Uma linda historia escoteira

Uma linda historia escoteira
Era uma vez...

sábado, 15 de junho de 2013

Você já passou por isto?



Crônicas de um Chefe escoteiro.
Você já passou por isto?

Novo emprego.

                  Seu Chefe no seu trabalho resolve apresentar você a todos. - Este é fulano. Um dos mais antigos, este é ciclano, entende de tudo, na dúvida pergunte a ele. E este é o Escoteiro. Trabalha bem, mas só fala em escotismo. Não gosta de outros assuntos. O Palmeirense tenta falar de futebol e ele fala em acampamentos. O Corintiano tenta falar do clássico de domingo e ele? Da excursão com seus lobinhos. Na mesa da hora do almoço fica anotando. O que é perguntam? Esboço da reunião de sábado. Preciso de um jogo novo! E por aí vai. E o pior ou quem sabe o melhor já levou mais de cinco daqui ao seu grupo. Se deixar ele monta aqui um Conselho de Chefes, mas olhe é bom sujeito. Trabalha bem e só falta para ir a Jamborees, Ajuris, Aventuras escoteiras, mas paga direitinho nas folgas. Enfim, eu mesmo já pensei em entrar no Grupo Escoteiro dele!

Reunião de pais no colégio.

               Só ele fala. A professora começa e ele pede a palavra. A diretora assiste a reunião e até gosta dele, mas o pai acha que tudo ele conhece. Um dos pais fala baixinho para uma mãe que está ao seu lado. – Quem é ele? – Chefe nos Escoteiros. Tem muitos anos que está lá. Dizem que os chefes dos escoteiros entendem tudo. Conhecem os jovens, sabem o que eles querem. – Mas aqui ninguém fala? – Claro que sim. Mas se prepare. Você fala e ele rebate. Numa boa, é educado. Mas como fala meu Deus! Eu já aprendi. É melhor ficar na minha!

Um domingo no ônibus.

             Você vai visitar um amigo, um parente, pega o ônibus ou o metrô e pensando na vida entra dois e param junto a você. Você não quer entrar na conversa, é educado. Mas não dá para evitar. – Eu disse a você, fala um – Eu sei que disse fala o outro – Valeu a pena o curso, você devia ter ido – Não deu mesmo. A família tinha um aniversário. Se faltasse já viu né? Precisava ver a equipe do curso. Nunca vi gente assim. Boa demais. – Conhecia alguns deles? - Não. Já vi um em uma assembleia, mas os outros não. – Todos tinham mais de três tacos? Só dois. Tinha um com quatro tacos. Menino! O cara era bom mesmo! Mas não vou desfazer dos outros. Um deles super técnico. Ensinou-nos técnicas que se hoje precisasse me virava bem em qualquer mata.
            Os dois descem na sua frente. Você fica ali matutando. Que diabo era aquilo? Curso? Que curso doido! Tacos? Vai ver eram jogadores de beisebol! Mas jogar com três ou quatro tacos? É cada doido que aparece que a gente fica doido também!

Sentado na praça do bairro.

              Gosto de ir à praça. Achar um bom lugar para sentar e pensar na vida. Alguns da minha idade vão jogar baralho, damas e eu não. Estava ali há meia hora. Atrás de mim sentou um menino. Onze ou doze anos. Falava baixinho. Não deu para evitar e ouvir – Prometo pela minha honra possível melhor, - não, não é assim. Acho que é prometo pela minha honra fazer o melhor possível – Não sabia o que ele estava fazendo. Continuou o menino – Vou ser leal, sincero, vou ter uma palavra, eu juro! - Caramba! O que ele estava a fazer? Um juramento secreto? Ele continuou - Serei puro nos meus pensamentos, nas minhas palavras e nas minhas ações! Não aguentei mais, me virei e perguntei – Menino desculpe, não pude evitar em ouvir, você está treinando alguma peça teatral? – Não Senhor, sou um Escoteiro, estou aprendendo. Sábado farei minha promessa. Terei orgulho dela e quero falar para todos ouvirem!
              Sem palavras. Dizer o que? Acho que este escotismo é diferente. Acho que vale a pena conhecer melhor!


              Tenho muitas outras. Ficam para outro dia. Mas você sabe como é. Escoteiros é um “bicho” diferente. Não sabem falar outra coisa. O bichinho quando morde fica ali, não sai. Dizem até que isto não é bom. Parece coisa de alienado. Mas quem está lá não pensa assim. E viva os escoteiros! Deixem-nos! Adoram o que fazem e eu? Risos. Nem precisa falar precisa?

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Assistentes escoteiros, para que servem?



Conversa ao pé do fogo.
Assistentes escoteiros, para que servem?

          Uma pergunta meio “idiota” Alguns até podem pensar assim e eu até dou razão. Pensando bem eu também acho. Sei que cada um terá uma pronta resposta para o titulo em questão e para estes peço desculpas. Mas acreditem tenho visto tantos assistentes serem relegados ao segundo plano que me deu vontade de comentar o assunto. Se coloquem no lugar de um. Seja de uma Alcateia ou tropa. Sempre o Akelá ou o Chefe achando que eles são novos, ainda não entendem nada e praticamente não dão nenhuma atividade a ser desenvolvida há não ser aquelas rotineiras. No principio se aceita normalmente, mas com o passar do tempo surge ressentimentos e muitos até se perguntam o que estão fazendo ali.

           Não preciso repetir que em qualquer profissão o ser humano necessita estar em relacionamento com seus semelhantes. Quando este relacionamento é harmonioso, contributivo, espontâneo, gera-se satisfação e progresso. Ao contrário se surge conflitos, surgem obstáculos ao desenvolvimento das atividades, gerando “emperramento” nos propósitos a serem alcançados. É difícil quando dois ou mais escotistas num ambiente de reunião, e que devem compartilhar ideias e tarefas não tem uma boa relação humana entre eles, é claro que a cooperação vai gerar atritos, comparações etc. Dizem que existe uma técnica para se firmar boas relações entre duas ou mais pessoas. Eu não sei, mas nunca me aprofundei muito nela. – Ser simpático, mostrar estabilidade, autodomínio e ser sociável. Claro requer um esforço enorme.

