Uma linda historia escoteira

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Era uma vez...

sábado, 6 de abril de 2013

A matilha Vermelha e a Operação Cavalo de Troia




O cavalo de Troia foi um grande cavalo de madeira usado pelos gregos durante a Guerra de Troia, como um estratagema decisivo para a conquista da cidade fortificada de Troia, cujas ruínas estão em terras hoje turcas. Tomado pelos troianos como um símbolo de sua vitória, foi carregado para dentro das muralhas, sem saberem que em seu interior se ocultava o inimigo. À noite, guerreiros saem do cavalo, dominam as sentinelas e possibilitam a entrada do exército grego, levando a cidade à ruína.
Lendas Escoteiras

Lendas Escoteiras.

A matilha Vermelha e a Operação Cavalo de Troia


A matilha vermelha estava em polvorosa. A grande competição anual com tema livre estava marcada para o próximo sábado. Nos últimos dois anos eles ganharam o prêmio. O que os outros fariam? Eles iriam fazer uma grande apresentação – Uma mimica bem bolada de um sobrado em chamas, um neném chorando, um bombeiro passando etc. Gostaram muito quando Larissa deu a ideia. Riram muito de tudo. Achavam que a as demais matilhas iam rir a valer também. O primeiro prêmio estava no “papo”!

O premio era o máximo. Três caixas cheias de bombons Sonhos de Valsa para o primeiro colocado. Eles sabiam que a vitória estava na mão e os azuis? Eles eram o perigo. Sempre disputando palmo a palmo com os vermelhos.
Larissa era a prima da matilha e conversou com Téo seu segundo sobre o tema. Ela sabia que as outras matilhas não eram páreo para os vermelhos. Como descobrir o que os azuis iriam fazer? Afinal a preparação era segredo para todos. Cada matilha teve um mês para se preparar. E não era na sede por isso ninguém sabia o que iriam apresentar. Marcaram uma reunião na casa do Téo. Toda a matilha Vermelha. Eram seis. Laércio, Matilde, Noêmia, Vadinho, Larissa e Téo. A mãe dele sempre prestativa e alegre com os lobinhos. Serviu uma vitamina de mamão bem geladinho com biscoitos achocolatados.

Larissa repassou novamente a apresentação da matilha. Depois colocou o problema na mesa. Quem sabe o que os azuis irão apresentar? Ninguém sabia. Ficaram ali conversando por mais uma hora. Larissa muito esperta disse que sem saber o que eles os azuis iriam fazer não seria possível ter a certeza que iriam ganhar novamente. Alguém pode descobrir? Ninguém podia. Era uma reunião secreta que as matilhas faziam e ninguém podia se aproximar que não fosse da própria. Tive uma ideia! Disse o Laércio, e se colocássemos na reunião deles um Cavalo de Troia?

Poucos sabiam o que era isso. Foi o próprio Laercio quem explicou - O cavalo de Troia foi um grande cavalo de madeira usado pelos gregos durante a Guerra de Troia, como um estratagema decisivo para a conquista da cidade fortificada de Troia, cujas ruínas estão em terras hoje turcas. Tomado pelos troianos como um símbolo de sua vitória, foi carregado para dentro das muralhas, sem saberem que em seu interior se ocultava o inimigo. À noite, guerreiros saem do cavalo, dominam as sentinelas e possibilitam a entrada do exército grego, levando a cidade à ruína. Duvidas brotaram. Mas vamos fazer um cavalo de madeira e colocar no quarto do primo da matilha azul? Risos de todos. Nada disto tenho um plano disse Laércio.

Vamos dar a ele um presente. Um presente que ele não gosta. Ele vai deixar no quarto e não vai ligar. Dentro do presente iremos colocar um microfone em miniatura. Meu tio é detetive e acho que pode me dar um de presente. Quando soubermos o dia que irão se reunir, ficaremos próximos a casa dele e vamos ouvir tudo! Grande plano disse Larissa. Os demais ficaram meio assim. Acharam que não era próprio de lobinhos e da Lei do Lobinho. Mas no final Larissa convenceu todo mundo.

Uma semana antes todos já sabiam o que os azuis iriam fazer. Deram até risadas, pois as danças da Jângal já não eram mais surpresas e um deles soube de uma nova de Kaa. Treinaram a valer. Eles estavam no papo. O dia chegou. Sorrisos, um olhando para o outro. Melhor Possível! Melhor Possível Akelá! O Grande Uivo foi lindo. Todos pulando juntos e alto gritando – Melhor! Melhor! Melhor e Melhor! Fizeram um jogo de “cola” (um escolhido como cola, os demais soltos no pátio, o cola encosta em um e cola e vai tentando colar todos os demais). Mas a espera era mesmo na apresentação.

Soninha da Verde com seus olhos azuis sonhava com os bombons. Zeraldo da Marrom pensava como seria bom ganhar e comer os sonhos de Valsa. Todos agora só viam as três caixas de bombons, pois era o maior premio que poderiam receber naquele dia. A hora chegou. Balu chamou todos até o anfiteatro. Aboletaram-se na frente. Ninguém queria ficar distante do palco. A Matilha Verde fez uma apresentação primorosa. A mãe de um deles era professora de canto e tocava violino. Treinou com eles uma canção linda. Uma apresentação de gala.

Depois foi chamado a Marrom. Fizeram um pequeno teatrinho contando a vida de Baden Powell. Perfeito, lindo mesmo. Ninguém sabia que eles poderiam fazer tão bela representação. Foi à vez dos vermelhos. Larissa toda posuda foi a primeira a interpretar o bombeiro. Cada um se esmerou quando chegou sua hora. Riram muito do Laercio interpretando o nenenzinho chorão. Muitas palmas quanto terminaram. Larissa olhava para cada um e sorria. Era como a dizer que não tinha para ninguém.

