Uma linda historia escoteira

Uma linda historia escoteira
Era uma vez...

sábado, 23 de fevereiro de 2013

O Fantasma do Capitão Levegildo.



Lendas escoteiras.
O Fantasma do Capitão Levegildo.

                Se não me engano tudo aconteceu em mil novecentos e setenta e um. Mais precisamente em novembro. Feriado de quinze de novembro. Uma época que fiquei sem grupo e só atuava como Comissário Regional. Estava sentindo falta dos meus acampamentos a “escoteira”. (aquele que anda só). Fazia mais de dois anos que não fazia um. Falei com Celia que ia acampar no feriado. Ela não gostava destes meus acampamentos, mas sabia que era um dos meus prediletos e aceitava contrariada. Ia pegar um ônibus até o entroncamento de Cidade Nova com Monte Azul. Poderia ter ido de trem, mas era demorado. De ônibus fiz com três horas. De trem mais de nove. Meu destino era uma parte da serra da Mantiqueira pelo lado de Minas Gerais. Pretendia subir a serra por seis quilômetros até o riacho Seco. Risos. Nunca esteve seco. Sempre cheio. Sai na sexta à noite e voltaria na segunda à noite.

               O ônibus me deixou no entroncamento por volta da duas da manhã. Era o que planejara. Minha mochila estava pesada e ainda tinha meu bornal com meu farnel para seis refeições. Simples. Sempre foi assim. O arroz com feijão e eu completava com alguma pescaria ou caça. Caça simples com armadilhas. Cortei uma vara fina para me ajudar na subida. O sol estava nascendo quando cheguei ao Riacho Seco. Estava bem seco mesmo. Ainda bem que onde ia ficar tinha um bom remanso para nadar e pescar uns lambaris e traíras. Tirei as tralhas das costas e comecei a montar o campo. Uma pequena cabana com folhas e por cima uma lona simples. Eram duas lonas a outra seria para fazer um toldo no meu fogão tropeiro. Passei boa parte da manhã preparando meu campo. Não sei por que, mas senti que estava sendo observado. Olhava e não via ninguém.

                 Não vou mentir e dizer que não tenho medo de nada. Sempre tive. Mas o medo aprendi a combater com o medo. Quantas vezes no escuro não vi fantasmas de todos os tipos? Nossa visão cria fantasmas em um galho, um vento movimentando o capim o barulho da água e até a chuva nos ajuda a sentir a pele enrijecer e muitas vezes fechamos os olhos para quando abrir rezar para que os fantasmas da mente desaparecessem da nossa vista. Mas a danada da percepção de estar sendo observado não terminava. Cuidei do que tinha de cuidar. Preparei um ótimo lenheiro. Se o tempo permanecesse firme ia dormir sob as estrelas. Adoro isto. Acampar sozinho é uma dádiva. Os sons da natureza, dos bichos, pássaros dos insetos e do vento calmo ou forte para sul ou norte. Naquele sábado depois de tomar uma sopinha, sentei em um tronco frente ao fogo e quando ia iniciar a preparar meu cachimbo vi em cima do remanso uma figura brilhante.

                  A figura não se movimentava. Era diferente de tudo que tinha visto. Pelo menos pareceu. Pior é ficar calado enquanto ele fazia barulho. Vamos enfrentar o bicho, pensei. Claro com medo, mas lá fui eu até o remanso. A figura sumiu. Voltei. Uma visão de ótica? Acho que não. Sentei novamente no meu tronco. Fazia um pouco de frio. Fui até minha mochila e peguei minha manta. Quando sai debaixo do meu abrigo dei de cara com o fantasma. Não era grande. Era brilhante. Parecia uma figura destas do sertão com perneiras, uma bota cano longo um enorme bigode e um chapéu velho e amassado. – Olá! – Ele disse. – Olá! Respondi. – O fantasma falava. Bom isto. Nunca tinha visto nada na vida assim. Fantasma falante era novidade. Não tenho mediunidade. Nem vozes ouvia. Senti o coração bater mais forte.

                  - Posso tomar um café com você? – Claro disse. Fiquei olhando como ele iria tomar o café. Fantasmas são etéreos. Não seguram nada nesta vida. Mas eis que ele pegou minha caneca, tirou a chaleira do fogo e bebeu um belo gole. E olhe saia fumaça da caneca. Ele sentou numa ponta do tronco. – Sabe! Ele disse. Gostei de você. Entrou nas minhas terras sem pedir, mas vejo que é educado. Observei você o dia inteiro. – Só não gostei quando tomou banho e deitou na grama pelado. Não gosto de homens pelados. Já matei vários assim na minha vida. – Caramba! O fantasma era um pistoleiro! Estava começando a tremer. O medo chegou. Estava difícil dominar. Ele não parava de falar. Convidou-me a ir até sua fazenda. – Disse do horário. Pode ser amanhã? Ele riu e disse – tudo bem. Amanhã passo aqui a meia noite e vamos lá. – Não pode ser durante o dia? Não. Eles não permitem. – Quem é “eles”? Sem resposta. O fantasma sumiu.

                   Não tive problemas para dormir. Acordei umas vezes para o necessário e voltava a dormir. No dia seguinte ele não apareceu. À noite também não. Não haveria outra noite. Iria embora naquela segunda. Lá pelas duas da manhã de segunda ele me chamou. – Vamos lá. Só agora consegui me desvencilhar deles. – Sou conhecido aqui como o Capitão Levegildo. Andei matando muitos que eram contra mim. Esses quatro me emboscaram na estradinha quando estava entrando em minha fazenda e me deram dezenas de tiros. Não satisfeitos me pegaram e me levaram para um local podre, cheirando a enxofre e todo mundo ali parecia com o demônio. Escondi-me aqui, mas eles me acharam. - Vamos logo antes que voltem. – Fazer o que? Lá fui com ele. Não andamos muito. Uma choupana caída, muitas cinzas sinal que foi queimada. - Ali no canto sou eu disse. Uma caveira. Nada mais que ossos e ossos.

