Uma linda historia escoteira

Uma linda historia escoteira
Era uma vez...

sábado, 10 de agosto de 2013

Micoçar o Charreteiro e o Comissário Escoteiro Viajante.



Lendas Escoteiras.
Micoçar o Charreteiro e o Comissário Escoteiro Viajante.
(uma história baseada em fatos reais - Repeteco)

                Tem dias que a gente fica assim meio “paradão”, vontade de fechar os olhos e não fazer nada. E o pior é que nestes dias as lembranças surgem e até a gente dá boas risadas com o passado. Micoçar tinha uma charrete. Transportava pessoas. Naquela época eram chamadas de “freguês”. O termo cliente surgiu tempos depois. Se não me engano eram uns vinte charreteiros. Viviam disto. Quase não existia taxi na minha cidade. Eles eram educados. Na estação da estrada de ferro formavam uma fila educadamente e ninguém atravessava o outro. Eu nos meus dezesseis anos conhecia todos eles. Micoçar era o mais conhecido por oferecer rosas às moças que alugavam sua charrete.

                 Um dia ele apareceu na sede Escoteira. Na sua charrete um “freguês”, ou melhor, Um Chefe Escoteiro. Desceu garboso e se apresentou: - Sou o novo Comissário Escoteiro Viajante nesta região. Chame seu Chefe. Caramba! Nosso Chefe era o Chefe João. Só ia a sede uma vez por mês. Sargento da policia militar. Gente boa. Um segundo pai para mim. Mas nossas reuniões não são como hoje. Sem aqueles programas de Bandeira, oração, inspeção, chamada, jogos. Éramos duas patrulhas sêniores a Gavião e a Elefante. Só bem mais tarde foram alterados os nomes de patrulhas seniores para pessoas ou locais históricos. Não sei se o que fazíamos era o certo, mas dos treze seniores só um tinha entrado como escoteiro os demais vieram dos lobinhos. Romildo Monitor pediu ao Chiquinho para leva-lo a casa do Chefe João.

                  À tarde daquele sábado fomos chamados a casa dele. Ele estava sério. - O Comissário quer fazer uma reunião para mostrar como se faz escotismo. Disse que o que viu vocês fazendo estava errado. Exigiu que eu estivesse presente. Se não fosse Escoteiro eu teria mandado prendê-lo. Arrogante o moço. Eu não vou, mas vocês todos devem ir. A reunião ficou marcada para domingo pela manhã. Em frente à sede e atrás do Cine Pio XII. Havia um campinho de futebol onde nos reuníamos. Ele queria a tropa Escoteira, mas ela estava acampando na Caverna do Macaco próximo ao Rio Doce. No domingo lá estávamos. Ressabiados. Não sabíamos o que ele ia aprontar. Chegou como sempre com o Micoçar. Ele alugava a charrete pelo dia inteiro. Apresentou-se a nós – Sou Chefe Escoteiro do grupo tal. Como hoje viajo muito como representante comercial (conhecíamos como caixeiro viajante) fui nomeado Comissário Viajante para ensinar aos grupos da minha área como fazer escotismo e exigir o registro de cada um de vocês!

                 Assim ele começou a reunião. Tudo nos padrões que hoje conhecemos. Eu mesmo dei muitas sessões em cursos falando sobre isto. Não estava errado. Mas aprontou uma correria que nos deixou perplexos. Queria a todo custo fazer uma competição entre nós. Éramos amigos. Nunca gostamos disto. Nenhuma Patrulha era mais que a outra. Até ai tudo bem. A missa acabou e um mundão de gente ficou ali nos olhando. Nesta hora ele resolveu cantar uma canção. Hoje muito apreciada e até adoro cantar. Mas naquela época? A Piaba. “Sai, sai, sai oh piaba saia da lagoa”. E quem entrava na roda dava uma umbigada e tinha que rebolar. O povo todo em volta dando risadas. Nós vermelhos de vergonha. Na minha vez entrei rebolei um pouco e sem querer olhei para o Micoçar que ria a valer e gritava baixinho; - Telirio! Telirio! Para quem não sabe esse coitado (desculpe o termo) era o único Gay conhecido da cidade. Quer comprar uma briga? Chame o outro de Telirio. Desisti. Romildo também. O povo morrendo de rir. O chefão gritando: - voltem todos. Não dispensei ninguém!

