Lendas escoteiras.
O Fantasma do Capitão Levegildo.
Se não me
engano tudo aconteceu em mil novecentos e setenta e um. Mais precisamente em
novembro. Feriado de quinze de novembro. Uma época que fiquei sem grupo e só
atuava como Comissário Regional. Estava sentindo falta dos meus acampamentos a
“escoteira”. (aquele que anda só). Fazia mais de dois anos que não fazia um. Falei
com Celia que ia acampar no feriado. Ela não gostava destes meus acampamentos,
mas sabia que era um dos meus prediletos e aceitava contrariada. Ia pegar um
ônibus até o entroncamento de Cidade Nova com Monte Azul. Poderia ter ido de
trem, mas era demorado. De ônibus fiz com três horas. De trem mais de nove. Meu
destino era uma parte da serra da Mantiqueira pelo lado de Minas Gerais.
Pretendia subir a serra por seis quilômetros até o riacho Seco. Risos. Nunca
esteve seco. Sempre cheio. Sai na sexta à noite e voltaria na segunda à noite.
O ônibus me
deixou no entroncamento por volta da duas da manhã. Era o que planejara. Minha
mochila estava pesada e ainda tinha meu bornal com meu farnel para seis
refeições. Simples. Sempre foi assim. O arroz com feijão e eu completava com
alguma pescaria ou caça. Caça simples com armadilhas. Cortei uma vara fina para
me ajudar na subida. O sol estava nascendo quando cheguei ao Riacho Seco.
Estava bem seco mesmo. Ainda bem que onde ia ficar tinha um bom remanso para
nadar e pescar uns lambaris e traíras. Tirei as tralhas das costas e comecei a
montar o campo. Uma pequena cabana com folhas e por cima uma lona simples. Eram
duas lonas a outra seria para fazer um toldo no meu fogão tropeiro. Passei boa
parte da manhã preparando meu campo. Não sei por que, mas senti que estava
sendo observado. Olhava e não via ninguém.
Não vou mentir e dizer que não tenho
medo de nada. Sempre tive. Mas o medo aprendi a combater com o medo. Quantas
vezes no escuro não vi fantasmas de todos os tipos? Nossa visão cria fantasmas em
um galho, um vento movimentando o capim o barulho da água e até a chuva nos
ajuda a sentir a pele enrijecer e muitas vezes fechamos os olhos para quando
abrir rezar para que os fantasmas da mente desaparecessem da nossa vista. Mas a
danada da percepção de estar sendo observado não terminava. Cuidei do que tinha
de cuidar. Preparei um ótimo lenheiro. Se o tempo permanecesse firme ia dormir
sob as estrelas. Adoro isto. Acampar sozinho é uma dádiva. Os sons da natureza,
dos bichos, pássaros dos insetos e do vento calmo ou forte para sul ou norte.
Naquele sábado depois de tomar uma sopinha, sentei em um tronco frente ao fogo
e quando ia iniciar a preparar meu cachimbo vi em cima do remanso uma figura
brilhante.
A figura
não se movimentava. Era diferente de tudo que tinha visto. Pelo menos pareceu.
Pior é ficar calado enquanto ele fazia barulho. Vamos enfrentar o bicho,
pensei. Claro com medo, mas lá fui eu até o remanso. A figura sumiu. Voltei.
Uma visão de ótica? Acho que não. Sentei novamente no meu tronco. Fazia um
pouco de frio. Fui até minha mochila e peguei minha manta. Quando sai debaixo
do meu abrigo dei de cara com o fantasma. Não era grande. Era brilhante.
Parecia uma figura destas do sertão com perneiras, uma bota cano longo um
enorme bigode e um chapéu velho e amassado. – Olá! – Ele disse. – Olá!
Respondi. – O fantasma falava. Bom isto. Nunca tinha visto nada na vida assim.
Fantasma falante era novidade. Não tenho mediunidade. Nem vozes ouvia. Senti o
coração bater mais forte.
- Posso
tomar um café com você? – Claro disse. Fiquei olhando como ele iria tomar o
café. Fantasmas são etéreos. Não seguram nada nesta vida. Mas eis que ele pegou
minha caneca, tirou a chaleira do fogo e bebeu um belo gole. E olhe saia fumaça
da caneca. Ele sentou numa ponta do tronco. – Sabe! Ele disse. Gostei de você.
Entrou nas minhas terras sem pedir, mas vejo que é educado. Observei você o dia
inteiro. – Só não gostei quando tomou banho e deitou na grama pelado. Não gosto
de homens pelados. Já matei vários assim na minha vida. – Caramba! O fantasma
era um pistoleiro! Estava começando a tremer. O medo chegou. Estava difícil
dominar. Ele não parava de falar. Convidou-me a ir até sua fazenda. – Disse do
horário. Pode ser amanhã? Ele riu e disse – tudo bem. Amanhã passo aqui a meia
noite e vamos lá. – Não pode ser durante o dia? Não. Eles não permitem. – Quem
é “eles”? Sem resposta. O fantasma sumiu.
Não
tive problemas para dormir. Acordei umas vezes para o necessário e voltava a
dormir. No dia seguinte ele não apareceu. À noite também não. Não haveria outra
noite. Iria embora naquela segunda. Lá pelas duas da manhã de segunda ele me
chamou. – Vamos lá. Só agora consegui me desvencilhar deles. – Sou conhecido
aqui como o Capitão Levegildo. Andei matando muitos que eram contra mim. Esses
quatro me emboscaram na estradinha quando estava entrando em minha fazenda e me
deram dezenas de tiros. Não satisfeitos me pegaram e me levaram para um local
podre, cheirando a enxofre e todo mundo ali parecia com o demônio. Escondi-me
aqui, mas eles me acharam. - Vamos logo antes que voltem. – Fazer o que? Lá fui
com ele. Não andamos muito. Uma choupana caída, muitas cinzas sinal que foi
queimada. - Ali no canto sou eu disse. Uma caveira. Nada mais que ossos e
ossos.
Preciso
que me enterre. Só assim conseguirei fugir deles. Achei uma enxada. Cavei uma
cova rasa. Coloquei lá a caveira. Depois que soquei a terra o Capitão Levegildo
deu um enorme grito. Vi que mais quatro vultos brilhantes estavam carregando
ele para longe. Voltei apressado para o campo. O dia começou a nascer. Juntei
minha tralha e nem fiz a limpeza do campo. Desci a montanha em menos de uma
hora. Na estrada peguei o primeiro ônibus.
Na janela vi o Capitão no alto do morro dizendo adeus. – Adeus mesmo.
Aqui não volto nunca mais! Acredita? Não? Bem não posso convencer ninguém. Mas
olhem, continuei acampando a “Escoteira” por muitos e muitos anos. Nunca mais
vi fantasmas. Vozes eu ouvia, mas faz parte do ofício. Baden Powell dizia que
só os valentes entre os valentes se saúdam com a mão esquerda. Não sou valente.
Aceite minha direita. Desculpe BP. Risos.