                   Preciso que me enterre. Só assim conseguirei fugir deles. Achei uma enxada. Cavei uma cova rasa. Coloquei lá a caveira. Depois que soquei a terra o Capitão Levegildo deu um enorme grito. Vi que mais quatro vultos brilhantes estavam carregando ele para longe. Voltei apressado para o campo. O dia começou a nascer. Juntei minha tralha e nem fiz a limpeza do campo. Desci a montanha em menos de uma hora. Na estrada peguei o primeiro ônibus.  Na janela vi o Capitão no alto do morro dizendo adeus. – Adeus mesmo. Aqui não volto nunca mais! Acredita? Não? Bem não posso convencer ninguém. Mas olhem, continuei acampando a “Escoteira” por muitos e muitos anos. Nunca mais vi fantasmas. Vozes eu ouvia, mas faz parte do ofício. Baden Powell dizia que só os valentes entre os valentes se saúdam com a mão esquerda. Não sou valente. Aceite minha direita. Desculpe BP. Risos.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

O Chefe e o Grupo Escoteiro.



Conversa ao pé do fogo.
O Chefe e o Grupo Escoteiro.

            Entrei no assunto que estava na minha mente a semana toda. Conversava com o "Velho" Escoteiro. Dizia a ele – Estive lá no Grupo Escoteiro do meu amigo. Aquele que lhe falei. Não gostei do que vi. Para não ser severo com tudo, voltei lá mais duas vezes. Não adiantou. A primeira impressão ficou. Notei lá "Velho" Escoteiro, que os chefes estão desamparados. O Diretor Técnico mesmo sendo um bom homem não tem condições de liderança, não sabe arregimentar. Os chefes que ainda ficaram estão à deriva. Tentam de tudo. Não existe apoio.

            O "Velho" Escoteiro me olhou de soslaio e como aquele olhar peculiar ficou pensativo não sabendo na hora o que responder. Passaram-se minutos. Não disse nada. Era o "Velho" Escoteiro que conhecia. Alguns minutos depois ele falou devagar, baixo, e tive que prestar uma enorme atenção ao que ele dizia. – Sempre achei meu amigo - disse – E sempre afirmei que não é possível desenvolver nenhuma programação com os jovens quando o Chefe da Sessão responsável não tem o aval de todo o Grupo Escoteiro. Não se pode fazer nada se o Diretor Técnico não for competente na sua área.
  
             Continuou - Ele hoje responde por todo o grupo e também pela sua diretoria. Faz a ligação e orienta os escotistas na sua lida semanal. Um bom Grupo Escoteiro se desenvolve quando aqueles que são responsáveis pelos escotistas do grupo, dão a eles condição de desenvolver seu trabalho, provê-los dos meios necessários e estar ao lado deles sem influir em seu trabalho. Um bom Diretor Técnico tem de ter carisma. Não digo que é um dom nato. Mas pode ser adquirido. Continuou o "Velho" Escoteiro – Se os Escotistas não estiverem bem assessorados, tanto na parte material, nos cursos de formação (obrigação do Grupo Escoteiro arcar com as despesas, inclusive de transporte) e sempre receber um sorriso e um muito obrigado do Diretor Técnico, poucos, mas muito poucos iram querer assumir como voluntários no Grupo Escoteiro. O Diretor Técnico tem de saber da sua responsabilidade. Ele não deve esperar elogios. Ele tem é a obrigação de elogiar seus escotistas. Assim como os chefes devem elogiar seus assistentes.

            Uma das maiores decepções de um chefe é saber que não tem nenhum apoio por parte daqueles que o dirigem. Todos precisam deste apoio. Eles são necessários para que exista uma diretriz e um trabalho harmônico. É necessário ver que os escotistas de sessões esperam sempre um incentivo, pois só assim irão saber que são importantes no trabalho que realizam.

             Se isso não acontece não vale à pena continuar a jornada. O Diretor Técnico é o único responsável pelo abandono e desistência por parte dos voluntários do grupo. Nos cursos de formação ele deve na medida do possível participar de todos. Precisa conhecer o terreno onde está pisando. Procure ver os Grupos Escoteiros mais bem organizados e estruturados, com efetivo acima da media, um bom número de escotistas participantes e vais ver que ali tem um Diretor Técnico que agrada a todos e faz seu trabalho com perfeição, abnegação e altruismo. Os Grupos Escoteiros que sentem dificuldade no seu crescimento, que não conseguem manter um corpo de Escotistas para seu desenvolvimento quantitativo e qualitativo, a responsabilidade única é do Diretor Técnico. Se for ele quem espera elogios o caminho está errado. Shakespeare dizia que o ouvido humano é surdo aos conselhos e agudo aos elogios. Uma verdade sem sombra de dúvida.