                 Coitado. E quem obedeceu? Ficamos ali de braços cruzados morrendo de vergonha por ficar rebolando. O pior que hoje quando lembro penso comigo como eram os tempos passados. Hoje adoro cantar a Piaba e rebolar. Risos. Ele saiu com Micoçar e foi direto a casa do Chefe João. Micoçar olhou para trás rindo e falou baixinho para mim – Telirio! Oh! Vontade de esmurrar o Micoçar. Só sei que ele falou cobras e lagartos com o Chefe João. Ameaçou fechar o grupo. Ameaçou tanto que o Chefe João o pegou pela camisa, o arrastou até a Charrete de Micoçar e disse – Suma! Se aparecer na minha frente de novo deixo você uma semana no xilindró! Dia seguinte o Chefe João nos contou toda a conversa. Disse que não tínhamos seniores. Sim um bando de indisciplinados (até certo ponto com razão). Exigiu que se fizesse um Conselho de Tropa e destituísse ambos os Monitores. Disse que enquanto não fizermos tudo isto o grupo nunca seria registrado.

                  Interessante. Nunca fomos registrados. Nosso grupo tinha mais de trinta anos de atividade e nunca fizemos registro. “Belle Époque”, outros tempos. Uma Segunda Classe suada. Primeira Classe? Não era para qualquer um. Um orgulho do caqui curto. Orientar com os ventos, com a lua, com as estrelas e as constelações. Pescar para comer na hora, armadilhas de pássaros para um bom assado. Comer mandioca do mato, aipim. Uma sopa de capim gordura. Bananas verdes fritas na brasa. Bundinhas de Tanajura na panela estouravam como pipocas. Risos. Nunca desistíamos do escotismo. Tinha pena dos novatos. Quase não havia vaga. Trinta e seis lobinhos onde só podia ficar vinte e quatro. Cinco Patrulha de oito onde deveriam ser quatro. Sênior? Este sim. Não era para qualquer um. Duas Patrulhas só. Cidade pequena. Nesta idade a maioria dos rapazes estouravam a idade na tropa e tinham de trabalhar. Serem aprendizes. Não existia a Semana Inglesa. (parar aos sábados ao meio dia).

                   Outro escotismo? Pode ser. Escotismo do campo. Sem chefes. Só os monitores indo e vindo. Viver na natureza. Olhando as flores desabrocharem. Colocando os pés na água fria e cantar baixinho – Ah! Que gostoso! Olhar o sol caminhando para o oeste e dizer – É para lá que vamos! Hoje não dá mais. GPS, ele lhe mostra tudo. O Chefe ali com você. Alguns fazendo tudo. Você não precisa pensar. Nem calcular mais se precisa. O Google lhe dá as respostas de tudo. Tabuada? Ficou na história. Um celular ou um smartphones para quando der uma parada na jornada entrar no Facebook. Ver os e-mails. Isto sim é moderno. Olhar os pássaros? Os animais? Descobrir novos caminhos? Quem sabe olhar a abóboda celeste e descobrir as estrelas? Ver um cometa riscando os céus e saber de qual constelação estavam vindo ou indo? Nada disto. Tudo mudou e para melhor. Nesta época moderna não cabe mais um Romildo, um Jessé, um Taozinho um Israel ou mesmo um Micoçar ou eu mesmo. Belos taxis hoje. Uma charrete só como peça de museu.


E sabem? Eu e Micoçar anos depois nos tornamos grandes amigos. O tal Comissário alugou sua charrete por dois dias e não pagou. Foi embora e deu o cano. As patrulhas fizeram uma “vaquinha” e pagaram em suaves prestações. Sua charrete me levou a belos lugares por vales e rios desconhecidos. Charretes! Também foram engolidas pela modernidade. Pelos novos tempos!

