantástico do escotismo eu via todos escotistas participando das decisões juntos aos dirigentes, sendo consultados, indagados, inquiridos, dando sugestões, procurando o melhor caminho sem empáfias, com novas normas, novos estatutos, com todos eles tendo direito a voz e voto do Oiapoque ao Chuí, procurando o melhor caminho para o nosso crescimento. Que lindo sonho.
         Eu tive mesmo um sonho. Nele, o futuro pertencia aos que acreditam em seus sonhos. Onde a busca da perfeição através da Insígnia da Madeira era uma constante, e que cada adulto visava única e exclusivamente aprender mais para ser o melhor amigo dos jovens, sem pensar em ascensão, em influência, em posição, evidência, uma ilusão de muitos, e lá estavam milhares deles nas suas sessões faziam um escotismo autêntico e ali eles os Insígnia eram somente orientadores.
        Eu tive um sonho. E que sonho fantástico. Como dizia o poeta, o que é a vida sem um sonho? Sonhei que nossos órgãos regionais e nacionais, cobravam taxas irrisórias, onde todos seriam aceitos sem precisar se explicar ou provar que são pobres para ficar isentos, onde a palavra honra bastaria para dizer como eram, onde não haveria riqueza e todos os jovens seriam considerados iguais tendo as mesmas regalias daqueles que podem pagar.
                Eu tive um lindo sonho e sonhar é acordar para uma vida real. Nesta vida todos os jovens, rapazes ou moças que atingissem o Liz de Ouro ou o Escoteiro da Pátria, teriam suas despesas pagas no próximo Jamboree Mundial após a sua ortoga. Que os Encontros Escoteiros nacionais e regionais, teriam taxas acessíveis para todos, e aquele mais humilde não ficasse sem seu sonho de um dia estar junto a todos eles.
           E que sonho eu tive. E mesmo sabendo que o preço do sonho é baixo, vi que não teríamos mais a preocupação de pagar taxas de cursos de formação, de encontros nacionais e regionais. Tudo agora seria remunerado pelos órgãos regionais e nacionais, facilitado pelas subvenções que estávamos recebendo anualmente. Neste meu sonho, centenas de Profissionais Escoteiros bem formados, estavam dirigindo, colaborando ajudando o nosso movimento de maneira ética e honrada conforme preceitua a nossa Promessa e nossa Lei Escoteira.
                   Eu tive um sonho. E como dizem que sonhar é acordar-se por dentro, sonhei que todos nós adultos teríamos orgulho e sem sermos pedantes, sem nenhuma presunção de distinção, estaríamos nivelados ou mesmo ultrapassados a muitos países que já tem seu milhão ou mais de membros escoteiros. Todos fazendo um escotismo de ótima qualidade, conforme prescreveu nosso fundador Baden Powell. Que sonho meu Deus! Meu Brasil com um milhão de escoteiros!
            Eu tive um sonho. Sonhei que vi não um, mas diversos Grupos Escoteiros em todas as cidades brasileiras. Desde Boa Vista onde tenho orgulho de ter um leitor até Uruguaiana e Pelotas onde também sou lido pelos amigos e irmãos escoteiros. Todos estes Grupos estavam contentes, felizes, pois tinham sua sede, com uma sala ou mais, almoxarifado e ali, todo o material necessário para suas atividades de sede e de campo. Neste meu sonho, as lideranças regionais e nacionais não deixavam nenhum grupo à deriva, sem uma resposta, sem uma visita, sem uma palavra de carinho.
            É bom sonhar e eu sonho muito. Sonhei que nenhum Grupo escoteiro teria dificuldades financeiras. Toda a comunidade, a sociedade brasileira, nossos políticos, nossa classe dirigente, desde o presidente ou a presidente, até o mais simples vereador, conheciam e davam o valor devido ao Movimento Escoteiro. Eram eles que se lembravam de nós e não o contrário. Neste meu sonho eu vi adultos importantes no seu setor profissional, oriundos do movimento escoteiro, eleitos por nós para nos representar e fazendo um grande merchandising do que somos e por que existimos.