             Quando entramos como voluntários no movimento escoteiro, esperamos que haja algum tipo de agradecimento. Este agradecimento tem muitas formas e meios para ser efetuado. No sorriso de um jovem, num “tapinha” nas costas, e o melhor, o sorriso do nosso líder acompanhado do famoso “muito obrigado”. “Muito bom o seu trabalho”. “O Grupo Escoteiro se orgulha em contar com sua colaboração!” Já pensou nisto? E claro você iria retribuir dizendo, obrigado, se não fosse você eu não faria nada!  É muito importante o Diretor Técnico chegar e elogiar e abraçar seus chefes. Um distrital chegar ao Grupo Escoteiro e elogiar o Diretor Técnico. O dirigente regional fazer o mesmo com seus distritais. E os dirigentes nacionais elogiando os regionais.  Afinal quem não gosta de um elogio?

Se além dos elogios viessem acompanhadas de merecimentos aí sim, o objetivo vai ser alcançado facilmente. Vejam o caso das condecorações. Muitos pensam que se trata de um privilegio e não um direito. Ora, se você fez sete anos, quinze ou vinte e cinco, tem o direito na medalha de bons serviços. E isso não se discute. Agora se você se sacrifica e ninguém lembra que seu trabalho é importante, então não justifica continuar no sacrifício. Isso mesmo. Sacrifício. Infelizmente acontece em nosso país que os membros das nossas lideranças recebem mais amiúde condecorações certificados e os escotistas de sessão não. Para dizer a verdade acho que o trabalho deles (os escotistas) é bem mais importante que os outros. Eu sempre dou belas gargalhadas com dirigentes que olham para você como se eles estivessem se sacrificando, que não gostariam de estar ali, e entra ano e sai ano lá estão eles. Firmes em seu cargo. Há! E quem não gosta de um “taquinho” a mais? Risos.

             O "Velho" parou de falar, ouvimos vozes. A Vovó e sua filha chegando. Hora de ir embora. Quarta feira gorda. Amanhã é outro dia. Pela rua quase deserta eu como sempre ruminava tudo o que o "Velho" disse. Concordava. Não tinha como ser contrário. Um carro passou por mim buzinando. O orvalho da madrugada molhava as flores que brotavam em todos os jardins. A lua era quarto crescente. Um vento sul leve agitava meus cabelos e acariciava meu rosto. Ah! Que sono. "Velho" Escoteiro, você sempre me trás conhecimentos. Obrigado "Velho". 

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

E o Pássaro Azul levou meus sonhos para nunca mais voltar!



Conversa ao pé do fogo.
E o Pássaro Azul levou meus sonhos para nunca mais voltar!

                - Porque Pássaro Azul eu não tenho mais direito em sonhar? E não posso mais acreditar em meus sonhos? – Seus sonhos são tristes, nostálgicos, não existe mais aquela alegria do passado. – Olhe dentro de você. Qual foi a ultima vez que cantou uma canção? Qual foi a última vez que apertou a mão de um amigo Escoteiro? Você se fechou dentro de si, só ouve a voz do vento e ele nunca trás para você a doce primavera do passado em forma real. – Seu mundo é imaginário. – Você ainda não viu que a forja que temperou o aço do que você foi feito acabou. – Não vai mais existir aquela alegria de tempos idos. Ela não pertence mais a você. Ela está em outros sonhos, agora dos jovens que fazem a sua maneira um belo escotismo.

                - Olhei para o Pássaro Azul que sorria um sorriso enigmático, como a perscrutar no espaço o que seria eu para ele. Tinha um porte altivo, sem encarar, procurava saber, e para descobrir todas minha vicissitude analisava os meus medos, as circunstâncias que cercaram a minha vida. Para ele eu não era casual e imperecível. Na sua maneira de pensar não existe o acaso. E para ele eu estava criando em minha mente uma possível volta no tempo, o que seria eternamente impossível. – Veja Pássaro Azul, você está analisando o meu sorriso, a minha atitude, isto até é fácil. Você é contra o que eu penso, acha que estamos vivendo um momento único na história.  – Deve ser por isto que levou meus sonhos. – Você não tem este direito.

                 - Às vezes Pássaro Azul eu me sinto só. Não do calor humano. Esses não me faltam. O Pássaro Azul não entendia o porquê minha luta era o nada contra o nada. Muitas vezes pensei em desistir. Mas seria o que sou? Seria o intransigente que me leva a sonhar o impossível? – O Pássaro Azul sorriu. – Todos nós somos um pouco intransigente. Do outro lado também eles existem. Mas eles são os que decidem e você não. Lágrimas caíram no meu rosto. O Pássaro Azul atingiu-me fundo. Não sei se merecia. Nos meus sonhos que ele levou não quis desservir ninguém. Acreditava que amava a todos que conheci. – Engano seu, ele disse. – Acredito que você ainda não viu a forma de amor que criou para você.

                 - Mas não fique triste. Ainda deixei pequenos sonhos contigo. Sonhos reais, palpáveis. Siga aquele poema que um dia falou das tristezas, ande sempre em frente, não crie ilusões, ilusões nada trazem de beneficio. Não ande nas sombras. Assopre o pensamento triste. Deixe escorrer esta lágrima que caem do seu rosto. Se necessário vá até o fundo do poço, mas volte renovado. O Pássaro Azul me trouxe uma lição de vida. Avaliar o que fui e o que devo ser deve a nova meta da minha vida. Sempre achei que fui feliz. A minha maneira acreditei. Tinha que mudar. Mudar para melhor. Cantar as mais belas canções. Procurar no espaço o que não encontrei na terra. 