Mas meu Deus! Chegou à vez dos Azuis. Arrasaram. Simplesmente arrasaram. Não apresentaram nenhuma dança. O que ouve? Alarme falso no microfone do Laercio? O que eles fizeram até os vermelhos tiveram que aplaudir. Uma apresentação primorosa. A fábula da Estrela Verde. Apresentaram soberbamente. Linda a historia. Deus mandou varias estrelas a terra. Voltaram desiludidas muitos anos depois. Disseram que a terra é um mundo ruim. Gente se matando, roubando, não existe amor e quando existe é só uma paixão passageira. Porque continuar lá? Disseram. Deus então deu falta de uma estrela. Onde está a Verde? Perguntou. Ela? Disseram. Ficou lá, achou que poderia ajudar os humanos a mudarem de atitude. A serem bons. A amarem uns aos outros. Deus e as demais estrelas então olharam para a terra e viram um clarão verde em volta dela.

Uma lição de moral para os vermelhos. Não pensaram nos outros só em sí próprio. Queriam a todo custo ganhar e para isto não mediram as consequências. Foram desonestos. Esqueceram que todos na Alcatéia são irmãos uns dos outros. E o pior os azuis quando receberam o premio foram a cada um dos lobinhos com a caixa oferecendo. Não disseram tire um, mas fique a vontade para escolher seu bombom preferido. Larissa ficou envergonhada. Foi até aos azuis e abraçou a cada um individualmente.  

Finalmente a palestra da Akelá na Pedra do Conselho foi linda. Ela disse que na Alcatéia todos são estrelas. Que estamos ali para aprendermos que a amizade vale tudo. Que devemos ganhar se possível, mas se não for, que se aplauda o vencedor. Parabenizou os azuis por serem tão gentis em distribuírem com toda a Alcatéia o premio. Larissa jurou para sí que nunca mais fariam o que fizeram. O gesto dos azuis tocou fundo em cada um.

E assim termina a operação Cavalo de Troia. Tudo deu errado. Mas tudo deu certo para aprender a crescer internamente. Isto é ser lobinho. Uma lição cada dia e um coração firme nas sendas do escotismo honesto, leal e sincero. Como é bom ser lobinho ou lobinha. Sorrir, cantar e ver sonhos realizados na Alcatéia de Sheone. 

E a matilha Vermelha continuou unida por muitos e muitos anos. Alguns passaram para a tropa, entraram outros, mas a amizade, a fraternidade e o respeito faziam parte da vida de cada um.
Nas cerimônias do Grande Uivo, os Vermelhos saltavam com alegria e vivacidade a dizer a plenos pulmões quem eram e o que seriam – “Melhor, melhor, melhor? – Sim, melhor, melhor, melhor e melhor”.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Será que vale a pena ser herói?



Conversa ao pé do fogo.
Será que vale a pena ser herói?

                Onde eles andam? Alguém sabe me dizer quem são? Antes eu sabia, mas será que hoje ainda falam sobre eles? Em nosso país é notório o esquecimento. Lembro quando menino na escola era obrigação de sabermos quem foram eles. Claro, nem todos. Dizem que os heróis só alcançaram a fama, o estrelado mostrando seus pontos fortes e esperança de um futuro melhor. Dizem que os heróis surgem em tempos difíceis quando as oportunidades aparecem, outros dizem que os heróis não se fazem, já nascem assim. Não sei se Caio Vianna Martins mudou a história escoteira com suas palavras. Quem o conheceu nunca diria que um dia ele seria um Herói. Poderia ver na história brasileira heróis que se fizeram. Dandara no Brasil, quem já ouviu falar? A Esposa do Zumbi dos Palmares foi uma guerreira feroz e brava defensora de um quilombo. Maria Quitéria disfarçou-se de homem para lutar na guerra da independência brasileira. Aracy de Carvalho Guimarães Rosa, única brasileira homenageada no Museu do Holocausto.

            Quem por acaso já ouviu falar delas? Ou de Heitor Villa-Lobos, maestro e compositor famoso, ou Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes? E finalmente Alberto Santos Dumont. Claro todos já leram sobre ele e seus feitos. Eu aprendi que nós controlamos nossa atitude ou será que é ela quem nos controla? Heróis são as pessoas que fazem o que tem de ser feito, quando tem de ser feito, independente das consequências. Encontrei tudo isto em Caio Vianna Martins, em Baden Powell apesar deste último não ser brasileiro. Mas imaginem. Estamos esquecendo nossos heróis. Nas escolas quase não se fala neles. Nossas grandes personalidades do passado. Duque de Caxias, Carlos Chagas, Monteiro Lobato, Carlos Drummond de Andrade, Visconde de Mauá, Machado de Assis, José Bonifácio, Dom Pedro II, Rui Barbosa, e poderia ir por aí em uma lista enorme. E eu pergunto, será que nossos jovens sabe quem são e o que fizeram?

           Interessante é que temos tantos a levantarem hipóteses da vida de cada um, muitos denegrindo sua imagem. Sei de jovens que duvidam de Tiradentes, de Dom Pedro II e olhe já vi um comentando que Caio Vianna Martins foi uma farsa. E aquele que procura desinformar tudo que lê por aí da vida de Baden Powell? Um me disse que ele era gay, outro me disse que ele era maçom e cheio de trelelê. E daí? Porque isto? Irá trazer benefícios ao nosso movimento? Aos nossos jovens? Teve um que me disse que era um milico, mandão, dono da verdade e não sabia ouvir ninguém. Fazia do escotismo seu exército disciplinado particular. Deus do céu! Porque isto? Qual o intuito? Será que não podemos referenciar nossos heróis? Será que não podemos dar exemplo deles aos nossos jovens?

            Enquanto em outros países eles são elevados como figuras mais importantes da nação, são discutidos e apresentados como homens exemplares e todos se orgulham deles aqui não. Aqui muitos admiram John Kenedy, Abraham Lincoln, John Lennon e tantas outras personagens que são heróis em outros países. Falam mal de Santo Dumont que bebia e fez seu primeiro voo embriagado. Dizem que Tiradentes foi uma farsa inventada. Dizem que o Aleijadinho nunca existiu. Porque isto? Francamente acredito que estamos perdendo nossa identidade. Admiramos o que vem de fora. Muitos já nem dizem que são escoteiros, agora são Scout. Nomes de patrulhas em inglês aparece aqui e ali. Quando procuram alguma personalidade ou locais históricos para nomear alguma Patrulha Sênior, só aparece nomes estrangeiros.