              Ah! Eu tive um sonho. Lindo sonho! Sonhei que o Movimento Escoteiro, em toda sua plenitude com seu monumental crescimento quantitativo e qualitativo, teria ministrado um novo caminho aos nossos jovens. As drogas, a formação moral duvidosa, os vícios nem sempre condizentes e próprios de parte da juventude haviam terminado. Agora via em meus sonhos, moças e rapazes do mais alto espírito escoteiro, com postura, conhecendo a palavra honra e caráter, liberdade e respeito, conhecendo bem onde começa e termina o meu, o seu e o nosso direito.
              Que sonho meu Deus! Que sonho. Como é bom sonhar assim. Não quero acordar! Quero permanecer neste sonho até o fim dos meus dias. Quero ver a nossa juventude, vivendo um escotismo verdadeiro, sem medos, podendo fazer suas atividades aventureiras, levar sua patrulha pelos campos, montar barracas no sopé da montanha, fazer sua prova de jornada sem a preocupação de seus chefes e pais, deixar os lobinhos brincar felizes na seara da jângal, os seniores e pioneiros escalando as mais altas montanhas, sem precisar levar seguranças, pois estaríamos em um mundo melhor.
        E neste meu sonho, eu via toda a sociedade brasileira aprovando e apoiando o Movimento Escoteiro, pois foi informada do valor do escotismo através de grandes campanhas de marketing, ela, esta sociedade não iria esquecer, pois a maioria em sua juventude vivenciaram nosso método e puderam abancar e passar pelas trilhas do mais lindo caminho percorrido de nosso programa, que tão bem foi explicitado por Baden Powell.
               Olhem! Permaneço em constante vigília neste meu sonho. Não me arredo um só milímetro dele. Não aceito a insônia, só a dedicação em alertar a todos que meu sonho é possível. Neste meu sonho afirmo que não existem caminhos tortuosos, pois o começo foi dado em 1910 quando começamos a praticar escotismo em nosso país. O fim ainda não aconteceu. Nunca irá acontecer. No meu sonho não existe fim. O futuro promissor sim.
                     É eu ainda continuo a sonhar. Sonhar que todos os jovens podem ter uma vida cheia de alegrias, nas sendas do escotismo. Podem viver e respirar o ar puro da floresta e da montanha. Podem andar pelas campinas, ver o nascer e o por do sol do alto de uma colina. Podem explorar as serras distantes. Podem ver os rios caudalosos, os pequenos regatos de águas cintilantes, as cascatas, as cachoeiras cobertas da bruma do orvalho da manhã. Podem parar para ver os arroios, os córregos onde os peixes pulam como a saudar aqueles que ali estão. Podem descansar depois de uma longa jornada debaixo de uma árvore frondosa, colocar seus pés descalços na água límpida da pequena nascente, que de mansinho vai levando a pequena pétala que se soltou de uma rosa e é conduzida para o mar.
          Que lindo sonho, o meu. Também pode ser o seu. Pois eu sonho que você acredita como eu que isto pode ser realidade. Que você vai cobrar e ser informado se este sonho é também os sonhos de nossos dirigentes. Que você vai analisar os relatórios com carinho, verificar onde está a dúvida do sonho. Saber se eles têm uma programação real visando tornar este sonho realidade. Não ficar parado, aceitando, dizendo para si próprio que eles sabem o que fazem. Que você não se preocupa que sua função não é esta.
              Não me chamem, por favor! Não façam barulho! Não posso e nem quero acordar! Meu sonho, o seu sonho o sonho de todos nós escoteiros só será possível quando tivermos a certeza que ao despertar, estaremos unidos dando as mãos e partir para o trabalho que as gerações futuras esperam de nós. Não deixe que seus sonhos se apaguem junto à brisa do amanhecer que desapareça ao nascer do sol. Não deixe que o vento leve este sonho. Agarre-os com toda força! Acredite neles! Quando estamos sós não somos nada, mas unidos somos uma força colossal. Lute pelos seus ideais! Lute pelos seus sonhos!