                   O Pássaro Azul voou por sobre as nuvens fez uma ou duas paradas como a dizer pela última vez: - Não esqueça. Quando encontrar a sua alegria de viver, respire fundo. Deixe a energia cósmica entrar em você. Abra a janela. Deixe que os pardais procurem a luz para você. Se encontrar, coloque-a dentro do peito. Lembre-se, a felicidade é seu objetivo. E ele se foi zigzagueando pelo horizonte até desaparecer no azul do céu profundo. Meu coração encheu-se de júbilo. Perdi uma parte dos meus sonhos, mas ele me deu parte das respostas que eu procurava. A felicidade existe. Está ao nosso lado. Quando cantamos com o coração ela está junto. Lembrei-me de uma canção antiga, linda, que me marcou muito:

- Este ano, quero paz no meu coração. Quem quiser ter um amigo, que me dê à mão. – O tempo passa, e com ele caminhamos todos juntos. Sem parar. Nossos passos pelo chão vão ficar. Marcas do que se foi. Sonhos que vamos ter como todo dia nasce em cada amanhecer!

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

O meu último toque de silêncio!



Lendas Escoteiras.
O meu último toque de silêncio!

           Tony Blanco chorava copiosamente a minha frente ali naquele bar em uma travessa da Avenida São João. Não me lembrava do nome da travessa, mas ficava próximo ao número 300. – O Senhor se lembra Chefe Osvaldo do Pintassilgo? – Claro que me lembrava. Ele e Tony Blanco eram amigos inseparáveis. – Pois é nunca tive um amigo fiel como ele. Amigo mesmo. De todas as horas. Éramos de Patrulha diferente da sua. Lembro que o Senhor era da patrulha Lobo e nós da Touro. Mas fizemos juntos muitos acampamentos. Lembra-se daquela jornada na Ilha do Cajuru? Foi demais não? – Eu lembrava. Minha mente passeava pelo passado. – Pois é Chefe Osvaldo, desculpe chamá-lo assim. Não sou mais Escoteiro. Eu hoje não sou nada. Um molambo largado na vida. Não tenho família, amigos, nada e nem ninguém que se preocupe por mim.

            A vida sempre a nos reservar surpresas. Um filho me pediu para ir até a Santa Efigênia comprar uns itens de computador para ele. Quando desci do ônibus na São João senti que ia passar mal. Corri até um bar em uma travessa da avenida e pedi um copo de água mineral. O remédio estava comigo. Ajuda mas não muito. Depois tinha que sentar e respirar por alguns minutos. Foi então que o vi. Nada mais nada menos que Tony Blanco. Maltrapilho, sujo, cara lisa, mantinha o mesmo corpo forte do passado quando puseram nele o apelido de Maciste. Mas era uma sombra do passado. A última vez que o vi foi em 1978, em um Seminário Escoteiro em Juiz de Fora. Nunca mais nos encontramos. – Pois é Chefe faz tempo não? Mas ele não sorria. Tony me conte o que aconteceu ao Pintassilgo?

            Morreu Chefe. Morreu. Uma morte horrorosa. Ficamos juntos até 1980. Morávamos juntos, mas sempre mantendo a fleuma de amigos somente. Ele nunca me deixou. O Senhor sabe disto. Por causa dele não casei com a Das Dores. Gostava dela, mas mesmo aconselhando a ele arrumar uma namorada ele ria e dizia – Não quero. Se arrumar vou casar. Se casar você deixa de ser meu amigo. Olhe Chefe muitos interpretaram mal esta amizade. Acho que não entendem que para ser amigos de verdade não precisamos de subterfúgios. Basta gostar. Gostar de maneira simples, sem desejos, sem aspirações que não seja estar junto de quem gosta. Das Dores riu de mim quando disse isso a ela. Interpretou mal. Vim para São Paulo. Pintassilgo veio também. Comecei a trabalhar em uma construtora como Mestre de Obras. Ele também. Alugamos uma pequena casa no Bairro Cajuru. Pequena mas dava para nós.

             - Tony, você ainda toca o Clarim? Perguntei. Lembra quando eu e você nos exibíamos na “banda” do Grupo Escoteiro mostrando nossas qualidades? E quando formos servir no exército? Ficaram em dúvida entre eu e você ser o corneteiro da unidade. Ele me olhou e mesmo com os olhos marejados de lágrimas deu um pequeno sorriso e disse – O joguei fora. Tinha de jogar – Porque meu amigo? – Pintassilgo um dia desapareceu. Tentei encontrá-lo por toda a cidade. Perdi o emprego por que não ia trabalhar. Passou-se dois meses. Que falta Chefe eu sentia dele Chefe. Nada ajudava. Não conseguia emprego fixo. Fui para as ruas. Morador de rua. Aqui e ali uns trocados. A vida ali é dura, mas hoje aprendi. Sei me virar.

               - Largou mesmo o escotismo? – Larguei. Cheguei a ajudar em um grupo próximo a minha casa. Mas senti dificuldade. Aqui se fazia tudo diferente. Gostava dos jovens, mas implicaram com Pintassilgo. Ele sempre junto. Falaram coisas que não gostei. Não entendiam o valor de uma amizade. – Olhe, eu fui a várias delegacias, lá zombavam de mim pelo que eu era. Fui a hospitais, Rodei em prontos socorros, fui ao IML e nada. Não dormia direito. Ainda tinha meu clarim guardado na caixa como quando comprei. Havia anos que não tocava. Um dia com minha carrocinha na descida da Avenida Angélica, avistei o Nonô, o Senhor deve lembrar-se dele. Era Monitor da Pica Pau e sumiu também com sua família. Eu não sabia quem era ele. Não tinha cabelos e seu nariz fino e comprido não dava para esquecer. – Ele me viu e me reconheceu. Convidou-me para tomar uma cerveja e até pagou para mim um almoço. Fazia dois dias que não comia.