UMA EXPLÊNDIDA REUNIÃO DE ALCATEIA E TROPA HOJE.

UMA EXPLÊNDIDA REUNIÃO DE ALCATEIA E TROPA HOJE.



Meus amigos já devem ter notado. Dificilmente posto fotos de chefes. Lá um ou outro cuja postura merece destaque. Sabem, reparem que são sempre alguns chefes (poucos) que querem ficar diferente. Usam uniforme diferente, colocam chapéus ou bonés na cabeça diferente e não adianta dizer que são exemplos. Ainda bem que os jovens com raras exceções se apresentam bem melhores que eles. Mas e dai? Risos. Dai que estou me sentindo fora do “eixo” – Chefe o que é isto? Risos. Desculpem. Tenho lido aqui tantas ideias, tantas alterações em tudo, tantos cursos com nomes fantásticos que me pergunto: - Será isto mesmo que os jovens querem?
Raramente os vejo sendo consultados. Claro sei de muitos que pesquisam com seus jovens. Mas sabe, quando vejo uma patrulha fazendo uma pioneiría e um Chefe junto ajudando me pergunto – Aprender a fazer fazendo? E olhe fico triste quando vejo chefes falando com toda a tropa. Para quer os monitores?  Ops. Desculpem, não sou contra os chefes, nada disto. Sou contra o que estou vendo e isto não me agrada sinceramente. Minhas postagens são claras sobre a ideia do escotismo. Simples na sua essência, maravilhoso no seu desenrolar, alegre na sua formação. Me pega no pé ver tantas idiocracia por aí. São tantos a falar sobre isto e aquilo que não sei onde vamos parar.
Hoje tem reunião. A lobada, a escoteirada estará lá na sede à espera dos chefes. Estarão esperando uma reunião estupenda. A maioria se preparou para isto. Vai ser sim uma tremenda de uma reunião. Espero de coração que ouçam mais seus jovens. Não façam por eles e nem me venha dizer que é assim que eles querem. Somos um movimento de ação. Formar e mostrar o melhor caminho aos jovens. Conheci centenas de chefes sem nenhum curso, mas cuja tropa ou Alcateia andavam com suas próprias pernas. Um dia um sênior me disse – Chefe, onde tem um sênior tem uma tropa e onde tem uma tropa sênior ela sabe andar só. Chefes? Queremos sim mas para ser um de nós!


BOA REUNIÃO MEUS AMIGOS! 

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Se existem sonhos, a vida continua.


Crônicas de um Velho Escoteiro.
Se existem sonhos, a vida continua.

       Foi em uma manhã como as outras. O sol brilhando. Hora de partir. Seria uma simples caminhada como fazia todos os dias. Sentia-me bem e enquanto caminhava dava tempo de pensar no passado e no futuro. O presente eu o estava vivendo e o achava radiante. Eu sorria feliz. Caminhava com prazer e alegria e em passos trôpegos, pois a idade e os prêmios que ela a idade me trouxe não me deixavam ir mais rápido. Era uma trilha. Uma linda trilha. Eu a descobri por acaso há alguns meses. Havia marcas a cada cem metros. A trilha não tinha mais de um quilômetro. Para mim o suficiente. Sabia que meu corpo de Velho trôpego não ia aguentar mais.

      Tinha percorrido não mais que quatrocentos metros. Ainda faltava seiscentos para o final. Eu ia aguentar sem sombra de dúvida. Não dizem que devagar se vai ao longe? Os dois jovens se emparelharam ao meu lado. Dois frutos da mocidade. Ele com seus dezessete ou dezoito anos, alto, forte, camiseta para mostrar seu tórax e seus músculos fortes. Ela seus quinze ou dezesseis anos. Magrinha e pequena, mas sadia. Sorridente ao lado do seu amado. – Ouvi seu vozeirão dirigido a mim - Velho levante o corpo, aprume os ombros, ande feito homem! – Olhei para ele. Sorri. Não ia dizer nada. Não tinha o que dizer. – Ele continuou – Conheço muitos velhos como você que andam feito homem! – Pensei comigo se eu era homem mesmo. Mesmo assim não disse nada e sorri.