Sonhe com o que você quiser. Vá para onde você queira ir.
Seja o que você quer ser, porque você possui apenas uma vida
e nela só temos uma chance de fazer aquilo que queremos.
Tenha felicidade bastante para fazê-la doce. Dificuldades
para fazê-la forte. Tristeza para fazê-la humana. 
E esperança suficiente para fazê-la feliz.”.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

A coruja dos olhos verdes.



As mais lindas lendas escoteiras.
Uma historia para lobinhos e lobinhas.

A coruja dos olhos verdes.

          Ela não tinha muitas lembranças do seu passado. Sua mãe morreu um mês depois que nasceu vitima de uma pedrada dada por um homem. Sem motivo. Um Pardal Cinzento trazia comida para ela todos os dias. Assim se fortaleceu até que sozinha procurava sua comida. O Pardal Cinzento um dia também sumiu. Quem sabe morreu por outra pedrada de outro homem. Corria deles. Parece que não gostavam das flores, dos animais, dos pássaros, das arvores e matavam por qualquer coisa por nenhum motivo.  Saia pela manhã para procurar sua alimentação e voltava logo. Costumava voar até o Brejo da Saudade onde encontrava sempre minhoquinhas pequenas e elas lhe davam força para viver mais um dia. Gostava de ir passear também pelo Vale da Esperança, pois sempre encontrava borboletas, bem-te-vis, abelhas douradas e elas eram grandes amigas.
          Mas a maioria do tempo ela passava ali, no galho da Arvore Da Felicidade. Grande amiga. A viu crescer e se tornar adulta. Tinha ali sua casinha. Ficava sempre a perscrutar o horizonte para ver se algum animal, e se algum pássaro poderia vir para aproveitar a sombra da Arvore da Felicidade. De vez em quando aparecia um quati, um lobo, uma onça ou um tatu e uma vez riu muito quando um casal de antas que cantavam dando gargalhadas uma canção esquisita. Diziam: - Rataplã do Arrebol! Ainda bem que nunca apareceu um homem. Tinha muito medo de pedradas. Mas naquela manhã, quase quando o sol ficou sem sombra chegaram seis meninos. A Coruja dos Olhos Verdes se escondeu na copa da Árvore da Felicidade. Eles se arrancharam e uns pegaram lenha outro foi ao Riacho do Amor pegar agua nos cantis e pescar. Eram alegres e A Coruja dos Olhos Verdes criou coragem e voltou ao seu posto de observação.
         Eles não gritavam, não brigavam e cantavam muito. Tinham um enorme chapéu de três bicos na cabeça um lenço cor verde e amarelo e suas roupas eram iguais. Fizeram uma espécie de sopa e comeram com vontade. Um deles cujo nome era Toquinho olhou para cima e viu a Coruja dos Olhos Verdes. Parecia que ele entendia sua língua e ele disse – Olha Corujinha, você é linda! Não tenha medo. Sou um Escoteiro e o Escoteiro é amigo dos animais e das plantas! Ela sorriu e ainda tremendo disse – Olá! Os outros a viram, mas não sabiam sua língua. Só o Toquinho. Ficaram por um dia e meio. À noite cantaram canções lindas. Acenderam uma fogueira e a Arvore da Felicidade reclamou da fumaça. Dormiram encostados a Árvore da Felicidade. Nem bem o sol apareceu no horizonte levantaram e se foram. Toquinho olhou para a Coruja dos Olhos Verdes e se despediu. Adeus linda corujinha. Quem sabe um dia voltaremos a nos ver?
        Quando viraram na Colina Verdejante, próximo ao Monte da Alegria o vento balançou os galhos e as folhas da Arvore da Felicidade e eles desapareceram de sua vista. A Coruja dos Olhos Verdes começou a chorar. A Árvore da Felicidade chorou também. – Porque não vai atrás deles e saber onde vão ficar? A Coruja dos Olhos Verdes não se fez de rogada. La foi ela batendo suas asas atrás dos meninos do chapéu de três bicos. Voava alto quando os viu. Viu também um grande acampamento de escoteiros e escoteiras. Pareciam formigas a correr aqui e ali. Viu que os seis meninos erraram o caminho. Ela foi voando até lá e teve que descer para falar com Toquinho onde era o caminho certo. Ele agradeceu. Voltaram e pegaram a trilha certa.
        Foi uma boa ação que ela fez. Começou a voar de volta. Não era longe a sua morada na Arvore da Felicidade. Sentiu uma forte dor na asa direita. Olhou e viu dois meninos que não eram escoteiros com pedras na mão. Eles a tinham acertado. Com muito custo voando com muita dificuldade chegou a sua casinha. Deitou. Uma dor enorme ela sentia. Muito sangue escorria. Acordou e viu sua mãe e o Pardal Cinzento que a ajudou quando pequena a sorrirem para ela. Mostraram uma nuvem e ela voou até lá. Sentaram na nuvem branca e subiram aos céus. A Arvore da Felicidade chorou por muito tempo. Agora estava sozinha. A corujinha se fora.  Os animais que ali apareciam também choravam. Um dia, numa tarde linda, com ventos brandos vindo do norte, em meio a uma brisa fresca, eis que apareceu a Coruja dos Olhos Verdes. Sorriu para a Arvore da Felicidade que também sorriu. E a felicidade voltou a viver junto a todos que moravam no Vale da Esperança. A Arvore da Felicidade e todos os que ali chegavam para descansar na sua sombra sempre sorriam. Mesmo onde existe a maldade, devemos perdoar e sorrir. Isto é como se a felicidade estivesse sempre conosco. A Árvore da Felicidade aprendeu com a Coruja de Olhos verdes que a verdadeira felicidade é fazer os outros felizes!