            No escotismo quem não nos conhece nos vê como um movimento de irmandade absoluta, e uma cortesia entre adultos que em certos casos nem se sabe quem é quem no comando ou na liderança. Mas em particular a importância de se mostrar em dizer que eu sou alguém, e que você é um “pata-tenra” (noviço, iniciante,) e, portanto é subalterno e que deve “ralar” para ficar como eu, são situações que encontramos em diversas sessões escoteiras. Claro sem ferir susceptibilidades dos órgãos superiores, pois isto acontece com eles também. Vejam bem, tentamos de todas as maneiras arregimentar os pais, amigos e simpatizantes para virem colaborar conosco. E quando chegam muitos em pouco tempo desistem. Por quê? Claro que se explica pela prática de ser tratado como um eterno “pata-tenra” sem nunca ter possibilidade de atuar como deveria ser um assistente.

           No escotismo e muitas vezes em nossa vida profissional, nos ensinaram e a experiência comprovou que a sintonia perfeita entre o Chefe da sessão e os assistentes servem de parâmetros para dizer que estamos atingindo nossos objetivos. Isto se aplica a todo o Grupo Escoteiro e o Diretor Técnico é o seu maior responsável. Quantos grupos os chefes se reúnem para fazer, discutir e distribuir tarefas nos programas de reuniões? Refiro-me a uma reunião feita mensal ou bimensal fora dos horários de reuniões onde se programa todas as atividades a serem desenvolvidas em reuniões? Discordo de alguns que fazem seus programas sozinhos (os chefes titulares) e por delicadeza passam e-mail aos assistentes dizendo o que eles devem fazer. Não há sintonia e nem oportunidade para o assistente opinar.

          Quem sabe isto é um aprendizado no Grupo Escoteiro de anos e anos, cujo Diretor Técnico nunca em tempo algum fez realizar um Conselho de Chefes, tema visto e revisto em vários cursos escoteiros, mas nunca levado a sério por muitos líderes de grupo. Um deles até me disse que não era preciso. Eram todos irmãos e ele conversava com cada um em particular. Totalmente errado. Conselho de Chefes se presta para outras necessidades e não ser informado individualmente pelo Diretor Técnico. É um paradoxo que isto possa acontecer no seio Escoteiro. Falamos tanto em sistema de patrulhas, de matilhas trabalhando em equipes e quando há necessidade dos adultos dirigentes mostrarem a vantagem do trabalho em equipe isto não acontece.

            Interessante é que hoje em dia o trabalho em equipe e relações humanas fazem parte do nosso dia a dia. Tanto no seio profissional como particular. Quando um Chefe Escoteiro ou de alcateia ou mesmo o Diretor técnico não sabem ver a insatisfação de seus colaboradores, não sabe ouvir opiniões e não sabe dividir tarefas, o futuro e exemplo aos jovens será severamente prejudicados não só na sessão, mas também no Grupo Escoteiro. Cabe a cada um de nós analisarmos se temos amigos conosco na sessão, ou subalterno militar que só recebe ordens.


           O tema é longo. Quem sabe volto a ele oportunamente. Só não posso aceitar que até hoje não tenhamos olhado por este lado (não todos) e analisado o porquê nossos resultados em termos de crescimento, e permanência nas fileiras escoteiras continuem estagnado. Espero que isto não esteja acontecendo com você. Até uma próxima vez.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Em meus sonhos volto sempre a Gilwell.


Crônicas de um Chefe Escoteiro.
Em meus sonhos volto sempre a Gilwell.

               Dizem que passado é passado. Ficou para a história. É página virada no livro da vida. Uma utopia que como o vento se vai. Pode ser em Xangri-lá, se não um é um sonho. Quem sabe. Cada um tem uma maneira de pensar. Tem aqueles que analisam tudo friamente, outros intelectualmente e eu com o coração. Não sei escrever sem por um pouco de fantasias e ilusões em minhas palavras. Ouve uma época, não sei se foi antes ou depois de Cristo. Risos. Desculpem. Mas houve uma época em que se esperava tudo de um Escotista portador da Insígnia de Madeira. Qualidades técnicas, conhecimentos, experiência, e o melhor, o exemplo. Você não ia ver um Escotista com Insígnia se portando de maneira inadequada. Nunca. Ele sempre tinha um porte altivo sem ser antipático e que alguns que não o conheciam se sentiam constrangidos. Eu o via como destemido, ou melhor, um catedrático em escotismo. Afinal ele já era um docente no escotismo. Tinha que se portar como tal. Esquecer o abraço? O sorriso? O primeiro Sempre Alerta firme para mostrar que estava mais alerta que os demais? Sim, eram assim os Insígnias que eu conhecia no passado. Sei que haviam outros, mas não é destes que gostaria de falar. Eles não foram exemplos de que nós escoteiros somos irmãos e amigos dos demais.

              Davam gosto ver seu porte, seu olhar, alguns se sentindo escotistas de Giwell, outros se sentindo mais próximo da perfeição que nunca terminava, pois sabiam que um dia uma volta a Giwell ia acontecer. “Volta a Giwell terra boa, um curso assim que eu possa eu vou tomar”. Ele ou ela sabiam que seus conhecimentos precisavam de mais. De mais e mais. Eles ou elas sabiam que suas sessões agora seriam exemplo, mais olhadas, mais vistas e mais cobradas. Eles sabiam que seus uniformes deviam ser impecáveis. Nada de invenções. Quando você via um ou uma, com seu porte altivo, seu lenço bem dobrado, seu anel bem colocado, colarinho abotoado, uniforme bem passado, seu cinto brilhando, o orgulho do sapato engraxado você sorria. Ali está mesmo um membro de Giwell.

              Quando você convidava um para lhe ajudar em um curso qualquer, ele olhava na agenda. Diferente de hoje. Olhe Chefe preciso ver. Posso dar uma resposta outro dia? Temos acampamento, ou temos excursão ou prometi aos jovens participar com eles para assistir um filme no shopping. Era assim. Não saiam correndo e aceitando e dizendo aos quatros ventos – Agora sou da equipe! Nada disto. E quando você visitava suas sessões? Dava gosto de ver. A gente sabia que seu caderno não foi enfeite. A gente sabia que os livros de Baden Powell não foram encadernados e colocados no fundo do armário. Claro, eram outros tempos. Sei e me desculpem os amigos insígnias de hoje. Conheço centenas do presente que nada ficam a dever daqueles do passado. Eles quando se apresentam sabem que muitos sentem orgulho de suas sessões escoteiras. A eles, os de hoje meus parabéns.

              Entretanto tem alguns que não “pegaram” (termo de BP) o sentido da coisa. O que são. Suas responsabilidades. Ou quem sabe agora com o modernismo que dizem por aí, amarrar o lenço de Giwell no pescoço e sair por aí de chinelo, ou sandália. Será que eles também acreditam que é moda até para um membro de Gilwell? Lembro quando se recebia o certificado e lenço a gente tinha um arrepio na espinha, a gente tremia, e pensava, agora será tudo diferente. Tenho que ser mais do que era. Em questão de minutos e segundos a gente se transformava.