     A caminhada ainda estava longe do final. Seiscentos metros percorridos. Eles ao meu lado. Lembrei que quando cheguei passaram por mim correndo. Deram uma volta enquanto em andava em passos de tartaruga. – Velho ele continuou – Esqueça suas dores, suas doenças, vamos Velho levante os ombros, dê uma passada mais larga. Ande feito gente grande! Quantos iguais a você percorrem caminhos mais longos? Quantos iguais a você ainda fazem questão de correr a São Silvestre? – Eu olhei de novo para ele. Minha respiração começou a acelerar. Era hora de diminuir o galope trôpego que estava dando. Sabia que meu ar tinha de ser dosado. Ele faltava de vez em quando. De novo olhei para ele e sorri. Não disse nada. Estava cansado. Muito. Para que responder a ele?

      A jovenzinha o pegou pelo braço. Vamos meu querido. Ainda temos mais de vinte voltas a percorrer. Deixe o Velho em paz! Olhei para ela e senti uma alma boa. A gente nesta idade sabe onde mora a beleza no coração. – Ele rispidamente respondeu a ela que sabia a hora de correr. Que ela ficasse na sua! Ela abaixou a cabeça e não disse mais nada. Era submissa. Será que seria uma boa esposa? Não sei. Prefiro não comentar o futuro dos dois. Ele olhou para mim sorrindo – Velho, vais morrer logo. Parece como o meu pai. Sempre se entregando ao corpo. Eu nunca serei assim, sempre serei forte e a velhice nunca vai existir como existe em você. E o jovem partiu correndo. Sua cara metade correu atrás.

     Eles viraram a direita na trilha que se escondia ao longe do pequeno bosque. Eu continuava calado, sorria, sabia o que eu era e o que sou e quem sabe o que serei. Desejei a ambos que a felicidade morasse para sempre em seus corações. Eu sei que sou Velho. Um dia fui moço, corri mundo com meu chapéu de abas largas, com minha mochila escoteira, arvorei bandeiras aqui e ali por este país imenso. Eu me julgava imune à velhice. Mas ninguém escapa ao seu destino. Que ele e ela tivessem uma velhice tranquila. Senti uma brisa leve e intermitente no rosto. Eu gostava. As brisas das manhãs sempre me faziam lembrar-me do meu passado, das grandes caminhadas. Das grandes aventuras que se foram. Acho que era por isto que eu estava ali todos os dias.


      Custei muito, mas consegui chegar ao final. Tartaruga ambulante eu me apelidei. Sorri para mim mesmo ao pensar assim. Amanhã estarei de volta nesta gostosa trilha dos amores, dos sonhos e sentir que a vida continua. Não sei se os verei novamente. Não importa. Se isto acontecer irei sorrir para eles. Enquanto puder darei minhas voltas de um quilômetro. Não mais. Não adianta tentar andar mais que isto. Minha respiração não é boa. Queria um dia dizer a eles que tentava empinar os ombros, andar ereto. Fazia isto sempre no inicio das caminhadas. Mas estava enganando a mim próprio. Meu corpo se esvai aos poucos. Se não fosse estas pequenas caminhadas eu sei que estaria entregue a um corpo inútil em uma cama qualquer de um pronto socorro da vida. Farei quantas caminhadas conseguir. Sorrirei para quantos jovens encontrar. Lembrei-me do lindo versinho de Maria Cláudia – “Antes de correr, aprenda a andar. Tudo na vida tem sua hora, seu lugar. Tartarugas também chegam La!”. E meus amigos, se existem sonhos nos sabemos que a “vida continua”!

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Abba Fayard um menino mulçumano que sonhava ser Escoteiro.



Lendas escoteiras.
Abba Fayard um menino mulçumano que sonhava ser Escoteiro.