Uma pequena historia do uniforme Escoteiro no Brasil.



Uma pequena historia do uniforme Escoteiro no Brasil.

      Muito se tem falado do uniforme Escoteiro no Brasil. Muito se tem discutido. Em meus blogs todos os meus artigos que se relacionam a ele são sempre os mais lidos. Não vou me alongar sobre o tema, mas muitos me têm perguntado e em poucas palavras estou comentando somente o que sei até hoje. As datas podem diferir, pois não as tenho anotadas. Lembro que estou comentando o uniforme da modalidade básica. A modalidade ar e mar mantêm suas tradições.

- Até 1955, havia uma predominância pelo uniforme caqui e alguns grupos ainda usavam a calça azul e camisa caqui. O chapéu era usado pela maioria sendo que uma boa parte ainda usava o “casquete”.
- A partir de 1960 praticamente o caqui predominou. A calça curta era usada por todos inclusive a chefia. O chapéu confirmou seu tradicionalismo desde a criação do escotismo por BP. Em 1972/73, a UEB iniciou uma discussão para atender muitos escotistas que reclamavam por usar a calça curta em atividades sociais. Definiu-se que haveria um uniforme, só para escotistas, aberto a pioneiros, conforme hoje, mas com a calça de tergal e só para atividades sociais. Em atividades de sessões se usaria o caqui. Não esquecer o paletó e gravata no uniforme social. Foi distribuído para todos os grupos no Brasil amostras para não haver dúvida quanto à cor. Até 1984, mais de 95% dos escoteiros no Brasil usavam o caqui. Foi então que se aprovou a coeducação e a UEB criou um novo uniforme baseado no uniforme cinza. Daí então a disseminação aconteceu em todo o território nacional. Muitos grupos começaram a usar o cinza e os jeans se tornaram comuns. Não entro na discussão de facilidades ou não. A UEB então regulamentou este uniforme em conjunto com o caqui.

- Sem entrar nas normas do POR que define o uniforme, a cobertura ficou a critério das regiões, distritos e grupos. A escolha foi incrível. Mesmo regulamentado até hoje, a uma distorção de uso de muitas peças sem que haja por parte dos órgãos superiores uma exigência maior da apresentação pessoal. Não vou discutir aqui o garbo, a ética e a boa apresentação. Parte fundamental do nosso marketing. Na própria direção em alguns estados e em cursos de formação encontramos escotistas se portando de maneira antiética (na minha concepção) com uniforme fora dos padrões, mas considerado normal por todos. Um exemplo é claro para os jovens. Veio o traje e foi regulamentado. A facilidade de eventos internacionais deu novo fôlego para se colocar o lenço como uma representação do escotismo.

