Conversa ao pé do fogo.
Zé das Quantas um herói escoteiro.
Prefácio: - Zé das Quantas é um Chefe
escoteiro. Daqueles que lutam de sol a sol para ganhar uns trocados para sua família
e os escoteiros. Zé das Quantas é o Chefe do Escoteirinho de Brejo Seco. A sua
maneira ambos são felizes. Para mim eles representam o verdadeiro espírito
escoteiro de Baden-Powell.
O escotismo difere de tudo que se conhece
em termos de estrutura, normas e regulamentos de outras organizações ou
associações. A burocracia é grande demais. São normas, estatutos, POR,
determinações e etecetera e coisa e tal. Como ele tem uma filosofia jeitosa, catita
e formosa atrai um séquito de admiradores que tudo fazem para servir a
associação. Não existe discordâncias e as poucas que existem são logo cortadas
pela raiz. Sem dó sem piedade!
Nossa liderança hierárquica
desde o topo até o mais novo lobo aprende desde cedo que servir faz parte do
crescimento individual. Belo isso e não se pode negar. Elogios aos chefes quase
não existem, há não ser um ou outro que faz por amizade. Sei que quando tudo
vai mal dizem que a culpa é dos chefes. Todos sabem que são eles os heróis para
manter a associação, por os jovens na trilha com suas bandeiras cantando pelos
quatro cantos do pais. Seria possível ter escotismo sem os chefes? Os arautos e
distintos dirigentes dirão que não. Mas se perguntar ao Zé das Quantas ele dirá
sem sobra de duvida que sim.
Nada se compara a Inglaterra pós-vitoriana
de 1908 quando BP sentiu a necessidade de buscar ajuda para que os jovens não
se perdessem nas práticas copiadas do “Scout for Boys”. Pergunte ao Zé das
Quantas, ele dirá que nem sabe o que é isso. Ele ainda faz escotismo do cipó,
da carretinha, do arroz com macarrão, do pé na estrada em busca de um lugar
para acampar. Os Escoteirinhos de Brejo Seco adoram. Zé sabe que sua vida é dura,
tira seus sustento do seu trabalho e sem ele não teria arroz com feijão. Adora
falar aos seus escoteiros sobre a Lei sobre a lealdade, sobre a honra e o
caráter.
Zé dá belos sorrisos quando as tardes
em sua casinha de taipa a escoteirada chega para contar “causos” falar de
jogos, de aventuras de andanças por estradas e trilhas desconhecidas. O
Escoteirinho de Brejo Seco é o primeiro a chegar. Ele já viu chefes capitalistas,
endinheirado e nunca se sentiu preterido. Nunca foi a uma atividade regional ou
nacional. Só conhece Brejo Seco e ama seus escoteirinhos.
O Chefe Zé das Quantas acredita em
anjos. É um rezador sempre pedindo ao senhor em primeiro lugar pela sua família
e em segundo para seus meninos. Mas no fundo ele sabe que este anjo não vai
aparecer. Ele sabe que tem de trabalhar sozinho. Seus meninos e meninas mesmo
poucos e pobres precisam dele. Ele sabe que os pais não se preocupam. Ele não
pode simplesmente abandonar tudo. Dizer: - Melhor fechar o Grupo Escoteiro. A
luta é difícil. Ele sabe que não fará isto. Entristece por falta de um
certificado, um distintivo, um registro, mas está sempre alegre quando aos sábados
muitos estão a sua espera faça sol ou não.
Zé das Quantas é
um daqueles heróis escoteiros desconhecidos que sabe que o vento nem sempre
sopra a favor. Ele ama o que faz. Nunca critica seus superiores. Sempre com um
sorriso quando lê sobre as reuniões, Indabas, Jamborees e assembleias e sabe
que dificilmente estará presente. Para isso precisa ter muitos tostões coisa
que ele não tem. Não tem ideia de como “tirar” uma Insígnia e nem tem ideia de
Gilwell Park. Sabe que nunca será registrado, nem vai receber medalhas e
certificados. Ele é um eterno desconhecido. Tentou uma vez fazer um curso. A
taxa salgada. A meninada trabalhou duro, fizeram uma vaquinha, mas na última
hora desistiu. "Mainha" sua esposa encantada adoeceu. Quem sabe um
dia? Suspirou sem se sentir culpado.
Zé das Quantas sabia
dos sonhos do Escoteirinho de Brejo Seco. Queria ir num Jamboree, qualquer um –
Chefe vai ser bom demais. Dizer o Que para o Escoteirinho? Olhou para seu
uniforme, já desbotado, doado por alguém que cresceu e não está lá mais. Cara
mirrada, escola idolatrada, dizendo sempre que ia ser doutor. Zé das quantas nunca
se importou com elogios, condecoração, pois na sua mente seus únicos sonhos era
vivenciar com amor a sua família e seus escoteiros. Nunca sonhou em ter uma Bom
Serviços, Gratidão e até mesmo um tal de Tapir. Diziam que isto é só para quem
prestou enormes serviços ao escotismo. Afinal ele um esfarrapado pelintra sem
eira nem beira não podia sonhar com essas coisas.
Zé das Quantas
tinha medo. Medo que se um dia fosse morar na casa do Senhor não haveria
substituto. Nas reuniões, nas estradas, nas trilhas ou em marcha sempre
conversava com seus escoteirinhos sobre isso. Dizia que onde tem um escoteiro
tem uma tropa, onde tem bons monitores tem uma penca de chefia. Caminhem com
suas próprias pernas! Repetia o bordão de Caio Vianna Martins o herói da tropa.
Um dia fez um pé de meia e partiu para um curso escoteiro. Engraxou seu sapato da
missa, mandou colocar uma meia sola. Ajeitou sua meia puída, meteu no seu chapéu
um pouco de goma e lá foi ele no trem das onze da noite para a capital.
Chegou humilde,
dizendo “tarde” “Alerta” e só uns poucos responderam. Adorou o curso, aprendeu
sobre um tal de POR de Estatutos, aprendeu sobre a tal ECA (lembrou-se das risadas
de seus escoteirinhos quando contou) viu que havia lei e norma para tudo
inclusive para criança. Interessantes que não comentaram sobre patrulhas, Monitor,
encargos e tantos mais que ele queria saber. Até pensou que um dia iria receber
a visita do Doutor Comissário. Nunca apareceu.
Até hoje aos sábados
e domingos, Brejo Seco vibra com a passagem dos seus escoteirinhos, marchando animados,
com suas mochilas feitas de pedaços de lona que ganharam de Seu Postácio dono
do Chevrolet Boca de Sapo de 1950 que fazia transporte mesmo fiado para
qualquer morador. A verdade é que assim vivem muitos escoteiros em muitas cidades
deste enorme país. Sem registro, sem sede, poucos badulaques na sua intendência,
mas sempre com sua bandeira puída, com um belo sorriso e aprendendo com seu Chefe
a arte de ser um homem honesto e bom.
Se você meu amigo é
um Zé das Quantas, Chefe dos Escoteirinhos de Brejo Seco, aceite meu abraço.
Meu orgulho em ver quem faz escotismo independente de ter lideres que não
valorizam quem faz o melhor escotismo no Brasil!