             Hoje fico triste em saber que temos muitos irmãos Insígnias de Madeira que se foram. Não estão mais na ativa. Cada um com seus motivos. Com a falta que temos de mão de obra Escoteira qualificada é triste ver este abandono. Eu sei que nossos dirigentes não pensam como eu, mas não seria bom pensar se tivéssemos em cada direção regional ou nacional, uma pequena equipe de arregimentação? Ir atrás deles. Quanta experiência jogada fora. Porque saiu Chefe? Volte conosco. Precisamos de você! Ajude-nos a mudar! Ajude-nos trazendo sua experiência. Mas para isto acontecer precisaríamos ser mais flexíveis, mais humildes, aprender de novo a ouvir. Saber como entender posições antagônicas. Isto seria possível?

                        Fico pensando e buscando no fundo de minhas memórias. Quantos de nós ainda estamos vivos e atuando? Quantos Insígnias temos em nosso país? Quantas são entregues por ano? É sonho pensar que se pelo menos boa parte dos membros adultos atuantes em sessões poderiam ser mais um de nós como seria maravilhoso? Basta querer? E meus amigos já pensaram se todos um dia pudessem se reunir em uma maravilhosa reunião de Giwell, centenas ou milhares deles, de todas as partes do Brasil, não importando suas ideias, suas ideologias, e abraçados, com as mãos entrelaçadas, cantando com orgulho nossas canções de Giwell? Fico pensando, se estivéssemos em uma clareira qualquer, em volta de uma fogueira, sentindo o calor do fogo e da fraternidade presente, as brasas aos poucos adormecendo, as fagulhas lânguidas e serenas subindo aos céus, todos nós fecharmos os olhos e irmos lembrar que o escotismo foi e sempre será nossa vida, nosso amor. Ele sempre estará presente na nossa mente, na nossa alma e em nosso coração. Ah BP! De você trago o espírito, sempre na mente, junto de mim e no meu coração estará!

                     Lembranças. Eternas lembranças. Elas nunca se apagam. E nos meus sonhos, nos meus devaneios, lá naquela clareira enluarada alguém começar a cantar, e logo todos os milhares de Insígnias juntos de mãos entrelaçadas, cantando sobre o manto azul do céu, sobre o brilho das estrelas iluminando ali os corações de todos nós, pois sabemos que além de sermos todos irmãos temos uma enorme responsabilidade a cumprir!

“Em meus sonhos volto sempre a Gilwell
Onde alegre e feliz eu acampei
Vejo os fins de semana com meus velhos amigos
E o campo em que eu treinei”

 “É mais verde a grama lá em Gilwell
Onde o ar do Escotismo eu respirei
E sonhando assim vejo B-P
Que sempre viverá ali”

Canção de Gilwell

Letra e Música: Ralph Reader

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Saudades do meu Lampião Vermelho encantado.



Lendas escoteiras.
Saudades do meu Lampião Vermelho encantado.

                Minha Avó olhava para mim e dizia – O lampião cum corosene só serve pra infeitá os comudu da casa. Era assim que ela falava. Eu gostava de minha avó. Mesmo com seu palavreado de mulher simples da roça, ela era a grande mãe que não conheci. Criou-me desde que nasci em uma casinha de barro e que ela sempre mantinha limpa e asseada. Minha mãe morreu de parto e ela sozinha me criou. Plantava roça para sobrevivermos, não deixava que eu andasse de qualquer maneira e fazia questão que fosse à escola mesma que tivesse de andar seis quilômetros todos os dias.

               Um dia ela remexendo em um baú, tirou de lá um Lampião Vermelho a querosene praticamente novo. Lembro que ela disse que meu tio que morava na capital o trouxe para ela a muitos e muitos anos atrás. Sabe o que ele me disse? Ela dizia - Disse que este lampião é sentimental. Fala, chora e ri. Claro não acreditei. Olhei-o. Estava novinho. Era lindo! Não queria testar. Faria isso só junto aos meus amigos da patrulha Raposa em um belo acampamento de verão. Deixei-o guardado em meu quarto até o dia que ele seria entregue ao intendente da Patrulha Raposa. Esqueci-me de dizer, participava de um Grupo Escoteiro na cidade. Todo sábado eu ia com meu uniforme, marchando a pé pela estrada sempre cantando uma canção escoteira.

               Tinha um pequeno prego na parede em meu quarto. Pela alça o coloquei lá. Já ia saindo quando ouvi um barulho que parecia um toque na parede. Voltei-me e vi o Lampião Vermelho. Balançava e fazia sinais e dizia: - Gostei de você. Vamos viver juntos por longos anos. Você nunca vai se arrepender de me ter como amigo. Não era possível pensei. Lampião Vermelho não fala. Mas como soube de um chapéu de três bicos de um "Velho" "Chefe" Escoteiro e um bastão totem da Patrulha Pantera que falavam, porque não acreditar no lampião vermelho?

             No sábado seguinte o levei até a sede. Foi apresentado a Patrulha e ninguém ligou para ele. Não davam importância. Vi que ele olhou para mim com os olhos tristes. Achou que seria bem recebido. E o pior aconteceu. Quando o doei para a Patrulha ele chorou. Claro não vi chorar, mas fui embora tristonho. Soube que tinha chorado na reunião seguinte. Deu-me saudades e fui até ao almoxarifado. Ele estava caído no chão, a querosene não sei como jazia em uma poça ao lado dele. De novo em sinais me disse da sua tristeza. – Não me deixe aqui. Não tenho amigos, tentei falar com a barraca e as panelas, mas elas nem ligaram para mim. O único que me disse alguma coisa foi aquele feioso e metido lampião a gás. Ele se acha o tal.

          Dei uma desculpa ao Monitor e o levei de volta. Um belo sorriso eu vi no vidro que ele portava. Pendurei-o no velho prego do meu quarto. Vi que ele deu uma sonora gargalhada. De novo em casa, disse. Não sei por que comecei a gostar do Lampião Vermelho. Quando chegava da escola ou dos folguedos na rua, sempre ia ao meu quarto e dar um sorriso para ele. Ele sempre me dizia que quando fosse ao acampamento iria mostrar o quanto podia me ajudar. Nem prestei atenção a isto. Mas o dia do acampamento chegou. Minha mochila eu já tinha arrumado e ele esperando que eu o colocasse também na mochila. Esqueci-me dele.