- A UEB criou um novo uniforme. Em suas atas o CAN deu diversas explicações como se realizou a escolha. As cores para mim nada diferem de outras nações. A ideia até então era de apresentar o uniforme em atividades nacionais o que não aconteceu até hoje. Temos uma boa parte dos escotistas, escoteiros, guias, seniores, pioneiros e pioneiras divididos quanto a este novo uniforme. Interessante que se dividir o país ao meio, teremos metade cinza e metade de caqui. Não sei o porquê.
- Minha opinião já foi formulada aqui antes e bem disseminada em meus blogs. Certo ou errado nada vai mudar. Não existe maneira de fazer uma grande pesquisa de mercado, ou seja, junto a todos os membros da UEB. Nunca houve. Sem maiores comentários. Considerem esta crônica como um informativo somente.      

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

O inverno se foi. Quem sabe no verão?



Crônicas de um Chefe Escoteiro.

O inverno se foi. Quem sabe no verão?

          Dei uma folga nas minhas histórias, nos meus folguedos, onde tudo é azul e as estrelas desmaiam no céu como dizia o Lobo Gris. Afinal em 2008 enterraram o coitado do relatório e tentei levantá-lo novamente e nada. Claro, recebi “pitacos” diversos de alguns que me escreveram. Outros comentaram contra e alguns disseram amém. Pensei com meus botões, não adianta. O Dr. Jean Cassaigneau perdeu seu tempo. Pagaram ele para nada. Epa! Têm vários que juram que não. Um até me disse coisas que pensei – Caramba! Será que disse isso? Fiquei preocupado. Afinal já me chamaram de tantas coisas, mas dizer que odeio os dirigentes da UEB é demais. Afinal eles são humanos, escoteiros, fizeram uma promessa e não vamos negar o esforço abnegação de cada um no cumprimento do dever.
          Sabe o que sempre bato na mesma tecla? É à maneira da condução que nossos dirigentes dão ao escotismo. Vejam bem, são poucos como eu que dizem o que pensam em voz alta. Tem muitos como eu, mas ainda não fizeram sua revolução. Alguns preferiram sair e ir para outra. Não é minha praia. Não vou sair, mas claro alguns dizem você já saiu. Nem registro tem. Risos. Deverás! Não tenho mesmo. Mas nada muda em meu coração. Fiz uma promessa. Foi na UEB. Queira ela sim ou não, me sinto ligado. De corpo e alma. Aldous Huxler na sua segunda parte do Livro Admirável Mundo Novo, escreveu que uma organização não é consciente nem viva. Seu valor é instrumental e derivado. Não é boa em sí, é boa apenas na medida em que promoveu o bem dos indivíduos que são parte do todo. Dar primazia às organizações sobre as pessoas é subordinar os fins aos meios. Finaliza dizendo que tudo estaria a salvo se permitisse que todas as espécies de opiniões fossem dirigidas aos homens, pela palavra ou pela escrita e se pelo voto, os homens pudessem eleger um legislativo que representasse as opiniões que tivessem adotado!
         Democracia! Isto mesmo. Bato na tecla que ainda não somos um movimento democrático. Dizer que temos porque nossos dirigentes são escolhidos por um colegiado eleito não me satisfaz. Não arredo pé que uma eleição deve ter o voto de todos os adultos devidamente registrados na UEB. Como? Difícil? Difícil porque temos um Estatuto e Regimento que não mudam através dos anos. A nossa organização sem perceber ou percebendo, foi aos poucos alterando aqui e ali, e o passado virou cinzas. Os novos se adaptaram o que é natural e muito deles são perfeitos “Cavaleiros do Rei” defendendo com unhas e dentes o que vivem e acreditam ser o certo.
         Não sei quanto de voces leram e analisaram com carinho o relatório do Doutor Jean Cassaigneau, antigo Secretário Geral Adjunto da Organização Mundial do Movimento Escoteiro (OMME) ou mesmo se fizeram alguma comparação de 2007 até hoje. Muitos juram para mim e alguns até com palavras ofensivas (no meu e-mail) dizendo o que não disse e que muito foi aproveitado. Talvez por ser um alienado (palavras de um) e sempre um opositor de tudo (palavras de outro – Hay Govierno? soy contra) não descobri as mudanças que vieram. Pode até ser que me enganei. Mas uma coisa não engano nunca. A democracia Escoteira plena conforme temos em muitas outras organizações nós não a temos no escotismo brasileiro. E o nosso crescimento?
          Interessante que escrevo sobre isto desde 1975 e há tres anos comecei o meu primeiro blog dizendo as mesmas coisas. Quem já o visitou e leu meus artigos polêmicos então poderá me julgar. Escrever aqui seria impossível. São dezenas de artigos. Acredito e afirmo que tem muitos escotistas em nosso país com grandes conhecimentos escoteiros. Escotistas que conhecem e leram com carinho todos os Estatutos e Regimento Interno do passado ao presente. Se eles aplaudem nada posso fazer. Não posso aplaudir uma direção que não se preocupa em fazer pesquisa de mercado quando lança produtos, que não se preocupa em ouvir opiniões de todos não só de uma minoria.
           Este relatório me fez acordar. Não estava dormindo. Afinal o inverno se foi e aí vem o verão. Melhor encerrar lembrando-se das palavras de um Chefe Escoteiro que recebeu o relatório, leu e me disse – Chefe, a UEB não vai gostar. O senhor ficará mal visto! Será? Risos. Gosto do inverno adoro o outono quando as flores se foram e as chuvas retornaram. Mas a primavera, ah! A primavera é perfeita! E ela quem nos trás a felicidade completa!
E risos e muitos risos, não me venham dizer que o importante são os jovens. E quem disse o contrário?