             Abba Fayard nasceu em Zareh Sharan uma pequena cidade do Afeganistão. Desde pequeno todos os dias recitava a Shahada, pois ensinaram a ele que não há outro Deus que não Alá e Maomé, fazia as preces de manhã antes de ir para a escola e lá as preces do meio dia e ao retornar ao anoitecer e pela noite. Todas as sextas feiras ia com sua família a mesquita. As preces ele aprendeu a fazer em língua árabe, sobre um tapete e voltado para a Meca.  Fazia questão de dar uma esmola legal desde que seu pai ou tio dessem a ele uma moeda. Sua família fazia frequentemente doações para favorecer o Islã, construir mesquitas, escolas corânicas e beneficentes. O Ramadã, o jejum anual era cumprido à risca. Seu pai era exigente e não perdoava. Sempre sonhou em fazer uma peregrinação a Meca e por ser pequeno seu pai dizia que ele precisava crescer para acompanhá-los.

            Seu pai e sua mãe ensinaram a ele que ser muçulmano é acreditar num só Deus, incomparável, invisível, indivisível, poderoso, criador de tudo e de todos, não tem filho nem pai, não tem parceiro no seu reino. E ele acreditava piamente em tudo. Um sábado a família foi a Mesquita e ele pediu ao pai para sair e ir ao banheiro que ficava do lado de fora. Não aguentava mais. Quando saiu a Mesquita explodiu e morreram todos que estavam lá dentro. Abba Fayard chorou por muitos dias. Seu pai e sua mãe era sua família e ele não conhecia outros. Um amigo do seu pai disse que ele tinha um tio morando no Brasil. Passaram um telegrama e seu tio veio buscá-lo. Morava em Morro Vermelho, uma pequena cidade no interior de São Paulo. Tudo era estranho para ele. A língua portuguesa era difícil e só dois anos depois ele conseguia se entender, mas com dificuldade.

            Não fez amigos, pois se achava um forasteiro entre eles. Não reclamava de sua nova família. Seu tio era um homem bom e sua tia não dizia nem sim e nem não. Um ano depois começou a frequentar a escola. Mesmo prestando a máxima atenção não entendia nada. Já estava com doze anos. Não fez amigos e na Mesquita não tinha meninos só adultos. Seu tio não era tão exigente, mas as obrigações de um bom mulçumano eles faziam questão de cumprir. Um dia seu tio o levou a um desfile na cidade. Disse que era a data magna e se chamava Sete de Setembro. Data da libertação do país. O que ele adorou foram os meninos e meninas uniformizados de caqui e com um chapelão lindo. Não tirou os olhos deles. Pediu ao tio para ir com eles marchando. Seu tio riu e balançou a cabeça dizendo sim. – Não demore, eles são escoteiros.

             Descobriu sua sede e ficou lá olhando o que eles faziam. Voltou outros sábados e um dia um senhor de idade avançada o chamou – Quer ser Escoteiro? Abba Fayard ficou vermelho porque nunca ninguém dirigiu a palavra assim a ele. Claro que queria, mas sendo muçulmano ele não sabia se o iriam aceitar ou se seu tio deixaria. Esperou vários dias para falar com seu tio. Foi educado a não incomodar os mais velhos a não ser por extrema necessidade. Quando falou seu tio o ouviu e disse: - Porque não? Vamos sábado conversar com o Chefe. Dito e feito. Explicaram ao Chefe que eram muçulmanos, tinham normas, horários e dias certos para cumprirem suas obrigações com Alá. O Chefe disse que discutiria tudo na Corte de Honra e ela daria a palavra final. Explicou ao seu tio o que era a Corte de Honra.

             Quinze dias depois seu tio foi informado que ele foi aceito. Abba Fayard riu de orelha a orelha. Foi com seu tio no sábado a reunião. Ele sabia que sempre às dezoito horas ele deveria fazer suas preces em língua árabe, ajoelhado e voltado para a Meca. A reunião só foi terminar às seis e meia da tarde. Mas ele pediu permissão ao Monitor, viu a direção onde estaria a Meca com sua bússola, ajoelhou e começou a rezar. A tropa parou e assustou com aquilo. O Chefe chamou a todos e explicou que Abba Fayard era muçulmano e sua religião tinha rituais que nenhum deles poderia deixar sem fazer. No sábado seguinte a patrulha procurou Abba Fayard para pedir se podiam rezar com ele. Ele falou para seus irmãos escoteiros que um bom muçulmano acredita em todos os Profetas de Deus, desde Adão até Muhammad incluindo Jesus, ele acreditava também nas escrituras de Deus, nos seus anjos e que haveria um juízo final e nele todos fariam a apresentação de suas contas individuais pelas ações praticadas. Se eles pensassem assim claro que poderiam orar com ele.