          Vesti meu uniforme e fui até a cozinha pegar minha ração de campo. Cada um de nos levava uma pequena quantidade que no acampamento seria juntado às demais. Era assim que fazíamos, pois gastar com taxas era difícil. Minha Avó já sabia como preparar. Linda minha Avó. Quando coloquei a mochila e dei até logo a minha Avó ouvi um barulho no quarto. Lá estava ele a balançar na parede e a dizer – Não vai me levar? Não foi para isto que fui feito? Sorri sem jeito e o coloquei na alça da mochila junto com a meia lona da barraca. Coube direitinho. Ele deu uma boa risada e disse – Vamos meu amo, vamos para um lindo acampamento e eu estarei ao seu lado. Em frente marche!

         Os seis quilômetros foi feito com sempre cantando. Achei que ele cantava também, mas como? Lampião na fala e não canta. Mas o meu falava e cantava. Na sede ninguém o notou. Colocaram-no na carrocinha todo material de campo e por cima amarraram o lampião a gás que sorria todo dengoso. Foram três dias de acampamento. Como sempre eu adorava. Os raposas eram unidos e pareciam uma família quando acampavam. Eu era o cozinheiro da patrulha. Sabia que gostavam de meus “quitutes”. Fazia tudo com presteza e as noites o Lampião a Gás iluminava tudo em volta.

          No segundo dia aconteceu um acidente. Bem não sei se foi um acidente. Fizemos um tripé e colocamos lá o Lampião de gás e o meu Lampião Vermelho. Vi de longe que os dois se estranhavam. Por duas vezes o lampião de gás bateu com força no meu lampião vermelho. Ele quase caiu. Ficou quieto. Saímos para fazer um grande jogo a tarde e só voltamos lá pelas seis já escurecendo. O Monitor gritou com todos: - Algum animal jogou os dois lampiões no chão. O lampião gás jazia com o vidro quebrado e camisinha em pandarecos. O lampião vermelho estava em pé e nada quebrado e quando olhei para ele o danado sorriu.

            Não ficamos no escuro à noite. Acendi o Lampião Vermelho e apesar de não ser uma luz clara que fazia o campo ficar como o dia o danado resolveu bem o problema. À noite eu estava sentado à beira de um pequeno fogo em frente a minha barraca logo todos se aproximaram. Ficamos ali conversando, cantando e vi que o Lampião Vermelho sorria. Estava feliz. Piscou para mim e por sinais me disse: Está vendo? Afinal eu sou um lampião dos bons! Pensei comigo, metido mesmo este Lampião Vermelho.

           No outro dia enquanto fazia o café da manhã e assava uns pães do caçador, o Monitor e mais dois da Patrulha se aproximaram. Começamos a conversar. Logo a conversa evoluiu para o Lampião Vermelho. Todos diziam que ele dava um aspecto mais mateiro ao acampamento. A noite ficava mais linda e as estrelas no céu brilhavam mais efusivamente. Não tinha pensado por este lado, mas olhei para o Lampião Vermelho pendurado próximo a nós em um tripé mais reforçado e vi que ele balançou para um lado e outro. Sorria como sempre o danado.

           Ouve outros acampamentos. Outras excursões. Lá estava o Lampião Vermelho a nos guiar e com sua luz bruxuleante nos trazia mais próximo à natureza. Ele mesmo nos ensinou como preparar o seu pavio para dar maior claridade. Ensinou-nos também que a querosene devia ser colocada pela metade em seu bujão. Ensinou que o pavio não devia ficar alto se não a chama forçava com a fumaça e iria sujar o vidro. Notei que os outros também passaram a conversar com o Lampião Vermelho.

             Por diversas vezes os patrulheiros da Raposa iam me visitar só para conversar com o Lampião Vermelho. Ele quando era noite pedia para acendê-lo e lá fora em frente ao meu barraco de barro, levávamos um banco de madeira e dois banquinhos e ficávamos horas e horas conversando. Minha Avó ao longe cantava uma canção sua predileta e olhava para nos embevecida e orgulhosa. O Lampião Vermelho agora era mais um da raposa. Ele também contava histórias, pois nunca mais perdeu uma atividade da patrulha.

              Um dia consegui passar em um vestibular para uma faculdade. Claro, já quase adulto e tive que ir para uma cidade grande. Iria levar minha Avó comigo, pois sabia que ia trabalhar de dia e a noite estudar e precisava dela como ela precisava de mim. Conversei horas e horas com o Lampião Vermelho. Vi que a tristeza e a dor da despedida o fizeram chorar baixinho. Eu também chorei. Não sabia o que fazer. Levá-lo comigo ou deixá-lo com a Patrulha? Dei a ele inteira liberdade de escolher. Você decide meu querido Lampião Vermelho.

             Não foi uma decisão fácil. Mas ele preferiu ficar com o novo Escoteiro que estava na Patrulha vindo do lobinho. Vi que eles se entendiam perfeitamente. Ele mesmo me disse que na cidade seria somente uma relíquia ou uma recordação de um passado saudoso. Ele não queria ser uma recordação. Achava que tinha muito ainda para iluminar as noites escuras dos acampamentos junto aos jovens escoteiros sonhadores. Assim como foi meu amigo e iluminou meus dias de juventude ele achava que iria ajudar em muito a nova juventude que iria aparecer na patrulha.

             O dia em que o Noviço foi buscá-lo, ele me olhou e chorou. Eu também chorei. Disse para ele: - Lampião Vermelho você me fez chorar muitas vezes. Deu-me muitas alegrias também. Mostrou-me novos caminhos, novos horizontes. Iluminou minhas noites alegres e tristes. Fez de mim um homem com sua maneira honesta de ver as coisas.  Não queria perder você, mas o destino muitas vezes não nos dá condições de escolha.


            Adeus meu querido Lampião Vermelho. Adeus. Espero que faça a todos felizes como me fez feliz por todos estes anos que ficamos juntos. Fiquei ali na porta do meu barraco de barro, a ver o Lampião Vermelho balançar e ficar sorrindo para o Noviço. Notei que os dois conversavam animadamente. Minha Avó veio de mansinho e me deu um abraço. Chorei nos braços dela. Nunca mais voltei àquela cidade. Nunca mais soube onde anda o Lampião Vermelho que fez parte da minha vida. Acho que ainda existe e deve estar fazendo milhares de acampamentos, excursões e vivendo uma vida feliz junto aos escoteiros que sempre amou.

terça-feira, 11 de junho de 2013

O sonho de Robert durou até o último verão.


Conversa ao pé do fogo.
O sonho de Robert durou até o último verão.