Obs. 1) Quem se interessar a ler o relatório, peça pelo meu e-mail elioso@terra.com.br
            2) Quem quiser conhecer meus artigos, leiam o blog http://vado1941.blogspot.com.

A história de Natalie escoteira, uma Condensa do Castelo de La Possonnière.



Crônicas de um Chefe Escoteiro.

A história de Natalie escoteira, uma Condensa do Castelo de La Possonnière.


                    Conheci Natalie a muitos e muitos anos atrás. Trabalhava para uma empresa como técnico mecânico de máquinas pesadas e muitas vezes viajava em cidades por todo o país para dar assistência, treinar operadores ou mesmo até fechar alguma venda. Como Escoteiro que sou não deixava de procurar um Grupo Escoteiro nas cidades que ia. Em uma cidadezinha no interior de um estado brasileiro, me apresentei ao Chefe do Grupo que insistentemente achando que eu era um “expert” em escotismo me convidou para o período de um mês e meio que ficaria lá, a dar a ele assistência na reformulação do grupo e quem sabe na arregimentação de pais. Era uma área que dominava bem. Em todos os grupos que passei sempre fiz amizades com eles e a maioria se oferecia para colaborar como escotistas, diretoria ou mesmo instrutores de especialidades.
              No primeiro sábado que lá estive, fizemos um périplo pelas sessões e vi uma Escoteira de uns onze ou doze anos sentada em uma cadeira no canto do pátio. Enquanto todos se movimentavam ela permanecia lá, indiferente, sem se mexer e sorrindo. Era uma linda jovem, loira, olhos verdes, cabelos cor de palha, e magra. Muito magrinha. Tinha um sorriso encantador. Perguntei o porquê daquilo e ele me disse que em algumas reuniões ela sentava ali por algum tempo e parecia estar em outro lugar, vivendo outra vida e quando resolvia falar contava casos incríveis. Sempre disse que era a Condensa Natalie, nascida em 1770 na França, mais precisamente no Castelo de Lá Possonnière no Condado de Vendôme. Não entendíamos nada. Seus pais gente humilde nos pediu ajuda e ajudar como?
               Concordei com ele. Muitas vezes nós chefes nos colocamos como professores, padres, pastores, psicólogos, políticos como se fossemos super homens e somos somente um ser vivente como todos. Esquecemos que estamos ali para colaborar e não substituir alguém que pode realmente ajudar. A cidade era pequena, onze mil habitantes. Não tinha psicólogo e nem seus pais tinham condições de pagar. O Grupo aceitou, pois quando não estava “viajando” (maneira como ele dizia) era uma excelente Escoteira. Em seu colégio todos adoravam ela, mas seus professores tinham medo de suas crises. Cheguei mais perto e perguntei inocentemente onde ela estava. Incrível a sua história:
             _ Sou do Condado de Vendôme, moro no castelo de La Possonniére, meu pai é o Conde Livorno. Minha mãe morreu quando eu nasci ao dar a luz. Estou com doze anos e meu pai foi preso. Ele me contou que houve uma revolução e ele podia ser preso. Disseram que ele era da realeza, pois estavam prendendo todo mundo que participavam da Corte. Isto aconteceu no inverno de 1793 e o nosso Rei Luis XVI foi levado ao cadafalso e decapitado. Uma onda de vingança estava correndo na França. Meu pai foi preso. Morreu dois anos depois tuberculoso na prisão. Sempre achei que isto nunca aconteceria a nossa família. Éramos descendentes do Conde Pierre de Ronsar, um poeta famoso que foi dono do nosso castelo. Ela se calou. Seus olhos viraram como se fosse estrábica. Acordou de sua “viagem” como dizia seus pais e chefes e correu a brincar com sua Patrulha. Fiquei estupefato!
              Durante as duas primeiras semanas Natalie não disse nada e nem “viajou”. No hotel foi que fiquei sabendo que um menino surdo mudo de oito anos tinha desaparecido. A cidade em peso o procurava. Multidões percorriam as ruas e a noite com enormes tochas percorriam vielas, beira de riachos, rios e morros próximos. O padre rezava missa quase cinco por dia. Todas com a igreja cheia, pois pediam a Deus para que o menino fosse encontrado. O Delegado abanou a cabeça e pensou que ele já estava morto. Um filho da mãe de um estuprador de crianças. Dois dias depois no sábado fui à reunião do Grupo Escoteiro. Em dado momento Natalie correu para sua cadeira e balançando a cabeça viajou como sempre fazia. Agora dizia em voz alta e repetindo sempre - Poço do Roncador! Poço do Roncador! Poço do Roncador! Ninguém entendia nada. Ela nunca disse isto e quem sabe suas viagens estavam piorando? – Foi então que um lobinho veio dizer ao Chefe que havia um Poço do Roncador atrás da Serralheria do Bastião onde os meninos gostavam muito de brincar.
             O Chefe me chamou e fomos correndo até lá. O menino lá estava. Ainda vivo. Quase morto com água pela cintura. Eu mesmo desci pela corda e o amarrei para levantá-lo. A cidade inteira soube e correu para lá. Um grito de alegria saiu de cada um. Seus pais Riam e cantavam a mais não poder.
             Cinco anos depois voltei àquela cidade. Procurei o Grupo Escoteiro. Era outro Chefe de Grupo. Perguntei por Natalie. Foi embora disse. Seus pais não aguentavam mais a romaria que faziam em frente a sua casa. Achavam que ela poderia contar sobre parentes que já morreram outros querendo saber resultados de loteria. Um inferno. Fiquei pensando que o desconhecido para nós sempre é motivo de duvidas. A menina era “médium”. Um tipo especial. Uma grande amizade de seus anjos protetores. Uma vida no passado que não esqueceu. Mas histórias são histórias. Umas são alegres outras tristes. Mas todas podemos dizer – “São coisas da vida”!      

domingo, 26 de agosto de 2012

Crônicas de um Chefe Escoteiro. Ariranha, um cão inesquecível.



Crônicas de um Chefe Escoteiro.
Ariranha, um cão inesquecível.