            Estamos mesmo perdendo nossa memória. Somos reconhecidos pelo carnaval e escola de samba. Os gringos vem aqui para ver o que não tem em seus países. Mulheres em trajes menores desfilando. Ainda bem que estão voltando os blocos de rua. O verdadeiro carnaval está aí. Chega de nota Deeéz! Não sei se o programa de jovens da UEB fala sobre isto. Não sei. Até nosso hino Nacional e o hino da Bandeira são poucos escoteiros que sabem cantar com carinho e corretamente. Falar no Hino Alerta então? Antes você só seria um segunda ou Primeira Classe se soubesse cantar todos eles e olhe de cor! Melhor parar por aqui. Este seria um fato. Um fato real. Ainda tem volta. Pouca mas tem. Compete a nós Escotista dar uma volta na história brasileira e mostrar aos nossos jovens que sim, nós temos heróis! 

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Uma deliciosa atividade aventureira.



Conversa ao pé do fogo.
Uma deliciosa atividade aventureira.

                 - Todos já sabem o que fazer. Vamos apenas recordar as instruções: - Patrulha Quati, irá seguir a S. (sul), em passo duplo vão percorrer seis quilômetros. Patrulha Jaguatirica deve seguir a SSE (sulsueste). A Leopardo vai a SE (sueste). A Touro a E (este). As escoteiras irão a ENE (esnordeste) a Pantera e a Lobo Guará a NE (nordeste). Já sabem, vocês estarão indo em forma de leque. O retorno é só considerar na bússola o contrário. Não haverá encontro entre vocês. Chequem as bússolas as pranchetas, o esquadro o transferidor e a régua. Confiram se todos trouxeram a Ração B. Nada para fazer depois. Quando retornarem tudo deve estar pronto para ser entregue a chefia. O Chefe Walfrido e a Chefe Vanice deram as últimas instruções.

                  Não era um grande jogo. Para eles uma bela atividade Aventureira.                   Quem deu a ideia foi a Patrulha Touro. Depois salpicada pelas demais. Podia-se dizer que todos deram sua contribuição. O tema foi apresentado a Tropa Feminina e feito o convite para fazerem a atividade em conjunto. – A preparação foi longa. A escolha das Colinas do Sultão foi ideia da Chefe Vanice. Era um belo lugar. Muitas árvores formando um lindo bosque. Uma subida simples sem ser íngreme. O Ribeirão do Rocambole era ideal para uma boa aguada e um bom banho. Os dois viram a ultima Patrulha sumir através do capim gordura e das arvores que aqui e ali faziam a beleza do lugar. Claro ambos preocupados. Mas quem não fica? As patrulhas agora estavam sós. Cada uma sabia da importância de cumprir as regras discutidas a exaustão na Corte de Honra e na Reunião de Patrulha. Todos se comprometeram. Afinal o Escoteiro não tem uma só palavra?

                   O que eles iriam fazer? – Varias tarefas. Cada Patrulha iria treinar orientação, não só o Monitor, mas todos deveriam ficar com a bússola pelo menos um quilômetro. A Patrulha iria levar uma máquina fotográfica e tirar fotos de animais pássaros e repteis que encontrassem. Durante a semana com as fotos eles deveriam identificar os bichos na biblioteca ou na Internet. Claro que se fizessem muito barulho não iriam tirar nenhuma foto. Também um seria escalado para o passo duplo. A contagem de distância percorrida seria importante para a confecção do croqui. Também iriam fazer um percurso de Giwell. Quando chegassem no Ribeirão do Rocambole iriam montar um toldo, um fogão tropeiro e uma refeição simples com arroz, ovos, linguiça e batatas fritas. Sabiam que ia haver inspeção, portanto o local deveria ficar limpo sem vestígios.

                   Na mochila levariam o necessário. Uma muda de roupa, uma capa de plástico para chuva. Material de higiene e estava liberado biscoitos e doces. Melhor do que proibir. O Monitor daria as ordens quando pudessem comer. No local que acampassem poderiam tentar fotos por uma área de no máximo quinhentos metros quadrados. Seria bom levar cantil e quem não tivesse uma garrafa de plástico. A refeição seria por conta deles. Cada um levaria um pouco de arroz, uma linguiça, dois ovos e o Monitor e o sub levariam o alho, o sal e o óleo. Levariam também açúcar e pó de café. Foram treinados a empacotar e guardar na mochila. Todos deveriam manter-se dentro do horário. A saída foi ótima. Às sete e meia já estavam prontos para partir. Oito pais ofereceram seus veículos para transportá-los. Um deles tinha uma Kombi e sobrou lugar.

                  O Chefe e a Chefe e mais dois assistentes iriam em um só carro. Era o suficiente. Eles ficariam no ponto de partida e monitorando as patrulhas em atividade. Sem atrapalhar. Afinal estaria em ação o método de BP. Fazer para aprender, errar se preciso até fazer o certo. Só o Monitor foi autorizado a levar celular. Para emergências. Ficou combinado com as patrulhas que às três da tarde eles deviam fazer uma fogueira com muita fumaça e transmitir o sinal de socorro usado no mundo inteiro. S.O.S. Combinou-se com os pais para buscá-los a seis da tarde. Interessante. Nenhum Monitor usou o celular. Tudo valia pontos para a Bandeirola de eficiência, mas o mais importante era fazerem uma atividade sem chefes. Era ponto de honra para cada um dar certo.