                 - Você soube o que aconteceu ao Pintassilgo? Ele disse. – Não! Conte-me. Faz cinco anos que estou procurando. – Morreu torturado por traficantes na Favela da Caixa D’água. – Chorei na hora. – Por quê? Porque meu Deus? – o confundiram com o Maneco Tiro Certo. Eram quadrilhas rivais. Você não sabe, mas sou investigador da 17º Delegacia. Fui ver uma denuncia anônima. Cortaram sua cabeça, seus braços e pernas. Depois atearam fogo. – Ficamos em silêncio por muito tempo. Eu não sabia o que dizer. – Depois perguntei – E onde foi enterrado? Acho que no Cemitério de Vila Alpina. – E você meu amigo, ainda nesta vida de morador de rua? – Conversamos mais algumas horas e ele se foi. Deixou-me um cartão. – Se precisar telefone disse. Lembrei-me do Chefe Tonho que dizia – Um Escoteiro é sempre irmão. Nunca deixa um dos seus na mão.

                     - À tarde do dia seguinte fui até o cemitério de Vila Alpina. Tomei um banho no Albergue que fiquei hospedado. Coloquei meu uniforme Escoteiro. Estava guardado. Nunca me desfiz dele. Todos os mendigos de lá assustaram. Peguei um ônibus até Vila Alpina. A mocinha que me atendeu não tirava os olhos de mim. Disse-me onde ele estava enterrado. Joviel Peixoto. Eu sabia seu nome. Não havia sepultura. Um buraco. Mais nada. Pedi uma pá emprestada. Fiz uma tampa de terra. Tirei de outros túmulos um pouco de capim. Claro algumas flores também. Achei duas taboas. Fiz uma cruz. À mocinha me olhava de longe. Já estava escurecendo. Tirei da minha bolsa meu clarim. Meus olhos se encheram de lágrimas. A boca seca. Não conseguia tocar.

                    - Chefe Osvaldo, eu o vi em pé na sepultura. Sorria, não disse nada, estava de uniforme Escoteiro. Brilhava na escuridão. Me fez a saudação Escoteira. Desta vez toquei meu clarim com garra. E como toquei. O mais triste toque de silencio que toquei em minha vida. – Sabe Chefe Osvaldo, eu vi, eu vi mesmo muitos que ali morreram ficarem de pé em suas sepulturas calados. Eu vi relâmpagos no céu. Eu vi uma estrela brilhante em cima de nós.
             
                    - Enquanto ele me contava o acontecido eu me lembrei de um pequeno poema que tinha lido – “Os clarins tocam pelos heróis, que morrem pela ignorância humana. O Silêncio é das vozes que se calam diante das injustiças e barbárie que são cometidas contra quem não pode por si, se defenderem”.  Eu conhecia o toque. O toquei milhares de vezes. É um toque triste. Fiquei ali com Tony. Eu também chorava. O bar vazio. Dei a ele meu cartão. Escureceu. Não podia mais comprar o que meus filhos pediram. Despedi-me dele oferecendo ajuda. – Obrigado Chefe Osvaldo. Obrigado. Já tenho o suficiente para viver minha vida de morador de rua. É minha sina. Aqui estou vivendo e aqui morrerei. Saiu me dando um aperto de mão e um Sempre Alerta.

                   - Falar mais o que?

O último toque...

O último toque para o silenciar da noite
Ainda vejo os cílios na sombra...
Da lagrima no chão!
Ainda ouço, o silencio da mente...
Por tantas vezes errante pela emoção.
Ainda ouço, o ultimo toque para o silenciar da noite...
Assim, prendendo a respiração.

O que devemos esperar de uma direção regional e ou nacional Escoteira?



Conversa ao pé do fogo.
O que devemos esperar de uma direção regional e ou nacional Escoteira nestas eleições?

Não esperamos muito. Esperamos que todos eles sejam simpáticos. Não precisam ser bonitos. Mas esperamos que eles tenham um belo sorriso. Ops! Educados é claro. Um passado exemplar. Que depois de eleitos não se achem os tais, que não sejam arrogantes e donos da verdade, que sempre procurem ter uma palavra de estímulo a todos os chefes e jovens. Que saibam incentivar e o mais importante – Que saibam ouvir!

Não esperamos que construam uma sede imponente. Não precisa. Quem precisa de uma boa sede são os grupos escoteiros. Não desejamos que tenham uma grande placa anunciando que se iniciou uma nova era no escotismo em sua região ou país. Desejamos muito que eles comprem a ideia que estão ali para fazer crescer os grupos escoteiros. Que estes sim são a célula mais importante do escotismo e eles é que devem crescer.

Ei! Não esqueçam, eles terão que se desdobrar sem reclamar cansaço. Terão que dar alegria e felicidade a um “montão” de gente. Fazer tudo para que os direitos sejam respeitados. Que conquistem pelo amor sem admoestações. Que façam o máximo para que todos os que tiverem direito a uma condecoração, ou uma ortoga de Lis de Ouro ou Escoteiro da Pátria que a recebam e para isto se precisar passar por cima da burocracia que passem. E olhe se possível que deixem em branco pedido para si, e não recebam nada durante sua jornada na direção. Que lindo exemplo!

Deverão sim ter uma boa estrutura para que os cursos sejam acessíveis. Não como aquele formador que nos disse que a taxa é menor que a diária de um hotel cinco estrelas. Ufa! Ninguém vai até lá em busca de conforto, mas sim de seu aprendizado técnico e teórico Escoteiro. E dormir em barracas não é um sonho? E fazer sua própria comida? Lindo isto. Uma taxa pequena e quem sabe premiar os mais humildes com taxa grátis? Risos. Claro, isto é possível e pode ser realidade.