               Na primeira vez foram oito escoteiros e na segunda mais de doze. As preces não eram longas, mais ou menos dez minutos. A princípio o Chefe achou que seria ótimo os meninos conhecerem outra religião. A participação foi tomando vulto e agora até os lobinhos participavam. Mas em um sábado o pároco do bairro foi até lá. Horrorizou-se com o que viu. Chamou o Chefe e disse que ele não deveria permitir. O padre não parou por aí. Nas missas dos finais de semana ele contava tudo que viu para os participantes da igreja. O tio de Abba Fayard o aconselhou a sair. A cidade inteira não entendia o que era aquilo e como a maioria era católica mais cedo ou mais tarde eles iriam condenar os poucos muçulmanos que moravam na cidade. Abba Fayard chorou toda a semana. Ele amava o escotismo, nunca pensou em abandonar seus amigos, mas ele amava também sua religião. No sábado avisou o Chefe e sua patrulha que não voltaria mais.

               A patrulha ficou revoltada. Um absurdo eles disseram. O tema foi levado a Corte de Honra e foi parar no Conselho de Chefes. A maioria era a favor de Abba Fayard, mas se sentiram sem ação naquele caso. Não se sabe como alguém pegou varias assinaturas e foi convocado uma Assembleia do Grupo em regime extraordinário. Dos oitenta e seis votantes setenta foram a favor dele continuar. Uma comissão foi conversar com o padre e ele irredutível. Foram conversar com o Bispo e ele disse que era problema do padre. Um belo domingo o Grupo Escoteiro quase completo e tendo também muitos pais juntos saíram em passeata pela rua. Cartazes explicavam o porquê. – Abba Fayard tem direitos dizia um – Abba Fayard é muçulmano e nosso irmão dizia outro cartaz. Uma multidão foi atrás. Na missa da tarde a maioria dos católicos condenaram o padre pela sua ação intempestiva.

                Um mês depois o bispo veio visitar a cidade. Para mostrar que eles podiam errar foi até a mesquita dos muçulmanos e lá orou com eles. Tudo mudou na igreja do pároco. Abba Fayard voltou ao grupo. Recebido com abraços de um por um de todos os participantes do grupo. Até o prefeito resolveu doar todo fim de ano uma boa quantia para o grupo. Ninguém amigo de Abba Fayard mudou de religião. Quem era católico continuou católico. Quem era evangélico continuou evangélico. Um menino, uma patrulha, uma tropa e um Grupo Escoteiro mostrou que existe lugar para todos no escotismo. O final da história? Realmente não sei. Não me contaram mais nada, mas será que existiria mais alguma coisa para contar? Afinal o Escoteiro não é amigo de todos e irmão dos demais escoteiros?    


Ser muçulmano é acreditar em todos os Profetas de Deus, desde Adão até Muhammad incluindo Jesus, é também acreditar nas escrituras de Deus, nos seus anjos, no dia de juízo final e na apresentação de contas individuais pelas ações praticadas e acreditar que o bem provém d’Ele (Deus) e o mal nos atinge com a sua permissão. (e o mal é consequência dos nossos atos).

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

O tempo e o vento para os Mestres de Campo.



Um passado que não morreu.
O tempo e o vento para os Mestres de Campo.