                  Ainda bem que conheciam o local e bem. O Capitão Coutinho, dono da fazenda foi Escoteiro e disse para o Administrador/Capataz que a fazenda estaria sempre à disposição dos escoteiros. Às três da tarde quase todas as patrulhas conseguiram transmitir o S.O.S. No jargão era simples. S=- - - O= . . .
Eles ficaram um mês aprendendo código Morse. As cinco em ponto começaram a chegar. A Quati foi à última. Os relatórios foram apresentados. O Croqui, o percurso de Giwell, o relatório da atividade, o vasilhame limpo foi inspecionado. A chefia os esperava com um delicioso chocolate quente com pão e manteiga. Uma alegria geral. Os pais chegaram e se contagiaram com a alegria dos filhos. – “Está tudo azul, o caminho aberto, sopra o vento sul, tudo dando certo, nossa caminhada, neste belo dia, não vai ser mais nada”! Só muita alegria.

                      Isto mesmo. Só alegria na atividade aventureira quando as patrulhas fazem tudo bem feito, sozinhos claro, dando risadas e cantando: - Está tudo azul... E eu dou risadas quando falo – Xô chefes!

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Lendas escoteiras. E a vida continua.



Lendas escoteiras.
E a vida continua.

                     A primeira vez que conheci Pataxó foi há muito tempo. Ele era Sênior. Encontramo-nos em um acampamento distrital de patrulhas. Escolheram-me como Chefe do subcampo Sênior. Ele não era Monitor, mas uma tarde me procurou na barraca de chefia – Chefe! Pode me dar um tempo? – Claro meu jovem, o tempo que você quiser. – Por favor, não me ache infantil. Nada disto. Mas vim aqui para fazer escotismo e o que vejo são as guias e seniores conversando aqui e ali. Não quero que mudem nada, mas não é o que eu queria para uma confraternização distrital. – Assim sabe Chefe estou querendo ir embora. Sei que meu Monitor não vai entender, ele está namorando uma menina de outro grupo. Sei também que quando chegar ao grupo na primeira reunião eles irão fazer um Conselho de Tropa e claro, irão claro me punir de alguma forma. Se acontecer prefiro sair do movimento Escoteiro.

                       Sou um homem vivido. Sempre achei que tinha as respostas para tudo. Naquela hora não. Não sabia o que dizer. Falar o óbvio, os mesmo aconselhamentos sabia que não ia atingir o objetivo. – Pataxó, me faça um favor, chame seu Monitor até aqui na chefia? – Ele me olhou espantado e foi. Esqueci-me de dizer Pataxó não tinha descendência indígena. Era loiro magro e alto. Interessante um olho azul claro e outro castanho. Em menos de cinco minutos o Monitor chegou com ele. Estava preocupado. – Sempre Alerta Chefe! Monitor da Antares se apresentando. – À vontade meu amigo. Sente-se aqui. Vou lhe fazer um pedido. Claro você só atende se for possível. – Diga Chefe! Você já viu que estou sozinho aqui. São mais de quinze patrulhas seniores. Preciso de ajuda não para liderar vocês, mas para dar uma arrumação na bagunça do programa. Não quero desfalcar nenhuma Patrulha com um Monitor. Como sei que vocês estão em seis que sabe você poderia me ajudar deixando o Pataxó aqui comigo até amanhã tarde?

                      Pataxó franziu a testa e levantou as sobrancelhas. Não disse mais nada. Fiquei conhecendo o rapaz. Educado, prestativo e pelo que me contou era esforçado para atingir um objetivo que matinha em sua mente. Queria ter uma boa fábrica de móveis, pois era aprendiz em uma e lá estava aprendendo o ofício com amor e abnegação. Estudava também à noite. Era corrido para ele. Foi por dois anos escoteiro, mas quando conseguiu a vaga na marcenaria os sábados foram cortados. Voltou a menos de um ano para os seniores. Seu Marcondes dono da Marcenaria passou a fechar ao meio dia de sábado. Ele gostava do escotismo. Gostava de atividades aventureiras, de acampamentos e excursões. Fizera amigos na tropa. Agora era tudo diferente, as moças chamadas de guias estavam juntas nas patrulhas.

                     Em dois acampamentos ele se sentiu um peixe fora d’água, mas acostumou. Ficar o dia inteiro com elas – Na Patrulha somos seis, três são guias disse. Porque estranhou? Perguntei. – Bem Chefe, o Senhor sabe correr para o matinho ver se tem alguma delas, estar ali a subir em arvores, falsa baiana e construir um ninho de águia com elas não era fácil. Concordo que elas eram animadas, esforçadas e até em certos casos eram superiores a nós seniores. – Pataxó contou, contou e ficamos até altas horas da noite conversando. Ou melhor, ele falando. Eu só ouvia. No dia seguinte ele estava alegre, brincalhão, foi em sua Patrulha várias vezes e até me perguntou se podia voltar. – Você quer? Perguntei? – Sim Chefe, o Senhor não vai acreditar, mas a Franciele disse que sentiu saudades de mim! – Problema resolvido. Este escotismo moderno não é fácil. De vez em quando deixar falar e ficar calado é o melhor caminho.

                    Passou-se mais de dez anos quando encontrei novamente Pataxó. – Uma surpresa. Estava em meu Grupo Escoteiro em atividade num sábado à tarde com os escoteiros e uma Assistente da Alcatéia me procurou – Chefe tem outro Chefe da Bahia querendo falar com o Senhor. Olhei e lá estava Pataxó. Nos seus vinte seis anos. Um homem formado na família escoteira. Ao seu lado uma linda moça. – Olá Chefe, ele disse, lembra-se de mim? – Nunca o esqueceria. – Esta é Franciele. Minha noiva. Vamos nos casar no ano que vem. – Sabe Chefe, nunca o esqueci. O Senhor foi o único que me mostrou o caminho sem dizer nada. Sou eternamente grato. Ainda estou no Grupo Escoteiro. Hoje sou Chefe de Tropa Escoteira. Minha noiva me ajuda, pois temos duas Patrulha femininas. Mas separadas! E riu a vontade.