Portanto, acho que todos ficariam felizes em saber que contrataram bons executivos que irão se pagar e vão dar todas as facilidades nas enormes taxas cobradas hoje. E ficaríamos felizes em saber que eles irão levar todos os cursos aos mais longínquos rincões do estado. Acho que iremos aplaudir e ficarmos felizes em saber que os interessados em fundar um novo grupo eles iriam correr para ajudá-lo em tudo. É assim que nosso efetivo pode aumentar. E sempre ter alguém ao seu lado para ajudar. Não como hoje, com livretos e mais nada, pois nem sempre se fala com o grandão por telefone. Ele não está ou está em reunião (?). E para não esquecer, atividades regionais poucas. Sem muita pompa. Taxas mínimas para que todos possam participar. E claro, ao terminar enviar a todos os grupos participantes o balancete. Transparência? Claro que sim.

 E que tivessem o mínimo de assistentes. Ninguém gosta de falar com assistentes. E nem sub do sub. Distritos sim, bem organizados e fiscalizados para que não surja um distrital déspota que acredita estar acima do bem e do mal. Que o líder da região tivesse um mínimo de dois dias na semana para atender a todos que o procurassem. Que ele fizesse o máximo de esforço de organizar e participar de muitos Indabas, seminários dos distritos e grupos, com programação deles e não imposta pela região.

E finalmente, que fizessem o máximo para um marketing sadio, nas escolas, nas fábricas, nas igrejas, nos colégios, nas grandes empresas de que o escotismo é bom. É sadio. Investir no escotismo é investir em si próprio e no crescimento ético de uma nação. As demais burocracias poderão existir, mas este seria a minha escolha se fosse votar. Risos. Se fosse. Não voto. Mas então, esta é uma diretoria de sonhos? Mas os sonhos não viram realidade? Um sorriso, um aperto de mão sincero, um abraço e o ver dizer – Chefe, eu gosto de você. Você para mim é o mais importante em nossa região. Seja sempre bem vindo e me tenha como seu irmão! Será tão difícil assim?

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Deveres para com Deus.



Conversa ao pé do fogo.
Deveres para com Deus.  


Eu estava na casa do "Velho" escoteiro. Na sala eu sua filha a Vovó e ele. O tema? Deveres para com Deus. Eu sabia que ele não era um religioso nato, mas quando se tocava no assunto ele matinha a seriedade como tônica de discussão. Para ele não havia meios termos. Era tudo ou nada. - Nossa Promessa diz que temos que cumprir nossos  Deveres para com Deus, portanto ou somos ou não somos - Dizia o “Velho“. O Escotismo não pode admitir “ATEUS”.  A Religião é essencial para a felicidade, são palavras de BP. A filha do “Velho“ participava do nosso “tete a tete“. Não concordava muito com o pai.

- Olhe meu pai – Hoje o mundo nos dá uma visão nova da religião. Cada um imagina o seu “próprio Deus”. Desde que sejamos retos em nossos ideais iremos alcançar o que todos esperam após a morte. - É possível filha é possível - quem falava era a Vovó. Mas como podemos preparar nossos filhos sem o exemplo? - Deixá-los escolher quando forem adultos é correto, mas não quando jovens. Dizer para eles como deve ser “Deus” também é muito difícil. Mas esta é a época certa para desenvolver neles a religiosidade. Só quando pequenos podemos formar e ensinar de onde viemos e para onde vamos. Claro que quando crescerem terão livre arbítrio para escolher o que acharem melhor.

-  Correto minha mãe, mas obrigá-los a frequentar uma determinada religião não é pedagógico. A criança  deve ser orientada e não  obrigada a acreditar e agir de uma determinada forma. - Filha (era o “Velho” quem falava) a orientação é à base da formação. Exigir e cobrar também. Veja você se nós deixássemos ao seu critério quando criança a escolher se deveria ou não ir à escola, fazer as refeições quando quisesse e outras responsabilidades que fazem parte da iniciação e formação do adolescente.

- Olhe Papai, acredito nisto, mas chega uma hora que temos que escolher nosso próprio destino. - Em termos, filha (dizia a Vovó). Você pôde agora escolher, pois teve uma família cristã, boa educação e o mundo foi apresentado a você de outra forma. Não seria a mesma coisa no seio de outra família cujos filhos não tiveram a mesma oportunidade.  - A filha do “Velho” retrucou - Tenho lá minhas duvidas.  A Senhora lembra quando participei do movimento Bandeirante. O Distrito era num Colégio de Freiras e nossas coordenadoras exigiam que participássemos de todas as atividades religiosas. Seria esta ação educacional?

- E não foi uma forma de você conhecer mais a filosofia de uma determinada religião? - Falou a Vovó. Tenho certeza de que irá concordar que não foi prejudicial. Inclusive  lhe deu maior base e olhe bem, você participou com vontade e de uma maneira espontânea sem pensar que era obrigada a fazê-lo. Neste caso acredito que sua formação teve muito a ver com sua participação quando jovem e olhe que no início você adorava as Bandeirantes. - finalizou a Vovó. - Mas ainda continuo me questionando se não foi uma forma de “chantagem“ para que eu fosse imbuída na mentalidade espiritual de uma determinada religião! - falou a filha do “Velho”.