Sempre temos lembranças marcantes das coisas lindas que o escotismo nos ofereceu em um passado distante. Ou quem sabe no presente de hoje. Eu sei que a maioria vai dizer que o fogo de conselho em um acampamento é o ponto marcante ou quem sabe o ápice. Sem sombra de dúvidas este marca mesmo a gente. Mas tem outras, muitas outras que às vezes ficam esquecidas e só o tempo nos traz de volta as lembranças daquelas noites gostosas, vividas em um acampamento qualquer, as patrulhas em seus campos, ouvindo as conversas aqui e ali, o lusco fusco da noite e os lampiões sendo aceso, um sorriso alto uma canção despercebida, a fumaça do fogo a lenha no fogão tropeiro ou suspenso e os cozinheiros preparando seu jantar com toda a patrulha em volta aguardando que o manjar ficasse pronto. A gente na chefia, sentindo o vento no rosto também com nosso fogo aceso, girando a manivela devagar, um belo naco de lombo, bonito de se ver e sentindo a carne ir tostando, outros chefes ali ao seu lado, de olhos pregados na carne, sentindo o sabor na mente, e com a noite suave a mostrar os primeiros vagalumes, a gente escuta uma patrulha dar o primeiro grito. Aqueles felizardos seriam os primeiros a jantar. A chefia sorri. E o Monitor correndo? – Sempre Alerta Chefe, Patrulha Gavião com jantar pronto. Aceitar jantar conosco?

O som do grito da segunda da terceira e da quarta patrulha e a gente sabia que nem assim o silêncio iria acontecer. A gente não estava com eles, mas imaginava. Sentados em bancos, ou no chão, com os pratos na mão, algumas patrulhas com mesas e bancos e eles não deixavam de matraquear. A noite está firme. O lampião aceso clareando o campo de patrulha e a gente de longe olhando e saboreando aquela noite gostosa. A alegria reinante não tem preço para pagar o que sentimos. E o olhar deles? No prato ou no rosto de um patrulheiro um sorriso e nunca a reclamar. Sem dizer que estava sem sal, sem óleo ou gordura. E a gente em volta do fogo no campo da chefia olhando os chefes que de olhos abertos perguntavam sem dizer – E esta carne, ainda não está boa? – Tome experimente – a gente corta uma tira com a faca mateira para um e outro. O estalar da boca, o sorriso e já era hora do nosso jantar. Bem próximo o barulho das patrulhas aumenta, eles dão risadas, alguns cantam e a gente sabia que o acampamento tinha atingido o ponto esperado.

O tempo. Ah! O tempo que um dia aconteceu e a realidade daquele momento ainda permanecem vivos em nossa mente. Uma alvorada, um alvorecer, uma noite bem dormida, um jogo bem jogado uma refeição bem nutrida, quem sabe um peixe bem pescado, um tomate colhido no lago, um mamão achado ao sopé da montanha para uma sopa bem gostosa e a noite alta, o silêncio a dormir com eles esperando o amanhã. São coisas nossas e próprias de nós chefes que vivemos tudo isto. O tempo e o vento! O vento sul, do norte não importa. A soprar nas tardes quentes, um banho no riacho de águas geladas, a escoteirada vibrando, brincando de pic, nic, brincando de palmar na água, ah! O vento!  A alvorada, um passar de mão nos olhos tentando acordar, hora da ginastica, o sol surgindo, uma névoa que se vai. São somente lembranças, do tempo e do vento. Vento que tantas vezes sentíamos no rosto trazendo a fragrância das colinas tão perto, o perfume das flores nos montes, o frescor a substituir o calor de um dia bem vivido. Não dá para esquecer. São coisas nossas, são coisas de escoteiros.


Se você meu caro amigo ainda não sentiu o cheiro da terra molhada, não sentiu nas madrugadas o orvalho caindo e molhando sua face, a chegada da brisa fresca antes do nascer do sol, se ainda não viu o sol se por, a cigarra cantando, o canto dos Jaburus, o uivo de um lobo guará, uma bela coruja a piar no galho de um jacarandá, o barulho das águas nas pedras fazendo chuá-chuá! Se você meu caro ainda não viu tudo isto está na hora de botar o pé na estrada. E se por acaso me encontrar na volta eu irei ver o seu sorriso e poderei dizer – Você é um Escoteiro de fato!