          Não tenho certeza se foi em 1953 ou 1954 que conheci Ariranha. Nove dias para ser exato convivemos juntos em um acampamento de tropa na Mata do Quati. Não dá para esquecer, pois foi nossa segunda Olimpíada Escoteira, e a cada ano elas marcavam época. Ideia do Munir, um Pioneiro meio afastado do grupo. Chefe Jessé relutou, mas a Corte de Honra achou a ideia expendida. Era uma Olimpíada diferente. Sempre acampávamos em uma clareira próxima ao Rio do Morcego, onde se avistava a bela cachoeira do Sonho. Na época da Piracema era um espetáculo ver os peixes tentando subir nas corredeiras e pulando sobre as pedras. Se podia pegar com a mão.
          As provas eram somente de atividades aventureiras e técnicas – Subir em árvores de seis metros de altura em um minuto – atravessar o rio nadando em dez minutos ida e volta (60 metros) – Fazer 25 nós escoteiros ou de marinheiro em seis minutos de olhos fechados – Deixar-se cair da cachoeira (oitos metros) em um tambor vazio de 200 litros – Semáforas e Morse uma prova onde tínhamos grandes sinaleiros – Fazer um café e pão do caçador em oito minutos – Uma fogueira em dez minutos que durasse quarenta minutos sem alimentar – Cortar uma tora de madeira de oito polegadas em oito minutos usando só um facão – Trilha e pista de animais e tantas outras que deixaram saudades.
         O caminhão da prefeitura nos deixou pela manhã na trilha da mata que levava ao Rio do Morcego. O resto era a pé. Apenas quatro quilômetros. Adorávamos este acampamento anual. A Patrulha se preparava meses antes. O troféu pela vitória alcançada não eram medalhas. Uma faca Escoteira, um canivete Suíço, uma bússola, vários distintivos de lapela com flor de lis, premios que ambicionávamos muito. Cada Patrulha tinha o seu campo separado da outra mais ou menos por oitenta metros. As pioneiras eram feitas no primeiro dia, pois no segundo as Olimpíadas começavam.
         Lembro que estava fazendo uma fossa para o WC quando avistei Ariranha. Notei algum diferente. Parecia um lobo Guará, mas tinha o pelo cinza e quase sem rabo diferente do lobo que conhecia bem. Quem sabe era um cruzamento com um vira-lata qualquer com alguma loba perdida por aí. Ele nunca sentava. Sempre em pé, orelhas para o alto e olhando sem piscar o que fazíamos. Quando me aproximava ele dava alguns passos para trás e parava. Durante todo o dia ele ficou lá, próximo ao nosso campo de patrulha. Acho que foi o Israel que lhe deu o nome de Ariranha. Porque não sei. À noite quando íamos dormir ele lá estava na entrada do pórtico com se fosse velar nosso sono. Pela manhã impreterivelmente lá o encontrávamos.
        Durante a realização das provas da Olimpíada, ele ficava muito próximo a mim. Uma vez entrando na mata a procura de uma pista pisei em falso e um enorme corte se fez em minha perna bem abaixo do joelho. Ele veio até a mim pela primeira vez e lambeu onde o sangue escorria. Parou na hora. Quando passei a mão em seu pelo saltou de lado e tomou distância. Uma noite acordamos com seus latidos. Latia para uma enorme cascavel que impreterivelmente invadiria nosso campo. Ele a espantou. Outra vez seus latidos foram mais altos e foi à tarde quando estávamos tomando banho no córrego da Lagartixa. Desta vez era uma Onça parda. Fugiu com seus latidos.
          Durante os nove dias de campo, Ariranha lá permaneceu. No último dia no cerimonial de bandeira Ariranha se colocou ao meu lado na ferradura. Não me olhava. Estava fixo na bandeira Nacional. Enquanto ela farfalhava ao sabor do vento e descia dos céus seus olhos acompanhavam. Quando as patrulhas deram o grito ele ficou no meio e pela primeira vez se deixou abraçar. Foi um espetáculo comovente. Todos os escoteiros das demais patrulhas vieram também abraçá-lo. Ao partirmos ele nos acompanhou até a estrada onde pegaríamos o caminhão da prefeitura. Ao subir na carroceria ele estava lá me olhando. Abanando o pequeno rabo e deu um uivo enorme. Gritante e choroso. Como se fosse um lobo de verdade se despedindo para sempre.
           Voltei para casa chorando. Chorei por vários dias. Devia ter trazido ele comigo, mas meu pai disse que ele era da floresta, nunca iria se acostumar na cidade. Chamei o Romildo na semana seguinte e fomos até lá de bicicleta. Rodamos e rodamos e nem sinal de Ariranha. Nunca mais o vi, mas nunca mais o esqueci. Ariranha ficou marcado em nossa Patrulha lobo. No nosso livro de Atas ele teve um lugar especial. Não sei se é fácil explicar como se ama um cão em poucos dias e nunca mais o esquece. Não sei mesmo. Até hoje me lembro de Ariranha com saudades. Histórias são histórias, tem umas que marcam, tem outras que ficam gravadas em nossa mente para sempre!