 - É possível - disse o “Velho“. Muitas vezes estudamos maneiras para que os nossos filhos participem. Se isto é chantagem estamos sendo chantageados cada minuto que vivemos. Se os pais como nosso caso são cristão estamos sempre preparando e visando uma formação cristã. Não podemos deixar esta formação de lado. Cada minuto é importante. - Será Correto exigirmos dos nossos escoteiros frequentar sua religião, ou melhor, a dos pais mesmo contra sua vontade? - falei. Vejam bem. O jovem adora o Escotismo, as atividades ao ar livre e a amizade existente. No entanto quando vamos solicitar sua presença em alguma atividade religiosa já vi muitos mudarem sua personalidade e a presença nestes dias diminui sensivelmente. Para que participem somos obrigados a “chantageá-los” de formas diferente, seja para alertá-los de sua formação da Lei e Promessa ou do “Espírito Escoteiro”. 

- Não acredito - falou a Vovó - Estamos deixando que o mal se sobreponha ao bem, só porque não queremos exigir pensando que estamos chantageando. Temos responsabilidades  com nossos filhos e vocês educadores também com os jovens. - Os princípios do Escotismo é colaborar na formação, - continuou - ajudando os pais na escola e na religião. O objetivo não será alcançado sem os requisitos básicos. Primeiro o exemplo pessoal. Segundo acreditando no que faz e terceiro tendo certeza  do que está fazendo. Quando se diz colaborar não é substituir com programas tirados da imaginação. O movimento não pode ter “Ateus”. Qualquer outra explicação é tapear toda uma organização que tem princípios e métodos definidos. Os artigos da lei Escoteira é prodiga nisto. 

Tenho me questionado no que estou fazendo junto aos meus filhos - falou a filha do “Velho”. Eu mesmo deixei de frequentar atividades religiosas há muito tempo. Não tenho levado eles a nada. Claro, toda hora não deixo de falar do assunto. Eles não se interessam pelo Movimento Escoteiro e só querem atividades “fortes”  tipo judô, luta livre e outras que nada fazem para ajudar na formação espiritual. Não sei nada do que se passa no Colégio, pois este é aberto e dirigido conforme a pedagogia moderna.  Até que ponto não vou me arrepender no futuro? - Não adianta você se questionar sem ter certeza. - Falou o “Velho”. Já conversamos muito sobre este assunto. Nunca quis forçá-la a nada. Mas são meus netos e os amo tanto como você. Todos os pais tem a obrigação de estar junto aos filhos. Saber de suas dificuldades dos seus problemas e até do seu sucesso. A religiosidade faz parte da educação familiar.

-  É difícil falar em fé se temos duvida, mas nunca podemos duvidar do “Criador”. Todos nós seja você ou os Escotistas temos nas mãos um manancial enorme e a responsabilidade é grande. - A lei é imutável. - continuou - Ela não foi escrita como uma forma filosófica conforme os Mandamentos da igreja e  como as do Escotismo. Tem que ser cumprida e não de forma razoável. Temos que nos amadurecer nesse sentido para também amadurecermos os jovens. Posso até lembrar as palavras de BP sobre Deus e a natureza no Caminho para o Sucesso - Se  não concordarmos estaremos falhando naquilo que é o mais importante e também temos que repensar o que somos e o que devemos fazer.

Estava pensando em tudo que tinham dito. Poderia questionar muitas coisas, mas como?  Ainda não tinha filhos, e nem sabia o que seria o meu futuro religioso. Como podemos dizer o que é melhor e o que é pior? - Imaginei como a responsabilidade é grande para um educador. O exemplo, a força de vontade a coragem e a fé não podia ser considerada como complemento. Era o todo. Se os erros acontecerem teremos nossa parcela de culpa. E muita culpa.

- É realmente  muito difícil ser Chefe Escoteiro. Quantos se gabam de o ser sem nenhuma base de formação. Os direitos são inalienáveis, mas os deveres, estes são sempre questionáveis. As palavras da Lei não são as mesmas para todos. Deveres para com Deus... .Nossa conduta nos destinos dos jovens algum dia será cobrado. Seja aqui ou em outro lugar.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Gilbert, um Escoteiro em busca da trilha dos elefantes.



Lendas Escoteiras.
Gilbert, um Escoteiro em busca da trilha dos elefantes.

                        Há muito queria contar esta história. Mas porque achei meio infantil e desconexa desisti. Hoje pensando pensei – Porque não? Lá vai então. – Nas minhas andanças por este enorme país eu fui parar em uma cidadezinha chamada Nova Matusalém. Isto mesmo. Este era o nome. Na pensão da Dona Esther eu fiquei sabendo de que a muitos e muitos anos existiu um Grupo escoteiro na cidade. – Porque acabou? Perguntei. – Não sei. Porque não vai até a pracinha. Olhe no banco que fica em frente à Matriz. Vai encontrar Narciso ele é um velhote gente boa. Ele gosta de conversar e foi Escoteiro naquela época. – Não me fiz de rogado. Adoro conversar com antigos chefes. Eles sempre têm histórias maravilhosas para contar. Almocei, tirei um cochilo e parti para a praça. Não havia erro, com seus 80 anos lá estava ele. Um belo sorriso, no ombro direito uma pombinha amarelada, no esquerdo um Pintassilgo e um Bem-te-vi.

                    Parei na sua frente e alegre eu lhe disse – Sempre Alerta chefe! Ele imediatamente ficou em pé e solenemente respondeu Sempre Alerta. – Sente-se aqui ao meu lado. Há tempos que não converso com um Escoteiro. Ficamos ali conversando até sete da noite. O convidei para comermos um peixe em um restaurante que diziam maravilhas. Aceitou. Um velhote e tanto. Educado, simples e gentil. Histórias e histórias foram contadas. Mas teve uma que me chamou atenção. Do Escoteiro Gilbert e seu Elefante-africano. – Aqui? Perguntei. Aqui mesmo e começou a contar a história.