                         Tudo aconteceu porque Dona Milena, gerente do RH um dia disse me disse – Robert, você tem um futuro promissor conosco. Mas como você tem vários aqui na empresa. Sei do seu esforço pessoal quando lutou dois anos para conseguir um MBA (Master in Business Administration) para executivos na área de administração. Você sabe que não foi o único, portanto como você tem muitos outros. – Eu ouvia atentamente. Estava fazendo três anos que participava da Mavotini&Sati Ltda.. Logo ao me formar me foi feito um convite e o aceitei de pronto. Lisibel minha esposa também trabalhava em um conglomerado hospitalar e não podíamos nos queixar. Tínhamos uma vida sem sobressaltos. Manny nossa filha de seis anos estudava em um bom colégio de período integral. Mas eu queria mais. Afinal somos humanos e sonhamos em crescer sempre. – Dona Milena completou – Pois é Robert, vou lhe dar um conselho. Hoje em dia as grandes empresas estão valorizando muito o trabalho de executivos em todas as áreas, vi que tem uma área onde no seu curriculum não consta. O trabalho Voluntariado.

                         Fui para casa pensando. Comentei por alto com Lisibel. – Ela me olhou e disse – Porque não vai comigo aos sábados no Hospital do Câncer? Faço parte da turma de entretimento de jovens portadores da doença e é um trabalho maravilhoso. Ela já tinha me convidado outras vezes. No principio ficava em casa lendo, pois tinha livros e livros para me atualizar e na semana não dava tempo. Agradeci. – Vou pensar em outra coisa disse – Um sábado gostoso de verão, sentado em minha varanda vi dois jovens passando. Eram Escoteiros isto eu sabia. A maneira simpática no andar e no cumprimentar as pessoas que encontravam chamaram-me a atenção. Viraram a esquina e eu fiquei ali olhando Manny que brincava seus folguedos no quintal. Tudo começou a germinar na minha mente. Seria outra escola. Outra forma de voluntariado. Quem sabe os meus sonhos de juventude não poderiam ser revistos ali?

                        - Manny, venha cá – eu disse – Você já viu os Escoteiros? Ela meneou a cabeça. Parece-me ser divertido. Quer ir lá comigo conhecê-los? – Não deu outra. Fomos a pé. Era perto. Eles se divertiam em um pátio apertado, mas que dava para suas atividades. Perguntei ao jovem que passava onde encontraria o responsável. Ele displicente me mostrou o salão. Engraçado, uns fazendo excelente apresentação e outro deixando a desejar. O Senhor que me recebeu não me deixou falar muito. Parecia desconfiar de mim e de minhas pretensões. Deu-me duas fichas para preencher e trazer no sábado seguinte. Fiquei mais algum tempo lá olhando. Sinceramente gostava do que via. Mas parecia faltar alguma coisa. O que seria não pude saber na época. Talvez por estar acostumado a ser gerenciado e a gerenciar uma organização de forma estratégica, holística e sustentável onde o trabalho em equipe era imprescindível. Ali não via muito disto e quem sabe era assim o modo de ser das atividades deles.

                         Manny ficou impressionada. Gostou muito. Comentei com Lisibel. Ela riu e não disse sim e nem não. Voltei lá no sábado seguinte. Fui aceito de pronto. Estranhei, pois era uma organização de jovens e todo cuidado deveriam ter na admissão de adultos. O Próprio Chefe a quem chamavam de Diretor Técnico disse-me que seria meu assessor. Não entendi bem, mas estava bem motivado a começar. Levou-me até a Tropa de Escoteiros e só comentou com o Chefe deles que eu iria fazer uma espécie de estágio. Ele sorriu para mim e nem perguntou meu nome. Foi estranho isto, mas depois de alguns meses ele e eu nos tornamos grandes amigos. Um sábado comentou comigo sobre cursos e literatura. Interessei-me. Na semana tirei um tempo de almoço e fui até loja escoteira comprar os livros que ele me indicou. Não quiseram me vender sem provar que era um membro registrado da UEB. Não entendi isto. Para literatura?

                        Pela internet consegui três títulos do fundador na Salcedo, uma grande livraria em minha cidade. Quando eles chegaram fiquei dia e noite lendo. Devorei página por página. Adorei tudo que o escotismo poderia oferecer aos jovens. O fundador Baden Powell foi muito feliz nesta empreitada. O Escotismo para Rapazes, o Caminho para o Sucesso e o Guia do Chefe Escoteiro me nortearam em tudo daquilo que o escotismo possuía. Uma grande organização de jovens com possibilidade de mudar o mundo! Isto mesmo. Agora eu sabia, mas porque não faziam um grande marketing? Porque os jovens que hoje são adultos e que ali passaram não traduziam para seus pares, nas suas empresas, nas suas associações as vantagens de um movimento como ele? Isto me pareceu abstrato.

                         Tentei me entrosar mais. Conhecer mais profundamente o âmago da questão. Precisava me informar mais e tinha mil ideias a balançar minha mente. Achava que podia ajudar e muito. Afinal fiz muitos cursos, participei em diversos seminários e vi como seria fácil levar o escotismo aos pícaros da gloria. Lugar que ele sem sombra de duvida merecia. Inscrevi-me em vários cursos escoteiros. Foi ali que comecei a ficar decepcionado. Os lideres eram diferentes dos meus professores de faculdade e os grandes mestres do MBA o último que fiz. Havia no ar uma disciplina tal que amedrontava os alunos que discordavam. Uma força maligna que impelia a aceitar tudo para não ser defenestrado ou mesmo reprovado. Fiz outros cursos, em alguns o companheirismo imperava. Enquanto isto tudo que eu era na minha empresa, os cursos que fiz não tinham no escotismo o menor valor. Ou era um seguidor ou não era nada. Participei de algumas atividades nacionais. No Grupo Escoteiro um dia fizeram um Conselho de Chefes. Poucos falavam. Muitos querendo que terminassem logo para ir embora. Não resolveram nada, pois o Diretor Técnico era o dono das ideias. Não deixava mudar um milímetro do que ele entendia como certo.

                           A maneira de conduzir do Distrito e da Região também era como se fosse uma grande fazenda, onde só o proprietário dirigia tudo ao seu bel prazer. Dizer que tinha voz e voto seria difícil de aceitar. Eram muitos. Claro tinha aqueles grandes chefes que sabiam aonde chegar e arrastavam multidões com eles. Não desisti. Olhe que fiquei no Grupo Escoteiro por dois anos. Sempre como assistente do meu Chefe de Tropa. Neste interim em minha empresa fui promovido a gerente regional e sócio sênior com amplos direitos na minha área. No Grupo Escoteiro permaneci assistente. As Assembleias de Grupo eram insignificantes. Pais desinteressados e faltantes. Tudo que idealizava para dar um salto no conhecimento Escoteiro no país era rechaçado de pronto. Diziam que eu não entendia nada, pois escotismo era uma coisa, empresa era outra. Se dentro do próprio Grupo Escoteiro minhas ideias nunca foram debatidas, discutidas ou aprovadas que dirá nas outras esferas?