                   Nada como ver um final feliz. São coisas que encontramos sempre no escotismo. Tem fatos que nos marcam, ficam gravados na mente. Alguns amarrados com grandes amarras no coração. Naquela noite, levei Pataxó e Franciele em uma churrascaria. Passei em casa e convidei minha esposa. Que noite gostosa. Que noite linda em saber que Pataxó venceu seus temores. Que hoje é dono de uma grande loja de móveis em sua cidade – Chefe! – disse Pataxó - Eu sonho em ver nossos filhos de uniforme, sorrindo, juntos e aprendendo a ser alguém nas belas coisas que BP nos deixou! – Isto mesmo Pataxó pensei. Claro, Pataxó foi um vencedor. Nem sempre encontramos escoteiros como ele. Meu alerta a você Pataxó esteja onde estiver, pessoas como você fazem do escotismo o maior movimento de formação do caráter em todo o mundo!

terça-feira, 2 de abril de 2013

Lendas Escoteiras. Waldo, um Escoteiro e seu último por do sol.



Lendas Escoteiras.
Waldo, um Escoteiro e seu último por do sol.

                   Eu era Chefe de uma tropa Escoteira lá no Bairro do Berilo. Não era longe e a pé chegava a menos de quinze minutos. Era uma boa tropa. Quase não tinha problemas e os Monitores me ajudavam muito. No grupo havia uma tropa feminina, mas que não caminhava bem. Só duas patrulhas com doze jovens. Genny a Chefe era muito esforçada. Nilo e Bartilho eram meus assistentes. Não eram muito frequentes. Não sei se acontece com todo mundo, mas tem escoteiros tão bem comportados que quase passam despercebidos. Assim era Waldo. Entrando nos quatorze anos tinha todas as qualidades que a gente pensa em quem tem um elevado “Espírito Escoteiro”.

                    Na Patrulha Quati Waldo era uma espécie de conselheiro dos demais. Não era o Monitor, mas cativava a todos pela sua ponderação, pelo seu exemplo não só na tropa como na escola e em sua vida familiar. Quando eu tinha algum problema chamava o Waldo. Ele possuía um jeitinho próprio de conversar que conquistava qualquer um que estivesse ao seu lado. Não foi minha surpresa que um sábado de maio ao chegar à sede não vi o Waldo. Era o primeiro a chegar e o último a sair. Perguntei ao Antonio seu Monitor se ele sabia de alguma coisa. Não sabia. Pensei comigo – Deve ter sido o motivo muito forte para ele ter faltado. Fiquei de ligar para ele ou seus pais para saber se uma gripe o impediu de ir à reunião. Quem atendeu foi sua mãe. – Chefe, o melhor é o Senhor vir aqui em casa. Não dá para falar por telefone.

                       Só na quinta deu para ir até lá. Eu estava preocupadíssimo. O que seria? A Mãe dona Aurora e o pai seu Rodolpho me receberam na porta. Estavam tristes e taciturnos. – Chefe, falou dona Aurora, Waldo me pediu para ele mesmo dizer. Acho que o Senhor deve ficar prevenido. A notícia vai chocá-lo e muito. – Vi que lagrimas caiam dos olhos de ambos. O Senhor Rodolpho estava com a voz embargada. Subi ao quarto de Waldo, ele me esperava sentado na cama. Senti nele um sorriso tênue e sua voz que já era baixa de natureza estava rouca. Seus cabelos estavam caindo e aquilo me assustou. – Olá Chefe, Sempre Alerta! Ele tinha ficado em pé. Dei-lhe um aperto de mão e um abraço. – Waldo, todos estão sentindo muito sua falta e as saudades são grandes. Ele sorriu de leve. – É Chefe, vai ser difícil minha volta. Vou direto ao assunto. Melhor ser honesto com o Senhor. Estou com Leucemia no cérebro. O medico disse para minha mãe que eu tenho menos de quatro meses de vida.

                         Foi como se eu tivesse levado um soco, uma pancada. Fiquei chocado. Sentei em sua cama. – Calma Chefe, isto acontece com um e outro, eu fui o escolhido por Deus desta vez e sorriu. – Meu Deus! Pensei. Que calma deste garoto! Incrível! – Olhe Chefe, eu convenci minha mãe. Ela e meu pai não queriam, mas eu gostaria antes de ir me encontrar com meus ancestrais lá na vivenda de Capella, eu queria ir ao acampamento do próximo mês no Vale dos Sinos. – Mas como Waldo? Você mal fica em pé e nem pode andar direito! – Eu sei Chefe, mas eu preciso. Não posso partir sem ver meu último por do sol nas escarpas cintilantes. - Me lembrei do que ele falava. Lá das escarpas o por do sol era maravilhoso. O mais lindo que tinha visto. Eu nunca pensei que ele pudesse lembrar e nem eu mesmo me lembrava mais. Olhei para Waldo. Não podia negar aquele último favor. Se ele queria eu não iria dizer não.

                         Combinei com seus pais de passar lá no dia marcado pela manhã para pegá-lo. Não disse nada para a tropa e nem para os chefes. Insisti para que ninguém faltasse. Queria dar a ele uma despedida que ninguém jamais esqueceria. Seria o maior Fogo de Conselho que eu iria dirigir e ele participando. – Passei lá no dia determinado. No local do acampamento ele insistiu em ficar com sua Patrulha. Estava tremendo, fraquejava, mas dizia que iria dormir na barraca da Patrulha. Na chefia não era certo e não queria dormir sozinho completou. – Chefe, é câncer! E ria. Nada mais que o cancerzinho idiota. Não vai ter perigo para ninguém. Ele não é transmitido assim. Não é contagioso! – Menino! Que Escoteiro era aquele? Waldo de quatorze ano me dando lição?

                           Eu tinha levado uma cadeira de praia para ele ficar sentado. O dia que ele quisesse eu o levaria em minhas costas até as Escarpas Cintilantes. Ele recusou a cadeira. Vou fazer a minha Chefe. Devagar mas vou fazer. A Patrulha viu que ele estava doente. Disse para ela que ele estava se recuperando de uma forte pneumonia. Ele quase não participava das atividades, mas ajudava na cozinha sempre. Fez uma bela cadeira. Sentava e fechava os olhos. Seus lábios entreabertos pareciam sorrir. No penúltimo dia vi que ele respirava com dificuldade. – Waldo vou leva-lo para sua casa. – Chefe nem pensar. Me leve agora até as Escarpas Cintilantes. Meu tempo está se esvaindo.