                   - Gilbert era Escoteiro há pouco tempo. Eu estava nos seniores e quase não tínhamos contato. Fiquei sabendo que ele insistiu com a Patrulha para atravessarem a Mata dos Macacos Cinzentos. Jurou que do outro lado iriam encontrar uma manada de elefantes. Ninguém acreditou naquela história absurda. Nem pensar disseram. Era uma mata que ficava a mais de setenta quilômetros, atrás da Serra do Cafezal. Eu já tinha ouvido falar dela. Poucos se arriscavam a ir lá. Um nevoeiro denso cobria a mata. Disseram de muitos que entraram e desapareceram. Todos sabiam que do outro lado da mata ficava a cidade de Tarumim. Havia até um projeto de cortar a mata com uma estrada, mas devido à falta de verba o projeto foi adiado. Gilbert não desistia. Procurou-nos um sábado – Será uma aventura e tanto! Disse a todos os seniores. Eu sei o caminho. O vi em meus sonhos. Depois da mata vamos encontrar o Vale do Tigre e lá uma manada de elefantes. Lá também tem leões, girafas, hipopótamos uma fauna gigantesca que hoje nem na África se encontra. É lindo lá. Campinas verdejantes, árvores com copas redondas, cascatas e cachoeiras enormes!

                        Achamos graça de Gilbert. Ele implorou ao Chefe Cardinho, falou com a Akelá Laurita. Nada. Era um sonho louco. Inacreditável. Quem iria pensar em ir a um local de sonhos de um Escoteiro? Em uma segunda feira Gilbert não foi à escola. Seus pais foram alertados. Procuraram em todos os lugares e nada. Ele não era gazeteiro. Nunca foi. Era sim um ótimo aluno. Dois dias a procura de Gilbert. Nada. Natalino um boiadeiro disse ter visto um jovem de bicicleta rumando para a Mata dos Macacos Cinzentos. Chefe Cardinho, Moliere e os seniores estavam na sede naquela quinta preparando para partir em busca de Gilbert. Todos tinham muita experiência. Não sabiam o que iriam encontrar na mata. Mas a vida de um Escoteiro esteva em jogo e seus pais inconsoláveis.

                        Quando estavam saindo um belo susto. Impossível! Gilbert entrou montado em um enorme elefante branco, com duas enormes presas de marfim. Enormes orelhas mais de duas toneladas de peso. Ele ria. Batia palmas. No centro da sede o elefante com sua tromba o colocou no chão e ficou sentado em duas patas. A cidade em peso acorreu para ver. Os pais entre alegres e preocupados previam um castigo para ele. Fazer o que com o elefante? O delegado disse que na cidade próxima tinha um circo. Mandaria alguém lá e ver se interessariam. Gilbert gritou. - Não podem fazer isto! Pelo amor de Deus! – Seus pais o levaram para casa. Um sermão, e a proibição de sair do quarto por uma semana. Sem escoteiros por dois meses. A mãe o levaria a escola e o iria trazer. No dia seguinte o quarto vazio. Ele pulou a janela do segundo andar e sumiu. Correram na sede. O elefante também sumiu.

                          Natalino o boiadeiro contou que quando estava recolhendo uma vacada parida, o viu sentado em um elefante entrando na Mata dos Macacos Cinzentos. Gritaria. Onde este escoteiro estaria novamente! Um mês! Sim, um mês desaparecido. Passou todo setembro sem dar as caras. Muitos acharam que ele tinha morrido. Apareceu em um domingo de sol. Sorridente. Seus pais desistiram do castigo. Gilbert pediu que pudesse de tempos em tempos visitar seus amigos elefantes. Tinha levado uma máquina fotográfica. Varias fotos de animais que não existiam no Brasil. Não acreditavam nem nas fotos. Seus pais concordaram. Sabiam que ele iria fugir se o prendessem. Ficou famoso na Patrulha e no grupo. Todos o reverenciavam. Pediam para contar a história do Vale do Tigre. Ele sorria e nada dizia. – Como chegar lá? Ele sempre sorrindo e calado.

                         Quando fez dezoito anos despediu do seu pai e de sua mãe. Foi na reunião de tropa e abraçou a todos no Grupo Escoteiro. Disse que iria partir. Ia morar no Vale do Tigre para sempre. O Chefe, um soldado dos bombeiros e dois seniores o seguiram de longe. Viram-no entrando na mata. Entraram atrás. Uma enorme cachoeira. Nem sinal de Gilbert. Sumiu nas brumas que invadia a mata e nada conseguiam ver. Sei que a cada ano aparece. Montando sempre em um elefante. Abraça seus pais fica um ou dois dias e depois desaparece.

                        Olhei para Narciso. Ele sorria. Saímos do restaurante. Ele me acenou dizendo adeus. Na esquina vi que ele estava montado em um elefante branco. Corri até ele. Sumiu na curva da estrada. Verdade? Mentira? Não queria contar. Nunca mais voltei à Nova Matusalém. Nunca descobriram a terra maravilhosa do Vale do Tigre. Eu juro que é verdade. Gostaria mesmo de passar uma temporada naquele vale maravilhoso. Mas a vida não é como a gente quer. A vida é feita de sonhos e só quem sonha tem o direito de fazer o que quiser de sua vida!