                             Aos poucos estava desistindo. Minha filha a Manny que outrora era uma entusiasta ia mais as reuniões por minha causa. Comentei com Lisibel. Ela não disse nada. Não me criticou, não criticou o escotismo. Sem levantar a voz disse que em organizações como o escotismo tinham muitos participantes adultos que seguiam a corrente, que pouco indagavam o caminho e nunca iriam querer identificar possíveis soluções e implicações, para uma tomada de decisões sólidas e fundamentadas com ideias de toda a sociedade escoteira. Achei que ela tinha razão. O pior é que eu passei a amar o movimento. Eles os Escoteiros diziam que tem um bichinho que morde e deixa lá seu veneno Escoteiro. Eu estava impregnado com ele. Mas tinha de sair. Não dava para ficar. Nunca me senti útil em toda sua plenitude. Tinha grandes conhecimentos, poderia ajudar e muito, mas era sempre tolhido pelos velhos lobos, ou lobos novos que surgiam para dirigir aqui e ali os caminhos que eles achavam importantes.

                              Afastei-me. Até hoje passado quatro anos ainda tenho saudades. Meu sonho não acabou. Ainda penso em voltar, mas aquela chama do passado hoje não é tão grande como foi. O meu amor ao escotismo não era maior do que a realidade que acreditava. Eu sabia que ele nunca iria ser extinto. Não era um mastodonte que nunca foi esquecido, mas hoje não mais existe. Hoje sou o Diretor Presidente da empresa que presto minha colaboração. Ali todos nós os colaboradores sabemos que para vencer precisamos trabalhar em equipe. Desde o mais humilde ao mais alto escalão. Ali coloquei em prática que a felicidade só existe quando fazemos os outros felizes. Baden Powell me trouxe enormes conhecimentos. Pena que nosso escotismo esqueceu-se de suas palavras. Parece mais um urso hibernando na fantástica caverna dos sonhos impossíveis.


                              Meu último verão se fora. Quem sabe um dia, a primavera vai chegar soprando os ventos da boa nova. - O que sempre sonhei para o escotismo.
Ver milhões participando, mudando tudo que está aí hoje. Fazendo felizes os vários rincões do país onde uma politica saudável, onde o respeito à dignidade humana prevalece sobre tudo, e onde a ética e a honradez faz parte de todos aqueles que um dia participaram e vivenciaram um escotismo. Um novo Brasil. Uma nova mentalidade. Quem sabe o doce sabor da primavera irá trazer o escotismo no coração de toda a comunidade brasileira? O escotismo que um dia amei e nunca deixei de amar?

segunda-feira, 10 de junho de 2013

A fabulosa odisseia da Matilha cinzenta.


Lendas escoteiras
A fabulosa odisseia da Matilha cinzenta.

((Os personagens - Tiquinha (Lucilene Bastos), Patropi (Paulo Fernando), Mister Mosca (Joel Silveira), Neka (Antonia Farisson), Grilo (Jorge Assunção) e Professor (Pedro Sales))).

                       - Tiquinha, quando vai terminar as férias? – demora ainda Patropi demora muito, semana passada você já tinha perguntado. Mister Mosca era o único que estava plugado na Internet. Neka e Grilo jogavam paciência e o Professor era o único que estava a escrever em um caderno. – Todos as terças eles se reuniam em casa de um dos participantes da Matilha Cinzenta. A alcateia estava em férias. Sempre fora assim em julho. – Precisamos mudar isto, não dá sem reuniões só porque alguns chefes vão viajar, disse Neka – Eu concordo com você, sem uma reunião uma excursão ou um acantonamento e sem escola o tempo não passa! Disse o Grilo. – Olhem, não somos uma matilha? Afinal na jângal os lobos não se viravam sozinhos? Disse o Professor. Todos olharam para ele. Fale mais Professor. – Bem acho que podemos fazer uma atividade de um dia só para nós. Não estamos em férias?

                         Todos eles pertenciam a Matilha Cinzenta. Estavam juntos a mais de dois anos exceto a Tiquinha e o Grilo com um ano. Eram grandes amigos. Sempre as terças se reuniam em casa de um deles. Hoje estavam na casa do Professor. Dona Filó sua mãe sempre dava uma olhada no quarto para ver o que estavam fazendo. Agora estava na cozinha preparando um lanche para eles. Ela gostava de todos da Matilha. Eram seis e grandes amigos e muito educados. Jovens naquela idade não costumava ser assim. Mas Dona Filó nunca imaginou o que eles naquele instante estavam planejando. Se soubesse não estava sorrindo e sim chorando. Não só ela, mas como todas as mães e pais dos seis loucos e sonhadores lobos da Matilha Cinzenta.

                           Ficaram ate às sete da noite quando os demais pais foram buscá-los. O local foi escolhido pela internet. Um lugarejo antigo, onde existia um trem que aos sábados e domingos fazia o trecho explorado turisticamente. Na internet viram as fotos. Lindas, maravilhosas. E a nevoa que encobria com uma bruma cinzenta a cidadela? E aquela estradinha que levava a riachos de pequenas cascatas com águas cristalinas? Era demais. Poderiam achar a Pedra do Conselho. Quem sabe o Lobo Gris estaria lá? Todos estavam com a adrenalina à flor da pele. Discutiram a hora de saída, hora de chegada, o que deviam levar apetrechos com uma bússola (não entendiam nada dela) e lanterna. Um lanche extra no caso de demora de retorno. Como iriam ficar fora o dia inteiro teriam de mentir. Detestavam isto, mas não tinha saída. - Não dizem que somos todos viajantes do tempo, estagiando nesta odisseia de uma longa viagem cheia de aventuras, peripécias e eventos inesperados? Disse o Professor. Concordaram com ele.