                            Fui sozinho com ele. Em principio foi andando depois vi que não aguentava. O coloquei no colo. Uma palha de tão magro. Em menos de meia hora chegamos. Sentei junto com ele na barranca que dava para todo o Vale dos Sinos. Um espetáculo a parte. Deviam ser umas cinco e meia. Chefe posso fazer um pedido? Claro meu amigo. Claro. Quando eu estiver sendo guardando na terra dos meus ancestrais não quero que cantem a canção da despedida. Cantem todos aquelas alegres para que eu tenha boas lembranças. O sol foi aos poucos tentando se esconder atrás das montanhas do Grilo Feliz. Waldo sorria. Não tirava os olhos. Eu engasgado. Danação! Eu não era como ele. Estava difícil aguentar. Queria chorar e não podia. Não podia chorar naquele instante. Não podia. Eu sabia que eram seus últimos momentos. Waldo me olhou. Piscou os olhos e me disse – Chefe foi a maior alegria que já tive. Vou levar para sempre esta lembrança comigo. Obrigado Chefe. Obrigado. Foi aos poucos deitando no meu colo. Esticou suas perninhas secas. Waldo morreu sorrindo no meu colo naquele anoitecer de junho. Ficou ali imóvel como se estivesse dormindo.

                    Fiquei ali chorando por muito tempo. Alguém bateu no meu ombro. Olhei e não vi ninguém. Lá onde o sol se pôs vi uma nuvem branca brilhante que logo desapareceu. Desci as escarpas com ele no colo. Voltei para a cidade. Não chorava mais. Meu coração sumiu. Minha vontade não era minha. Naquele momento achei que eu também tinha morrido com o Waldo. No dia seguinte estávamos todos na sua exéquias. Cantamos ao som de um violão a Stoldola, Avante Escoteiro, Lá ao longe muito distante e outras. Todos cantavam com vigor escoteiro. Muitos choravam. Eu também. Não dava para segurar. Os anos passaram. Nunca me esqueci de Waldo. Nunca me apareceu em sonhos. Nunca falou comigo em espírito. Deve estar feliz, muito feliz em Capella, a terra dos seus ancestrais.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Rio Negro, a cidade das sombras!



Lendas Escoteiras.
Rio Negro, a cidade das sombras!

                       Um telegrama simples. Dizia: “Gostaríamos de contar com sua presença nas festividades do Grupo Escoteiro Enigma do Santo Sepulcro. Será dia 28 próximo em Rio Negro, a cidade das sombras. Todas as despesas serão por nossa conta”. Mais nada. Que seria isto? Alguma brincadeira? Eu recebia sim muitos convites para palestras e pequenos cursos escoteiros em várias cidades. Mas aquele convite era extraordinário.  Na internet só descobri uma cidade parecida próxima a Parecis, e mesmo assim diziam que a cidade não existia mais. Deve ser alguma brincadeira pensei. Pitágoras o Comissário sempre fazia isto comigo. Liguei para ele: - Não fui eu! Juro! Ele disse. Dei boas risadas, mas fiquei inquieto, ou melhor, encucado com tudo aquilo.

                      Não dormi bem. Não tive sonhos e nem pesadelos, mas acordei suando. Parecia que alguém dizia para eu ir à estação Rodoviária comprar a passagem. Liguei para a região para me informarem se tinha algum grupo com este nome. Riram na minha cara. Tirei o carro da garagem e fui até a Rodoviária do Tietê. Nem bem entrei vi um homem de paletó roxo, chapéu enterrado até os olhos, descalço, unhas enormes e com uma placa – Passagens para Rio Negro. – Aproximei. Ele levantou o chapéu. Enormes olhos negros. Um nariz comprido e afilado. Uma boca enorme cheia de dentes de ouro. Não tinha orelhas. Nas mãos em cada uma dois dedos.
Tirou do bolso uma passagem. – Mandaram-me entregar, o ônibus parte a meia noite. Terminal dois. O homem desapareceu. Procurei em todos os guichês da rodoviária e nada. Informei-me sobre a cidade. Ninguém conhecia.

                     Seja o que Deus quiser. Não costumo me esconder de desafios. Iria lá nesta cidade fantasma. A final sou um Escoteiro e o Escoteiro não foge dos desafios. Nunca! À noite já com minha mochila e de uniforme social fui para a rodoviária. Eram onze e quarenta da noite. Lá estava o morto vivo a minha espera. O “cara” era esquisito. Disse-me – Siga-me. E lá fui eu. Descemos umas escadas, um corredor escuro, um vento húmido e frio a soprar. Senti frio. Um frio que machucava. Vi o ônibus. Pequeno. Negro. Sem nada escrito. Na placa Rio Negro. A porta aberta. Entrei. Ele pediu a mochila – Vai ano meu colo disse – Sentei bem à frente. Não tinha ninguém no ônibus. O ônibus partiu em seguida. Só eu de passageiro. Alguém de voz rouca e cavernosa começou a cantar a canção da Promessa. Dormi. Acordei com o dia amanhecendo. Uma bruma cinzenta cobria minha vista. O ônibus parou. Desci. Suspirei fundo. Um Chefe Escoteiro de uniforme. Brim roxo. Todo roxo. Um lenço negro com uma caveira desenhada atrás. Sem sapatos. Descalço. Unhas enormes. Sempre Alerta Chefe! Sou o Funério, seu assessor pessoal, disse. Venha comigo.

                       Um carro negro fúnebre nos esperava. Atrás levava um caixão. Algum defunto para enterrar. A cidade era coberta por uma bruma cinza e seca. Quase não se via as casas. Aqui e ali pessoas atravessavam a rua devagar, como se estivessem pisando em brasas. Não havia barulho. Nenhuma ave por perto. Não vi cachorro e nem gato. O carro parou. Olhei o motorista. Sempre de costa. Um boné de couro preto. Abriu a porta e sai. Em frente a um cemitério. Aqui? Perguntei. Ele se virou. O rosto sem pele. Ou melhor, uma pele fina, mas só os ossos apareciam. – Não se preocupe Chefe. A sede do grupo é linda. Foi toda construída pelos habitantes do lugar. O Senhor vai gostar. Bragg! Comecei a tremer! Onde fui me meter? Ele me pegou pela mão como se eu fosse uma criança. Fui com ele. Não tinha outra saída. Nem sabia onde estava. Catacumbas e mausoléus enormes. Nomes estranhos. Aqui jaz – Baldassari, morreu por falta de sangue – Em outro dizia: Aqui jaz, Narkissa, a princesa beijada pelo Vampiro Damien. E assim se seguia. Meu Deus! O lugar era misterioso, amedrontador.

                     Fechei os olhos, um medo terrível. Abri. Lá estava a sede. Em letra góticas uma enorme placa: Grupo Escoteiro Enigma do Santo Sepulcro. Enormes caixões enfeitavam o teto da sede. Um belo esquife branco estava em pé, na porta e dentro um Chefe bem velho de bigode e cabelos brancos. Com o novo uniforme da UEB. Estranhei. A tropa, Alcatéia e os seniores formados na bandeira. Não havia bandeira nacional. Eram bandeiras negras com escritos em grego e latim e desenhos de zumbis e cadáveres. Um Chefe se aproximou. Bem vindo Chefe! Estamos tristes com sua chegada. Mas não estão alegres? Eu disse. Aqui Chefe é o contrário. Olhei a escoteirada. Todos de uniformes negros e os lobinhos de roxo. Ninguém sorria. Sérios. Como se estivessem mortos. Vi que nenhum dos jovens tinham olhos. Só um buraco fundo. Putz! Onde fui me meter? Porque aceitei? Não havia volta. Um zumbido e um grito e as bandeiras negras com símbolos vampirescos começaram a ser içadas. Vampiros enormes voavam sobre nossas cabeças. Ao terminal não houve oração. Olhei em uma catacumba mais alta e chacais davam uivos áulicos e lamurientos. Achei que um deles o mais forte poderia ser Duamutef, o filho de Hórus. Abraçaram-se todos os escoteiros e lobinhos e começaram a chorar. Todos se lamentavam por haver morrido. Morrido? Eram mortos vivos? Pensei em correr dali.

                     Pegaram-me pela mão. Levaram-me até um alto mausoléu. Diziam que eu estava no campo santo. Em volta de mim vi um jazigo cheio de ossos. Parecia que o cemitério estava acordando. Em cada catacumba, em cada mausoléu, em cada cova uma mão, uma cabeça e logo uma multidão de mortos em minha volta. Eram milhares. O Chefe do grupo me pediu para fazer a palestra. Todos aguardavam ansiosos este momento. De que meu Deus! Que palestra querem que eu faça? Nada sei do tal grande acampamento. Dizem que lá ficam todos os escoteiros que morreram, mas eu? A última vez que fui a um enterro faz anos! – Chamem Baden Powell. Ele entende disto melhor que eu!  Não Chefe, nada disto. Todos aqui querem saber como funciona a União dos Escoteiros do Brasil. Querem saber como funcionam as alcateias. Querem nomes de akelas que o Senhor conhece para visitarem a meia noite. Todos se preocupam com as tropas. Querem nomes também. Pediram sua opinião quem seria eleito este ano na Assembleia Nacional! Deus do céu! Que era aquilo? Ajuda-me Baden Powell! Socorre-me almas escoteiras do outro mundo que já se foram!

                     Chefe Patrulha Águia convidando para o jantar. Chefe Patrulha Cucu convidando para o jantar. Chefe Patrulha corvo se apresentando para avisar que o jantar está pronto. Acordei. Abri os olhos. Obrigado meu Deus. Era apenas um sonho. Um pesadelo. Estava com meus escoteiros num lindo acampamento. Vi o sol se pondo no horizonte. Bendito sol! Vi o regato de águas límpidas logo ali. Vi um peixinho pulando nas corredeiras. Graças a Deus. Graças a Deus. Ainda bem. Levantei-me. Espreguicei. Dei um enorme sorriso de felicidade. Havia dormido no tempo livre dado a eles para as refeições. Fui até o córrego lavar o rosto e me refrescar. Cantarolava o Rataplã, agora sim, eu estava vivo e gostava de estar. Levantei peguei a toalha para enxugar. Do outro lado do córrego, lá estava ele, o morto vivo da rodoviária. – Disse alto com voz grossa cavernosa e fúnebre – Sempre Alerta Chefe, à meia noite venho te buscar!

domingo, 31 de março de 2013

O destino de Lomanto Zarilson Mendes.



A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos.

Conversa ao pé do fogo.
O destino de Lomanto Zarilson Mendes.

              Desci da barcaça em Pedra Azul no porto da esperança e o vi na beira do Rio Amarelo. A principio tive dúvidas, mas depois a certeza era única. Era sim, tinha agora certeza absoluta. Ali estava o meu amigo Lomanto Zarilson Mendes. O homem mais procurado do mundo! Mudou muito nestes últimos vinte anos. Mais curtido e com aquele chapéu de palha e sua barba branca ninguém diria que era ele. Enchia a caçamba de uma carroça com as famosas areias brancas do Rio Amarelo. – Ei Lomanto! Gritei. Ele me olhou, pensou e depois viu que era eu – Chefe Osvaldo! Que prazer! Fui até lá. Abraçamos-nos. Quanto tempo eim amigo? – É Chefe, faz tempo. – Mas olhe meu amigo Lomanto, não estou entendendo você aqui neste serviço braçal? – Quer tomar um café comigo? Ele disse. Com a carroça cheia e um descanso, então posso explicar. Lá fomos nós até a Praça de Pedra Azul em um barzinho onde ele tinha amigos e fomos muito bem atendidos.