                          Em um gravador com a voz dentro de um latão de cem litros imitaram a voz do Balu. Ele dizia que estavam chamando os lobos para uma reunião especial que ia durar o dia inteiro no sábado. Os pais deviam trazê-los pela manhã e busca-los à tardinha. Levar um lanche reforçado. Ao receberem o telefonema os pais não duvidaram. Quando ficaram sós na sede, pois os pais confiavam e os deixavam na porta indo embora em seguida eles partiram para o ponto de ônibus. – Acho que estou com medo – disse Neka. – Calma, vais ver que será tão divertido que o sorriso ficará sempre presente em você e todos nós – disse Patropi. O ônibus os deixaram na Estação Ferroviária. O trem não demorou. Os passageiros sorriam com aqueles seis jovens de mochila e uniformizados de azul. A maioria sabia que eram lobinhos e lobinhas. Ninguém se perguntou onde estavam os chefes.

                          Quase duas horas de viagem. Chegaram. A estação era bem antiga. Desceram e subiram uma grande escada de ferro. Logo em uma passarela enorme tiveram uma bela visão. A cidade aos seus pés e a bruma cinzenta em volta. O Professor sabia onde deviam ir. Pesquisou muito. Atravessaram a cidade e ninguém estranhou aqueles jovenzinhos de azul boné estiloso e mochila as costas sem um adulto. Ninguém se perguntou. Logo avistaram a estradinha. Linda. Em volta um arvoredo cheio de pássaros e beija flores coloridos. Estavam em êxtase. Maravilha tudo aquilo. A estrada diminuiu. Agora era uma trilha. Ninguém queria parar. Cada um se sentia em plena Jângal. A mente buscava a Akelá ou quem sabe o Balu atrás de alguma árvore. Nem pensavam em voltar. Todos sonhavam em chegar à Pedra do Conselho. Sabiam que lá estaria o lobo Gris e seus irmãos. Foi Patropi que disse estar com fome. Pararam para um lanche. Conversavam entre si cada um fazendo perguntas que o outro não sabia responder.

                         Eram duas e meia da tarde, hora de voltar. Mas e o riacho com cascatas de águas cristalinas? E a Pedra do Conselho? – Neka que tinha um relógio marcou o tempo. Seguiriam por meia hora. Se nada encontrassem meia volta. Viram o riacho. Lindo, nada mais que um banho, pois não foram ali para isto? – Um banho lindo e formidável. Brincavam, gritavam, riam cada um olhando para o outro e mostrando a alegria de estarem ali. Esqueceram-se das horas. O sol sumiu. Assustaram-se. Tiquinha pensava como voltar. – E agora? Perguntou. – Calma, disse o Professor. Todos nós devemos agir com calma. Vamos aproveitar antes de escurecer e voltar para vermos se achamos a estrada. O dia se foi. Não enxergavam nada. Tiraram as lanternas. Mesmo assim não viam nenhuma estrada. Outra trilha e a noite chegou sem lua. Nem as estrelas eles viam. – Que burrice fizemos? Disse o Mister Mosca – Não devíamos ter vindo – disse o grilo. Só Patropi e o Professor mantinham a calma. Eram uma da manhã de domingo. O Professor achou por bem parar. Seguiriam no dia seguinte. O que os pais iriam dizer ficaria para depois. Agora era dormir um pouco. A Tiquinha descobriu um isqueiro em sua mochila. Com lanternas juntaram uns gravetos. A fogueira esquentou a cada um. Os olhos fixos nas chamas que subiam aos céus.

                       Acordaram pela manhã com um Canário Belga cantando e um Bem Ti Vi procurando com seu cantar sua companheira. Olharam em volta, nenhuma trilha. Tiquinha começou a chorar. Neka também. Patropi soluçava. Mister Mosca e Professor de olhos fechados não sabiam o que fazer. Só o Grilo ainda sorria. De que ninguém sabia. – Na sede os pais desesperados. Policia, bombeiros, O Diretor Técnico, a Akelá, o Balu e vários Escoteiros falavam ao mesmo tempo. - Onde foram? Ninguém sabia. Fizeram varias equipes para perguntar na redondeza. Ninguém viu. – Capelão um bêbado do bairro disse que eles pegaram o ônibus da estação ferroviária. Ninguém acreditou nele. – Farofa era Monitor da Falcão. Chamou a patrulha. Só vieram cinco. Os demais estavam de férias viajando. – Vamos achá-los disse. Faremos duplas, uma delas pegue o ônibus da estação. Tendo alguma noticia ligue para os outros.

                   O domingo se foi. Nada da Matilha Cinzenta. À noite ninguém podia fazer nada. Na mata a Matilha não tinha saído do lugar. Sabiam que estavam sendo procurados. Dividiram os lanches para dois dias. Muitos saquinhos de biscoitos, batatas palhas e balas. O choro agora era de todos. Neka segurou na mão de Tiquinha, que pegou na mão de Patropi e assim todos deram as mãos. Resolveram rezar. – Pai nosso, que estais no céu, santificado seja o teu nome... Se alguém pudesse ver aqueles seis lobinhos rezando em plena mata escura também iria chorar junto a eles. Mais um noite em que dormiram juntos e abraçados. Uma fogueira cujas fagulhas subiam aos céus, iluminando uma coruja astuta que olhava para eles sem saber o que estava acontecendo. Dormiram e sonharam com Deus, com Jesus sorrindo para eles e dando esperanças.  Acordaram na segunda feira. Ninguém apareceu.

                    Farofa não desistia. Ele mesmo foi até a estação. Ficou lá mais de quatro horas conversando com um e outro. Os patrulheiros insistiam em voltar. – Farofa, não adianta, ninguém viu e ninguém sabe, disse Lumpaza. Mas Farofa não desistia. Risoleta trabalhava na banca de jornal. Viu os Escoteiros perguntando. Lembrou-se dos lobinhos. – Foram no trem de sábado para Paranapiacaba. Não vi eles voltarem, pelo menos no horário que trabalho aqui. – Pronto. Uma pista. Farofa ligou para o Chefe Trovão. Sabia que ele daria noticia a todos. Sabia que em pouco tempo Paranapiacaba estaria cheia de bombeiros, policias, a turma de sobrevivência na selva e helicópteros. – Eu vou no próximo trem disse – Toda a patrulha disse que agora era questão de honra eles serem os primeiros a encontrarem os cinzentos. Em Paranapiacaba só um guarda civil lembrou deles. – Pegaram a estradinha da serra do mar. Farofa conhecia tudo ali com a palma da mão.


                    No final da estradinha duas trilhas. Japirú era bom em pistas. Logo viu as pegadas deles. Fácil de seguir. A Trilha acabou. Matos quebrados. Seguiram em frente. Mais meia hora e lá estavam eles abraçados e chorando. A fome apertava. Quando viram os Escoteiros foi um grito de esperança. Um mês depois eles contaram na Alcateia tudo que aconteceu com eles. Mas não com orgulho e sim como um “mea culpa”. Ninguém nunca deveria agir como eles. Não leva a nada. Mentiram para os pais, para os chefes. O lobinho não diz sempre a verdade? E eles não sabiam como agir. Se adultos se perdem e muitos morrem, eles nunca poderiam ter feito o que fizeram. Seus pais choraram tanto de alegria que nem brigaram. Mas ficaram de castigos em casa por três meses. Queira ou não os seis lobos cinzentos da grande odisseia nunca foram esquecidos. Todos os lobos falavam deles para todo mundo. Uma fama se criou e até hoje naquele Grupo Escoteiro as historias contadas não condizem com a realidade. Mas todos tem seus heróis aventureiros. Se fosse para o bem que seja. Não faria mal a ninguém. Seja sim ou não, que a Matilha cinzenta aprenda com seus erros. 

domingo, 9 de junho de 2013

O inesquecível Chefe Bolota, ele sim era o “cara”!


Conversa ao Pé do Fogo.
O inesquecível Chefe Bolota, ele sim era o “cara”!

                       Nunca esqueci o dia que ele chegou à sede. Todos se assustaram. Eu mais ainda. Quando o Chefe Jessé o apresentou e disse que o Chefe Bolota seria o novo Chefe da tropa todos arregalaram os olhos. Ali na sua frente um homem baixinho, não mais que um metro e cinquenta e cinco ou menos, gordinho, cabelos crespos amarelados e seu rosto era admirável. Duas bochechas vermelhas gordinhas escondidas por uns olhinhos azuis diminutos. Moreno. Bem moreno. – Deu um belo de um sorriso e disse – Vim para aprender com vocês. Nossa! Onde amarrei minha égua? Eu pensei. – Tropa! Disse o Chefe Jesse, infelizmente fui transferido para Aguas do Sul.  Não posso mais continuar com vocês. Sei que sabem como levar a frente às atividades. A cada quinze dia voltará aqui e vamos conversar. Mas a responsabilidade da tropa ficará com o Chefe Bolota!

                       Uma palma mexicana foi dada ao novo Chefe. Ficamos assim meios cismados, pois como o Chefe Jesse tínhamos grandes liberdades. Acampávamos quando decidíamos. E reuniões eram quase todos os dias. Será que ele iria mudar? Chefe Jessé se foi. Chefe Bolota ficou. Sorria, quase não falava. Achamos sua voz um pouco estranha. Porque não o conhecíamos na cidade? Dois meses depois aprendemos a gostar do Chefe Bolota. Mais parecia um de nós. Ia à casa do Pedrinho, na minha, na do Romildo enfim ia à casa de todo mundo. Os pais o adoravam. Passaram-se quase cinco meses quando ele apareceu com o Padre Werner Braum da Paróquia de Santana. Todos conheciam a fama dele.  O chamávamos de alemão de Hitler. Sem conhecer ele e o  Hitler tínhamos um medo danado dele. Foi o Chefe Bolota quem nos apresentou. - Amigos e irmãos escoteiros, vocês não sabiam, mas sou sacristão na Igreja de Santana. Pronto estava explicado.

                     Agora tínhamos de participar da missa do Padre Alemão. Ninguém faltava. Chefe Bolota sorria de alegria. Pegou alguns de nós e fez um coro. Queria que outros se tornassem coroinhas. Chefe Bolota estava mudando tudo. Não era aquilo que fazíamos. Mas o olhar do Padre Werner era mortal. Ninguém dizia não. Um dia tivemos uma enorme surpresa. Um caminhão do Sexto Batalhão da Policia Militar parou na porta da sede. Um sargento pediu ajuda. – São para vocês! Menino! Ficamos espantados! Mais de duzentas mochilas praticamente novas,  quarenta barracas de duas lonas, oito barracas de oficiais, cantis, machadinhas, picaretas nossa! O que era aquilo? – Um pedido do Padre Werner ao comandante para vocês. “Enricamos” estávamos ricos. Por mais de cinco meses não faltamos às atividades da igreja de Santana. Mas nem tudo dura para sempre. As saudades das excursões, dos acampamentos, das atividades volantes, bivaques, tudo agora estava paralisado.

                        Chamamos o Chefe Bolota. Fizemos um Conselho de Tropa. Explicamos. Ele entendeu. Mas não sabia como conciliar com a igreja. O que ele diria para o Padre Werner? – Na semana seguinte chegou ele e o padre Werner no dia de reunião. Ficamos calados. Esperávamos o pior. – Escoteiros, acho que me enganei com vocês! – Putz! A barra ia pesar pensei. – Enganei mesmo. Vocês são escoteiros e a vida que devem levar é no campo e não na igreja. Vamos fazer um trato. Pelo menos uma vez por semana irão à missa. Uma vez por mês irão se confessar. Portanto nos demais dias, façam o escotismo como ele é. Aventuras, nada mais que isto! – Grande padre Werner.

                       Chefe Bolota estava conosco. Precisavam o ver cantando junto à carrocinha quando íamos para o campo. Sede? Uma vez passamos dois meses sem reunião lá. Foi na época que atravessamos as corredeiras do Rio Doce em Derribadinha. Uma aventura e tanto. Chefe Bolota caiu da jangada. Gritou não saber nadar. Vários de nós a ajudá-lo até uma grande pedra no meio do rio. Ele contava para todo mundo sua façanha e seus heróis. Não sei se ele se tornou um grande mateiro, não sei. Um ano e meio conosco nos deu a noticia – Fui aceito em um seminário. Sempre desejei ser um homem de Deus. Partiu assim como chegou. Quatro anos depois apareceu na sede. Apresentou-se como um novo padre no mundo. Rezamos com ele ali na sede uma linda missa escoteira.


                       Partiu para uma paróquia no interior de Pernambuco. Nunca mais o vi. A tropa sempre ao redor do fogo lembrava-se dele. Dávamos risadas, contávamos casos que foram repetidos por muitos e muitos anos nos fogos de conselho da vida. Chefe Bolota era figura central nas enquetes, jograis e histórias que por muitos e muitos anos aconteceram em nossos Fogos de Conselho. Sempre é bom ter boas coisas para lembrar. Chefe Bolota foi Chefe escoteiro. Pouco tempo. Mas acreditem, marcou mais que o nosso antigo Chefe Jessé. Tempos que se foram. Tempos que se dizia – Se tens uma Corte de Honra funcionando, tens uma tropa em ação. Assim éramos nós. Amigos e irmãos uns dos outros. Acampando com a Patrulha ou com todas juntas sempre riamos e dizíamos – “E quem precisa de Chefe”?