               Sentamos em uma mesinha embaixo de um Jacarandá enorme, lindo de morrer. Uma sombra para ninguém botar defeito naquele dia ensolarado com calor acima dos trinta graus. Olhamos um para o outro. Ele sorria. Um sorriso de alguém que encontrou a felicidade. Mas ele também não era feliz antes? – Minha mente voltou em segundos ao passado em Figueira do Rio Mimoso. Cidade onde nasci e cresci. Lomanto, quem não conheceu Lomanto? A cidade inteira sabia dos seus passos. Aos quatro anos diziam que tinha lido todos os livros da biblioteca. Uma mente privilegiada. No maternal as professoras não sabiam o que fazer com uma inteligência de um adulto doutor. Aos seis o colocaram no Grupo Escolar na oitava série. Não deu certo. Ele estava acima disto. O doutor Pilatos emprestou a ele seus livros de medicina. Era comum vê-los discutindo temas médicos na praça da cidade. O mesmo aconteceu com o Doutor Leimon um grande advogado e o Engenheiro Lamartine.

                 Seus pais nos procuraram no Grupo Escoteiro. Ninguém sabia o que fazer, mas recusar nunca. Os chefes de alcateia quebravam a cuca para moderar seus conhecimentos assim como quando passou para a tropa com oito anos. Errado? Não conheciam Lomanto para dizer isto. Se aos nove o vissem em um acampamento ficariam embasbacados. Lomanto era um mestre em tudo. Suas pioneiras tinham o acabamento dos melhores marceneiros do mundo. Fogões fechados e a vácuo, fornos de barro, escadas giratórias, amarras impossíveis de fazer assim como costuras de arremate que ele inventou com cipós. Aos onze insistiu em ir para os seniores. Com menos de seis meses tudo perdeu a graça para ele. Fez uma grande pesquisa sobre o escotismo. Estudou tudo que era publicado pela direção nacional. Aos quinze foi ao seu primeiro Congresso Nacional. Deixou todos embasbacados. Todos o procuravam para tirar dúvidas. Sabia de cor todas as publicações escoteiras no Brasil e no mundo. Sugeriram fazer dele aos quinze anos o novo Diretor Nacional de Formação de Adultos.

                     Foi uma discussão e tanto quando deram a ele aos dezesseis anos o certificado de DCIM. Foi convidado para palestras no mundo inteiro. No Grupo Escoteiro Manto Sagrado onde eu era o Chefe passei o cargo para ele. Foi bom, eu viajava muito. Convidado para cargos políticos recusou todos. Na cidade romarias de cientistas de todo o mundo era comum. Lomanto nunca cobrou nada de ninguém. Conseguiu um emprego nos Correios e lá recebia seus minguados salários. Jornais, revistas, TVs estavam sempre lá em busca de noticias. Lomanto ficou famoso. A WOSM ou OMME insistiram para ele ser o seu Diretor Geral. Não aceitou. Fazia palestras em vários países a convite e com passagens pagas. Foi agraciado com medalhas de diversas organizações escoteiras mundiais. Mas não ficava só nisto. Laboratórios farmacêuticos, grandes empresas de engenharia, outras de advocacia os procuravam sempre para pedir sugestões ou tirar dúvidas.

                      Todos nós que ficamos amigos dele estávamos preocupados. Isto não podia continuar. Seus cabelos aos dezoito anos estava quase todo branco. Seus olhos vermelhos pareciam não dormir nas últimas semanas. Um dia um helicóptero desceu sem nenhum aviso em Figueira do Rio Mimoso. Era a da Policia Federal. O levaram para Brasília. Ministros queriam falar com ele. Os presidentes do Congresso Nacional o intimaram para uma homenagem. O presidente do Banco Central exigiu sua presença. Queria opinião se subia ou baixava os juros. O Presidente da República o homenageou no Palácio da Alvorada. O novo Papa mandou um recado para ele ir a Roma. O pentágono ficou cismado. Nações do mundo inteiro mandavam espiões. Figueira do Rio Mimoso começou a ficar insuportável. Surgiram centenas de hotéis pousadas e campings. Restaurantes internacionais, livrarias e até uma TV se instalou ali. Um dia Lomanto sumiu. Ninguém conseguiu achá-lo. A policia federal e a Interpol fizeram tudo para encontrá-lo. Seus pais riam quando perguntavam. - Ele agora resolveu ir morar em um templo budista no Tibet. Quer ser um monge e descansar.

                       Aos poucos foram esquecendo-se de Lomanto. A cidade tomou enorme prejuízo com a estrutura hoteleira e outros que se formaram por causa dele. Quinze anos depois acharam que ele tinha morrido. – Pois é Chefe Osvaldo, dizia ele – Achei melhor assim e olhe hoje sou feliz. Conheci Noêmia, minha companheira com quem tivemos três filhos. Ela coitada nem ler sabe. Mas eu a amo demais. Não a trocaria por nada neste mundo. Fingi para ela ser um iletrado. Precisa ver como ela tenta me explicar às noticias que ouvimos no radio. Mudei de nome. Aqui sou conhecido como Arlindo Ladiscap. Ela nunca poderia saber o que eu era. Não esqueci nada e minha mente é a mesma. Aprendi a não pensar mais nisto. Aqui comprei esta carroça e faço carretos o que me dá o sustento que preciso. Levantei e me despedi de Lomanto. O trem da Central do Brasil que me levaria a Santos Dumont partiria dali à uma hora. Se não fosse só no outro dia.

                       Lomanto me pediu que não contasse a ninguém. Segredo de escoteiros. Dei minha palavra escoteira. Ele me conhecia e sabia que podia acreditar. Fui embora pensando o que é a vida. As escolhas que fizemos. Cada um sabe onde o sapato aperta. Lomanto poderia ter tido uma vida de rei. Seria mesmo um vida de rei? Entender suas escolhas só se estivéssemos em seu lugar. Escolheu ser um carroceiro, profissão digna, mas humilde. A maior inteligência de todos os tempos estava ali, apagada em um lar de quatro pessoas. Uma mulher e três filhos. Um lar de privilegiados. Mas quem disse que eu escolho a minha felicidade? Nunca. Você, só você sabe o que fazer para ser feliz. Que Lomanto com seu destino alcance o que quer. Que ele seja feliz para sempre!

Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz.