Uma linda historia escoteira

Uma linda historia escoteira
Era uma vez...

sábado, 3 de dezembro de 2011

UMA FANTÁSTICA VIAGEM AO MUNDO ENCANTANDO DA JÂNGAL



UMA FANTÁSTICA VIAGEM AO MUNDO ENCANTADO DA JÂNGAL
(Pequenos trechos que marcam)

“Toda vez que leio o livro da Jângal, meu olhos ficam vermelhos, toda vez que me transformo num lobo, meus lábios tremem. Minha alcatéia querida, nunca, mas nunca mesmo jamais te esquecerei!”
                                                   xx 

- Porque não morri nas garras dos dholes, gemeu Mowgly. Minha força esvaiu-se e não foi veneno. Dia e noite ouço um passo duplo no meu caminho. Quando volto à cabeça sinto que alguém se esconde atrás de mim. Procuro por toda parte atrás dos troncos, atrás das pedras, e não encontro ninguém. Chamo e não tenho resposta, mas sinto que alguém me ouve e se guarda de responder.

Se me deito, não consigo descanso. Corri a corrida da primavera e não sosseguei. Banho-me e não me refresco. O caçar enfada-me. A flor vermelha está a ferver em meu sangue. Meus ossos viraram água. Não sei o que...

- Para que falar? Observou Baloo. Akelá disse que Mowgly levaria Mowgly para a alcatéia dos homens outra vez. Também eu o disse, mas quem ouve Baloo? Bagheera, onde está Bagheera? Esta noite se foi?

 Ela também sabe disso, é da lei.

- Quando nos encontramos nas Tocas Frias, homenzinho, eu já o sabia acrescentou Kaa. Homem vai para homens, embora a Jângal não o expulse.
- A Jângal não me expulsa, então? Sussurrou Mowgly.

- Os irmãos Gris e os outros três uivaram furiosamente: - Enquanto vivermos ninguém, ninguém ousará...
                                          xx

- Como são belos os contos da jângal, recordações de um livro de sonhos...
                                        xx

- Não me temam, disse Mowgly, eu sou amigo de vocês. Quando estive com Bagheera na encosta do morro frente à Waiganga, fim de inverno vi um vale semi-deserto. Vi um pássaro cantando notas incertas tentando aprender para quando viesse a primavera. Bagheera lembrou que o tempo das Falas Novas está próximo e disse que precisava recordar o seu canto e se pôs a ronronar. Mowgly adorava as mudanças das estações. Ficava triste, porém porque os outros corriam para longe o deixando sozinho.

Disse Bagheera olhando para Mowgly. Sabe que é na primavera que vou para todos os lugares, fazer coro com os outros animais. Onde posso correr até o anoitecer e voltar ao amanhecer. – Sabe que é o tempo das Falas Novas, e eu faço parte de tudo.

                    - Mowgly sabia que naqueles tempos, via-os rosnando, uivando, gritando, piando, silvando e eram tão diferentes! Uma sensação de pura infelicidade o invadiu da cabeça aos pés. Mas se arrependeu. Tratei mal a Bagheera e aos outros. Esta noite cruzarei as montanhas, e darei também uma corrida em plena primavera até os pântanos.

Todos já haviam partido. Só Mowgly ficou. Saiu sozinho aborrecido. Correu naquela noite, às vezes gritando, às vezes cantando. Correu até que o cheiro das flores no pantanal ao longe chegou a suas narinas. Avistou uma estrela bem baixa e lembrou-se do touro que lhe deu a Flor Vermelha.
                                                              xx

Viajar neste mundo que Kipling criou é sonhar com um amanhã de primavera...
                                                             xx

                     - Mowgly lembrava quando se mudou da Alcatéia de Seeonee. É hora de parar de correr. Ele viu uma pequena cabana onde via uma luz. Cães latiram. Ele emitiu um profundo uivo de lobo, que fez os cães calarem e tremerem. Escondido nos arbustos Mowgly também tremeu. Por outro motivo. Conhecia aquela voz. Entendeu o que ela dizia. Lembrava bem.

Quem está aí? Quem está aí? Mowgly gritou baixinho: - Messua! Messua! – Quem chama? Respondeu a mulher com voz trêmula. – Nathoo! Respondeu Mowgly. – Vem meu filho. Ela se lembrou. O acolheu, deu-lhe de beber e comer. Cansado Mowgly deitou-se e dormiu sono profundo. 

– Mowgly acordou e ouviu o irmão Gris chamando-o lá fora. Messua olhou para ele. Era um Deus da Jângal, ela reconheceu. Quando o viu sair abraçou-o. Volte sempre disse. A garganta de Mowgly apertou-se. Disse quase chorando – Voltarei – sim voltarei. Ele gritou com lobo Gris – porque não vieste quando o chamei? – Não foi tanto tempo assim, ainda ontem estávamos juntos respondeu. Você sabe, o tempo das Falas Novas chegou não te lembras?

                    - Irmãozinho, que aconteceu? Porque estás comendo e dormindo na Alcatéia dos Homens? – Se tivesse vindo quando o chamei isto não teria acontecido. – disse Mowgly - E agora como será? Perguntou o lobo Gris – Ele ia responder quando viu uma mocinha trajada de branco em direção a alcatéia dos homens. Mowgly a seguiu com os olhos até ela ser perder ao longe.

E agora? Perguntou de novo o Lobo Gris. Agora não sei... Respondeu suspirando. Lobo Gris calou-se. Mowgly também. Quando abriu a boca foi para dizer a si próprio: - A Pantera Negra falou a verdade. Disse que o homem sempre volta para o homem.

- Raksha, nossa mãe também disse. E Akelá na noite do ataque dos Dholes, e também Kaa, a serpente da rocha. - completou Mowgly. E tu irmão Gris, que disse tu? – Eles te expulsaram uma vez. Disse o Lobo Gris. Eles queriam te lançar na flor vermelha. Mandaram Buldeu te matar. São maus, insensatos. Foste admitido na Jângal por causa deles.

- Para! Que estás dizendo? - Lobo Gris respondeu - Filhote de homem, senhor da Jângal, filho de Raksha, meu irmão de caverna – O teu caminho é o meu caminho. A tua caça é a minha caça e tua luta de morte é a minha luta de morte.

                       Mowgly já tinha resolvido o que fazer. – Vá, disse – Reúne o Conselho na Aroca, irei dizer a todos o que tenho no meu coração.   

Em qualquer outra estação aquela novidade teria reunido na Roca o povo inteiro do Jângal; - Lobo Gris saiu pelas planícies chamando a todos. O Senhor da Jângal volta para os homens. Vamos à Roca do Conselho. Todos respondiam – Só no verão, venha você e ele cantar conosco! – Quando Mowgly chegou a Roca, encontrou apenas lobos irmãos. Baloo que estava quase cego e a pesada Kaa. – Termina aqui o teu caminho, homenzinho? Disse Kaa – Grita o teu grito! Somos do mesmo sangue, eu e tu, homens e serpentes!
                                                            xx

Nada melhor para encerrar com esta estupenda passagem...
                                                            xx    

Lembra-te que Bagheera te ama, disse ela por fim, retirando-se num salto. No sopé da colina entreparou e gritou: Boas caçadas em teu novo caminho, senhor da Jângal! Lembra-te sempre que Bagheera te ama. Tu a ouviste murmurou Baloo. Nada mais há a dizer. Vai agora, mas antes vem a mim. Vem a mim, ó sábia rãnzinha!

- É difícil arrancar a pele, murmurou Kaa, enquanto Mowgly rompia em soluços com a cabeça junto ao coração do urso cego, que tentava lamber-lhe os pés.

- As estrelas desmaiam, concluiu o lobo Gris, de olhos erguidos para o céu. Onde me aninharei doravante? Por agora os caminhos são novos...
                                                               xx 

É mesmo espetacular esta viagem ao mundo da Jângal, se você já leu parabéns, se você releu formidável e se ainda não leu, não sabe o que está perdendo. E não deixem que ninguém, ninguém um dia, alterar ou esquecer esta mística porque sem ela não vai existir nunca uma ALCATÉIA DE LOBOS!

“Somos todos, eu e você, irmãos de sangue. Como disse a Velha e pesada Kaa, a grande serpente da floresta”

“Filhote de homem, senhor da Jângal, filho de Raksha, meu irmão de caverna – O teu caminho é o meu caminho. A tua caça é a minha caça e tua luta de morte é a minha luta de morte”

BOA CAÇADA! GRANDE POVO DA JÂNGAL!

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

O CHAPÉU DE TRÊS BICOS



O CHAPÉU DE TRES BICOS

♪♪O meu chapéu tem três bicos,
Tem três bicos o meu chapéu!
O meu chapéu tem três bicos,
Tem três bicos o meu chapéu. ♪♪

“Velha canção escoteira do nosso chapéu de abas largas”

Tinha história aquele Chapéu com Três Bicos. Pertenceu a três amos diferentes. Sempre os serviu lealmente e por cada um deu tudo o que podia para ser um autêntico Chapéu Escoteiro com Três Bicos. Poderia até dizer que em sua biografia adquiriu vida, teve momentos alegres e momentos tristes. Amparou impacto, tempo ruim e em todas as ocasiões se orgulhou de si próprio do serviço ao próximo.

Hoje, está ali, pendurado na parede, já velho, desbotado, ainda com um dono que não o usa mais. Quem sabe, mesmo velho e apagado poderia voltar à ativa novamente. Afinal ele ainda se considera um autentico Chapéu Escoteiro com Três Bicos. Sabe que foi substituído e não reclama por ter sido abandonado depois de tantos e tantos anos. Seu atual dono dizia que sua aposentadoria tinha chegado.

Poderia dizer que foi ele quem me contou sua história. Sei que não acreditam e vão rir de mim. Afinal Chapéu com três bicos é Chapéu com três bicos. Não fala não pensa é um objeto inerte e eu não teria como ouvi-lo. Falar então... Mas a verdade é que sua história tão cheia de aventuras e grandes atividades aventureiras não poderiam ser esquecidas.

Acreditem se quiserem. Foi num domingo chuvoso, estava eu olhando o dilúvio pela janela, que caia aos borbotões na calçada da casa de um Velho Chefe que visitava e ouvi o seu chamado. A princípio não vi ninguém, achei até ser brincadeira do meu amigo. Depois com sua insistência, olhei e ele balançou suas abas em minha direção. Estava pendurado em uma parede da sala, limpo, abas retas e orgulhoso do que era.

Por favor, não riam! Juro que é verdade. Pelas barbas de Satã! (não sei se ele tem barba). Ele queria desabafar. Ninguém o ouvia e achou que eu poderia ser seu amigo e ter boa audição no que tinha a contar. Não era uma história das mil e uma noites, claro que não. Afinal ele era um Chapéu Escoteiro com Três Bicos e eu o poderia chamar de Chapéu de Três Bicos.

Tudo começou com seu primeiro dono. Vadinho. Um escoteiro que morava lá pelas plagas do norte do estado. Entrou na tropa com onze anos. Para fazer seu uniforme engraxava sapatos durante a tarde todos os dias de semana. Pela manhã estava na escola. Conseguiu juntar o dinheiro necessário.  Isto levou quase cinco meses. Tempo que esperou para fazer a promessa, pois sem o uniforme não poderia ter feito.

Não tinha o Chapéu Com Três Bicos. Aguardou uma oportunidade para comprá-lo. Era difícil. Só estava a venda na capital de dois estados do país. Como buscá-lo, fazer o pagamento, transporte seria uma epopéia digna de um “super escoteiro”. Sabia que um dia iria ter um. Era calmo e ponderado. Esperou o momento oportuno.

Quase todos os irmãos escoteiros da tropa possuíam um. Ele e mais dois usavam um bibico, o que não lhe agradava muito. Sua mãe e seu pai tinham um grande respeito por ele. Era estudioso, bom filho, um excelente escoteiro; A Lei Escoteira era ponto de honra para sua ação diária.

Uma irmã de seu pai morava na capital de um daqueles estados. O pai escreveu para ela. Sabia que a carta iria demorar e que somente através de um portador poderia receber o Chapéu com Três Bicos. Recebeu uma resposta dois meses depois. O endereço não batia. Pedia outro. Mandaram outra carta com um número de telefone do Comissário Regional daquele estado.

Voltando ao Chapéu com Três Bicos, ele contou que nasceu em um dia qualquer de março, lá pela década de 50. Seu pai, o Sr. Prada foi quem o fez com muito carinho. Naquela época eram destinados somente aos membros do escotismo. Sonhava no dia que teria um dono. Gostaria que fosse um ótimo escoteiro que o mantivesse sempre limpo e com as abas retas.

Lembrou quando foi vendido a uma Loja escoteira. O colocaram no fundo do bazar, embrulhado e esquecido. Outro Chapéu com Três Bicos ficara em exposição. Assim ficou por lá mais de seis meses. O atendente da cantina um belo dia, comentou sua venda. Ele explodiu em alegria. Afinal teria um dono e poderia ajudá-lo em tudo que o Chapéu de Três Bicos pode fazer. Rezava para ser um escoteiro com o espírito voltado para o bem.

Vadinho voltava de um acampamento de tropa. Cansado, (voltavam a pé), ajudou sua patrulha a guardar a tralha que estava estocada na carrocinha. Quando conseguiram comprá-la todos foram tomados por uma satisfação imensa, pois agora levar e trazer o material de acampamento ficaria bem mais fácil.

Da sede até sua casa ainda tinha uma boa jornada. Ele estava acostumado. Sempre fazia este caminho e os passantes e moradores já o conheciam de longa data. Ao avistar sua residência, viu no portão da cerca de madeira, suas irmãs, seu pai e sua mãe, e ficou intrigado.

Quando entrou em casa, viu em cima da sua cama, o seu novo Chapéu de Três Bicos. Incrível! Extraordinário! Ria, cantava e abraçava a toda a sua família. O Chapéu de Três Bicos também sorria. Gostou de Vadinho. Achou que seria muito útil e dalí em diante, também iria pertencer àquela família tão simpática.

No dia seguinte Vadinho procurou um marceneiro, para saber quanto seria para fazer um porta chapéu. Tinha visto o Chefe com um, e viu que seria ótimo para guardá-lo mantendo sempre as abas retas durante anos e anos. Combinaram o preço e Vadinho trabalhou mais e mais engraxando sapatos para pagar sua encomenda.

No primeiro sábado, orgulhosamente exibiu seu chapéu com três bicos a todos os seus irmãos escoteiros. Agora sentia que estava bem uniformizado. O Chapéu com Três Bicos também se orgulhava de seu dono. Fazia tudo para protegê-lo do sol e da chuva, mas quando chovia Vadinho corria para um local protegido para abrigar é claro o seu chapéu com três bicos.

Um dia, em uma atividade feita em uma serra próxima a sua cidade, passaram por uma estreita trilha tendo ao lado um despenhadeiro de grande profundidade. Um pé de vento o pegou de frente e seu Chapéu com Três Bicos voou para longe. Deu para o ver caindo bem lá no fundo.

O Chapéu Com Três Bicos se assustou com aquilo. Nunca pensou que pudesse acontecer. Não gostaria de acabar no fundo de um penhasco, molhado talvez a rolar e correr por regatos e córregos, esquecido e se desmanchando lentamente. Não. Não podia acontecer. Tinha certeza que Vadinho iria salvá-lo.

Vadinho de maneira nenhuma iria desistir do seu Chapéu com Três Bicos. Mesmo contrário as sugestões da chefia, estudou como ir até ao fundo do penhasco e resgatar seu Chapéu com Três Bicos. Voltou por dois quilômetros e encontrou uma pequena trilha que descia até o fundo. Subiu córrego acima e alcançou o ponto onde estaria o seu Chapéu com Três Bicos.

O Chapéu de Três Bicos viu Vadinho se aproximando. Permanecia em cima de uma árvore e sabia que Vadinho não poderia vê-lo. Não podia deixá-lo ir embora. Balançou, balançou, esperneou, se mexeu tanto que caiu próximo onde Vadinho estava. Os dois, o Chapéu de Três Bicos e Vadinho deram urras de alegria. “Anrê, Anrê, Anrê! Pró Brasil? Maracatu”. Pronto, o agradecimento tinha sido realizado.

O Chapéu de Três Bicos ficou com Vadinho por mais de 8 anos. Um dia ele foi para outra cidade e presenteou seu Chapéu com Três Bicos a um novo escoteiro. Não gostou do seu novo dono. Zito era desleixado, não tinha interesse pelo Chapéu com Três Bicos, e fazia dele gato e sapato. Mesmo sem uniforme, usava-o e o surrava com todas as intempéries possíveis.

Quebrou sua proteção das abas largas e o jogava de qualquer jeito em cima do guarda roupa. Soube depois de um ano que Zito já não participava mais do escotismo. Durante três anos ficou com Zito. Esquecido em um canto, desprezado, sem nenhuma utilidade para um nobre escoteiro. Foi substituído por um boné qualquer. O Chapéu com Três Bicos estava triste e magoado.

Um dia um tio de Zito viu o Chapéu com Três Bicos em cima do guarda roupa. Perguntou a Zito se não o presenteava. Sabia que um chefe de tropa escoteira seu amigo precisava de um. Como era pobre e sem condições financeiras não tinha adquirido na capital. Zito é claro viu uma oportunidade de ganhar uns trocados. O tio pagou o que ele pediu.

O Chapéu de Três Bicos vibrou com a mudança de dono. Ainda não sabia quem era o terceiro que ia servir. Não importava. Estava cansado do abandono, da sujeira, se sentia torto e com cheiro ruim.

Miguel era o seu novo dono. Era um bom chefe. Não entrou no movimento como menino. Já tinha 18 anos quando iniciou sua senda na chefia escoteira. Não entendia nada. O Grupo tinha enorme falta de chefes. Miguel tinha coragem. Aprendeu sozinho ou mesmo com seus monitores as técnicas e a maneira como fazer para a tropa prosseguir em sua caminhada.

Todos os jovens o admiravam. Fora duas vezes a capital fazer cursos escoteiros. Aprendeu muito. Estava fazendo dois anos de atividade. Quando soube do Chapéu com Três Bicos e se alegrou. Ao vê-lo, entristeceu. Velho, torto, sem cor e alquebrado.

O Chapéu com Três Bicos sentiu-se desprezado. Pensou positivo e deu negativo. Mas logo viu que Miguel não tinha desistido dele. Soube por meio de outros chefes antigos como reformar um chapéu. Pegou uma escova nova de engraxar sapatos, molhando aos poucos com água potável, escovou todo o Chapéu com Três Bicos várias vezes.

Após ver que a limpeza deu resultado, faltava endurecer a aba para se tornar um verdadeiro Chapéu escoteiro com Três Bicos com abas retas e planas. Aprendeu com sua mãe como engomar roupas e viu que ali poderia fazer o mesmo. Jogou pouca goma, também molhada na escova e com o ferro de passar roupa, colocou o chapéu com três bicos em uma superfície lisa, passando a borda do ferro calmamente, sem forçar para não agredir a cor e não borrar.

Em pouco tempo o chapéu estava como novo. Faltava somente a proteção. Miguel mesmo a fez. Agora sim, o chapéu com três bicos estava em perfeitas condições de ser usado.

O Chapéu com Três Bicos serviu Miguel por mais de 15 anos. Já velho, perdeu muito a cor, no entanto ainda permanecia fiel as origens. Miguel não comprara um novo. Lembrava sempre dos anos que conviveu com Miguel. Das excursões, dos acampamentos, de suas viagens para participar em eventos burocráticos ou de decisões do escotismo nacional.

Um dia, Miguel apareceu com um Chapéu com Três Bicos novo. Falou para o amigo Chapéu com Três Bicos que não estava abandonando-o. Estava na hora de sua aposentadoria. Afinal estava fazendo seus trinta e cinco anos de nascimento. Precisava descansar. Miguel o colocou em sua sala. Agora casado, com filhos, seu Chapéu com Três Bicos era um troféu a ser mostrado a todos. Tinha orgulho dele.

Achei até que Miguel sabia de toda a história. Quem sabe o Chapéu com Três Bicos também tinha contado a ele. Eu era muito amigo de Miguel. Ele estava agora com 68 anos. Ainda era ativo nas atividades escoteiras.

Olhei para o Chapéu com Três Bicos e o parabenizei. Disse que também tinha um em casa. Não com tantas histórias para contar. Agora que conhecia sua fábula, eu também teria mais cuidado com meu Chapéu com Três bicos. Quem sabe depois disto, ele seria mais falante, e me diria o certo e o errado em seu uso.

Miguel adentrou a sala e me viu falando com o Chapéu com Três Bicos. Fiquei encabulado e sorri meio sem jeito. Miguel não disse nada. Também sorriu. Ficamos eu e ele calados como a dizer que o segredo seria bem guardado.

Fui para casa pensativo. Quantos Chapéus com Três Bicos neste “mundão” escoteiro não tem grandes histórias para contar? Quantos são felizes com seus amos e quantos estão tristes com o tratamento que recebem. Hã! Que saudade. Que saudade do meu Chapéu com Três Bicos...

E quem quiser que conte outra...

"Há corações que param no passado; e para que isto não
 aconteça com você deixo-lhe este pequeno lembrete, para que o
 seu coração, ao mover-se no futuro, encontre sempre algo no
 presente.” 
Anônimo

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

PONTA DE FLECHA



“Os guerreiros montados que se retiravam avançaram para Castor Manco, e mais dois o feriram. Ele já estava sangrando por vários ferimentos, mas apanhou a ponta de lança que o atingira na perna e tentou defender-se com ela. Entretanto, um quinto pawnee o atacou pelas costas com uma lança que o atravessou e foi sair no peito. Com isso, Castor Manco chegou ao fim.
Agarrando a ponta exposta da lança, começou a cair para a frente, mas ainda teve animo para dizer as palavras do seu canto de despedida:
- Só as pedras, duram para sempre.
O bisão corre.
Mas eu não vejo o pó.
O castor bate a cauda
E eu não ouço.
Os chefes se reúnem,
Mas não dizem palavras
O inimigo começa seu ataque
E as lanças brilham
Só as pedras....

Um tremor lhe passou pelo corpo e estrangulou-lhe o canto. Tentou arrancar a lança fatal através do peito, mas as forças lhe faltaram. Caiu para a frente no pó do campo de batalha, diante do corpo de Água Brusca, mas não viu seu inimigo. Sua ultima visão terrestre foi à égua malhada galopando na planície.
- A morte de Castor Mancho enfureceu nosso povo. Todos sabiam que ele tinha ido para a batalha disposto a morrer.
Cobra que Salta decretou que fossem dados a Castor Manco os funerais e um chefe. Uma alta plataforma de madeira foi construída em três choups as margens do Platte. Ali, bem acima do chão, seu velho corpo despedaçado foi depositado para descansar. A estaca que ele se amarrara foi colocada ao lado dele, e as correias de honra ficam flutuando ao vento.
Ali, no alto, acima das planícies que amara e do rio que tantas vezes seguira, descansava Castor Manco, o homem dos muitos golpes.

De James Michener – retirado do livro A Saga do Colorado

PONTA DE FLECHA

Com palestras e muitas atividades práticas, o Ponta de Flecha busca desenvolver nos jovens monitores e subs um espírito de liderança e responsabilidade com sua patrulha. Nesse Ponta de Flecha os participantes tiveram também a oportunidade de trabalhar na colcha de lenços escoteiros que a UEB vai levar para o Jamboree Mundial na Inglaterra como parte do programa Presentes para a Paz.
Para quem não sabe o Acampamento Ponta de Flecha é destinado somente para monitores e sub-monitores, pois tem o enfoque em liderança, que é necessário para os responsáveis das patrulhas.

Retirado de alguns tópicos na internet de Regiões e Grupos diversos

Recebi de um amigo muito chegado a pergunta – o que acha do Ponta de Flecha? A minha maneira respondi na mesma hora o que achava. Acho que ele não gostou. Mas fiquei pensando sobre o assunto e lembro-me de épocas passadas, talvez lá no final da década de 60, onde começou a idéia de fazer um curso para monitores. Talvez houvesse antes um cursos destes, mas não tomei conhecimento.

O preâmbulo acima e no roda pé do artigo do livro de James Michener, nada tem a ver com o tema. Mas não sei por que “cargas d’água” resolvi colocá-lo para abrir e encerrar meu artigo, talvez fosse pela ponta da flecha, que me lembrou de tribos indígenas e era um nome sugestivo que apareceu oportunamente.  Pensei até em retirá-lo, mas vou deixar porque quem sabe, alguém anima a ler o livro de 1054 fls., um dos melhores que já li.

Na época até que aceitei, mas depois vi que o objetivo proposto era inteiramente contrário aos objetivos que se propunha. Quem conhece e aplica o Sistema de Patrulhas, deve ter uma experiência adequada ao assunto. Escrevi também dois artigos sobre o tema, inclusive o “A patrulha de Monitores” Se você já leu e conhece como funciona, é difícil concordar com este curso.

Qual o seu objetivo? No inicio deste artigo ele se descreve:
 – “Acampamento ou curso Ponta de Flecha é destinado somente para monitores e sub-monitores, pois tem o enfoque em liderança, que é necessário para os responsáveis das patrulhas.”

Muito bem, mas isto não é papel do (a) chefe escoteiro (a)? Ele não é o monitor de seus monitores, ele não ensina, adestra forma e é amigo deles em todas as horas? Não é ele quem acampa, vive o sol, a chuva nas atividades ao ar livre, vai a casa deles, Conhece seus pais, como vão na escola, na igreja, troca idéias e sabe o que dizem na Corte de Honra? Como um dirigente de um curso deste pode atingir o que se propõe? Por isto não entendo a necessidade do Ponta de Flecha.

Já vi realizarem alguns, e nem sempre o Escotista da seção está presente. Conheço alguns casos que os monitores infelizmente colocaram o chefe na berlinda. Ele não foi ou foi uma figura apagada. Para eles, o dirigente do curso ou outro nome que queiram dar, é quem melhor conhece a técnica, o sistema e tudo mais. E vi também diversos dirigentes destes cursos que nunca passaram por uma tropa e pelo menos adquiriam algum conhecimento prático dirigindo.

 Obtiveram um manual e o aplicaram. Afinal ele o manual é da UEB não? Merece confiança. Muitos deles não têm experiência anterior e nem sabem analisar a vantagem ou não do tal curso, pois não viram no futuro o crescimento de tropas, como os monitores se desenvolveram etc. – claro, sempre tem alguns com muita experiência. Mas isto não torna o curso imprescindível.

Dizem-me, mas todos os chefes estavam presentes! – E fico a imaginar o futuro de tudo isto. Pela quantidade de pontas de flecha realizados no Brasil, deveríamos ter um movimento forte, em plena expansão, boa técnica, excelentes monitores, grandes acampamentos, sistema de patrulhas funcionando a todo vapor. Será isto mesmo?

Meus amigos acho que o tal Ponta de Flecha (não deixa de ser um nome sugestivo) deveria ser aplicado com os adultos que participam das seções. Quem sabe são eles que estão precisando? (sempre digo, nem todos) Na minha época de Regional juntamente com outros membros da equipe, isto em dois estados brasileiros onde tive a oportunidade de atuar mais profundamente, adaptamos um Curso Técnico para Escotistas. (hoje existem muitos deles) Ali, tentamos passar para eles, o seguinte currículo:

- Técnicas Mateiras – uso do machado, serrote do lenhador, traçador (diversos tipos), cortes de galhos mais altos, serrar toras – construções de pioneiras simples (grandes pioneiras só com atividade própria para isto) – Construções de pontes simples – uso da corda em árvores, rios, despenhadeiros, nós simples, nós de marinheiro. – uso da bússola (silva e prismática) – leitura de mapas, azimute, passo duplo, percurso de Giwell, orientação (inclusive noturna, sem bussola e com chuva) passo duplo - Construções de abrigos simples. – Marcação de distancias, previsão do tempo - sinais de pista de animais, reconhecimento de pegadas – Enfim, várias técnicas que eles iriam passar para os monitores e ele sim vai melhor adestrar sua patrulha. Não esquecendo: A velha e boa semáfora e Morse.

Quanto à liderança e como formar um líder, aplicamos também neste curso, mas sempre acreditávamos que com a arte de aprender fazendo e o aconselhamento este seria um tema freqüente e sempre motivo de discussão por parte de todos os monitores. Ah! Não esquecendo que os monitores são eleitos por períodos aprovados em Corte de Honra. Portanto, se fosse um curso com validade ele teria de ser aplicado anualmente com datas pré-estabelecidas.

Voltando ao curso Técnico, o Escotista podia não sair um excelente mateiro, mas tinha uma boa noção de como deve se adestrar ou formar como quiserem dizer, o monitor e sub.

Não serei radical com o curso Ponta de Flecha. Até aceito. Aceito sim como uma forma de confraternização dos monitores do distrito, incluindo aí algumas bases para diversão e adestramento. Insisto, no entanto que a presença do Chefe da Tropa e/ou assistente são imprescindíveis. Se hoje voltasse as lides escoteira, nunca em tempo algum deixaria meus monitores participarem de tais atividades.. Claro, com as ressalvas que assinalei acima ate que poderia aceitar desde que eu estivesse presente e tivesse a autoridade igual a todos os demais. Inclusive com modificações no programa se houvesse necessidade para tal.

Para encerrar, me desculpem por não ter agradado a todos. Mas acredito ainda em um escotismo nos padrões e métodos idealizados por BP. Sei que o mundo está mudando, aceito isto. Não mandaria meus monitores para alguém que desconhece o que eles são não sabem de sua vida e nem de seus conhecimentos escoteiros. Mas alerto aos chefes que participam e convidam seus monitores ir aos cursos programados, que devem ver o programa, sugerir, pensar em suas patrulhas e claro, estar presente sem ser um expectador privilegiado.

Bom Ponta de Flecha, que seja uma excelente confraternização de graduados!
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De um Tratado de 1868:
Nenhuma pessoa ou pessoas brancas poderão colonizar ou ocupar qualquer porção do território ou, sem consentimento dos índios, passar pelo mesmo.
A palavra dos Índios:
“Fizeram-nos muitas promessas, mais do que me posso lembrar.
Mas eles nunca as cumpriram, exceto uma:
prometeram tomar a nossa terra e tomaram-na.”
 (Nuvem Vermelha, dos Sioux Oglala)
“Soube que pretendem colocar-nos numa reserva perto das montanhas.
Não quero ficar nela.
Gosto de vaguear pelas pradarias. Nelas sinto-me livre e feliz.
Quando nos fixamos, ficamos pálidos e morremos. Pus de lado a minha lança, o arco e o escudo, mas sinto-me seguro junto deles.
Disse-lhes a verdade. Não tenho pequenas mentiras ocultas em mim, mas não sei como são os comissários. São tão francos como eu?
Há muito tempo, esta terra pertencia aos nossos antepassados. Mas, quando subo o rio, vejo acampamentos de soldados nas suas margens.
Esses soldados cortam a minha madeira, matam o meu búfalo e, quando vejo isso, o meu coração parece partir-se. Fico triste…
Será que o homem branco se tornou uma criança, que mata sem se importar, e não come o que matou? Quando os homens vermelhos matam a caça, é para que possam viver, e não morrer de fome.”
 (Satanta, dos Kiowas)

“Quando a pradaria pega fogo, vêem-se os animais cercados pelo incêndio.
Vê-se que eles correm e que tentam esconder-se para não se queimarem.
É dessa maneira que estamos aqui.”
 (Najinyanupi, dos Sioux)

“Se não fosse o massacre, haveria muito mais gente aqui neste momento. Mas, depois deste massacre, quem poderia ficar?
Quando fiz a paz com o tenente Whitman, o meu coração estava muito grande e feliz.
A gente de Tucson e de San Xavier deve ser louca. Agiram como se não tivessem cabeças nem corações. Devem ter sede do nosso sangue.
Essa gente de Tucson escreveu para os jornais e contou a sua história.
Os apaches não têm ninguém para contar a sua história.”
 (Eskiminzin, dos Apaches Aravaipa)

“Esta guerra não nasceu aqui, na nossa terra. Esta guerra foi trazida até nós pelos filhos do Pai Grande, que vieram tomar a nossa terra sem perguntarem o preço, e que, aqui, fizeram muitas coisas más. O Pai Grande e os seus filhos culpam-nos por estes problemas…
A nossa vontade era viver aqui, na nossa terra, pacificamente, e fazer o possível pelo bem-estar e prosperidade do nosso povo. Mas o Pai Grande encheu-a de Soldados que só pensavam na nossa morte.
Alguns do nosso povo que saíram daqui de maneira a poder mudar alguma coisa, e outros que foram para o norte caçar, foram atacados pelos soldados desta direção e, quando chegaram ao norte, foram atacados pelos soldados do outro lado. E agora, que desejam voltar, os soldados interpõem-se para impedi-los de regressar ao lar.
Parece-me que há um caminho melhor do que este. Quando os povos entram em choque, o melhor para ambos os lados é reunirem-se sem armas e conversar sobre isso, e encontrar algum modo pacífico de resolver. ”
 (Cauda Pintada, dos Sioux Brulés)

“Não queremos homens brancos aqui.
As Black Hills pertencem-nos.
Se os brancos tentarem tomá-las, lutaremos.”
 [Tatanka Yotanka (Touro Sentado), dos Sioux]

“Onde estão hoje os pequot? Onde estão os narragansett, os moicanos, os pokanoket e muitas outras tribos outrora poderosas do nosso povo?
Desapareceram diante da avareza e da opressão do homem branco, como a neve diante de um sol de Verão.
Vamos deixar que nos destruam, por nossa vez, sem luta, renunciar às nossas casas, à nossa terra dada pelo Grande Espírito, aos túmulos dos nossos mortos e a tudo o que nos é caro e sagrado?
Sei que vão gritar comigo:
 Nunca! Nunca!” (Tecumseh, dos Shawnees)
       Dee Alexander Brown

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

FOGO DE CONSELHO FASC. 31

                                                                                
O “Velho” é um personagem criado em 1976, quando comecei a escrever fascículos de Historias que os Escoteiros não Contaram. Este do Fogo de Conselho são em dois. Um já publicado aqui. Se gostarem do estilo do “Velho”, ele, a Vovó e o Chefe Escoteiro são encontrados no blog http://chefeosvaldo.blogspot.com

O fogo de conselho – Parte II – fasc. 31

“O tempo não apaga a história. Ali, era como se tivesse passado séculos e ela estava viva e presente. Não era sonho, era realidade. Tudo estava vivo ali na minha frente. O Fogo de Conselho era mais do que eu queria. As horas pareciam minutos e se eu pudesse se estenderia pôr toda a eternidade.
Às brasas chamuscavam o céu com minúsculas fagulhas, e distraiam meus companheiros de aventuras. O sorriso mostrava a realidade do ápice da aventura. O calor não era só do fogo, mas de todos nós.
Muitos outros Fogos de Conselho virão e sei que em cada um deles minhas estórias ficarão marcadas para sempre.

DE UM ESCOTEIRO NOVIÇO

AOS ANIMADORES DE FOGO DE CONSELHO, POIS ELES SÃO A RAZÃO DE SER DO DIVERTIMENTO

FINAL

      O dedo em riste do "Velho" não era em tom de desaforo, mas sim de uma maneira peculiar quando queria discordar de algum tema em discussão.

      - Eu sei que o mundo é outro e já estamos no século XXI, claro - dizia o "Velho". Mas isto não significa que os jovens também querem mudar. Eles estão aceitando o que lhes oferecem, e na falta de algum melhor, aceitam qualquer coisa, até mesmo a “tapeação”.

     - Não é bem assim "Velho", - Quem falava era um membro da Equipe de Formação, um dos poucos a visitar o "Velho" esporadicamente.

      Quando aparecia, já sabia das opiniões do “Velho! e sempre sobrava para ele às mudanças porque passava o Movimento Escoteiro. Ele era um daqueles abnegados, Engenheiro Civil, que largava seu Escritório para ajudar e ao mesmo tempo era um dos poucos que podia falar de “Cátedra” porque insistia em participar como Chefe de um Grupo Escoteiro e que pôr sinal exercia uma liderança saudável na área de sua atuação.

- Tenho participado de alguns Cursos Técnicos de Fogo de Conselho, e você sabe da minha experiência do passado.

- Conheço como você como surgiu e como BP deu significado a esta atividade noturna. Ele mesmo participou de muitos nas varias tribos africanas e em sua visita aos índios norte-americanos e australianos.
 
- Não falo pôr falar, procuro ir a fundo nas minhas idéias e não vou aceitando qualquer abelhudo dar diretrizes, querendo ensinar o que devo ou não devo fazer. Você me conhece bem e sabe como sou.

- O "Velho" “fungou”, deu umas boas tragadas em seu cachimbo, soltou “baforadas e baforadas" empestando a Sala Grande, fazendo com que a “tosse” viesse sem ser solicitada.

Era uma discussão das boas. Não fazia nem dois meses que havia participado do Curso Técnico de Fogo de Conselho e minha pesquisa tinha dado uma diretriz, que não caminhava em direção a usual, ou seja, a rotina do que hoje todos denominam Fogo de Conselho.  

- Procure compreender a minha atuação. Bem diferente da sua, que tomo a liberdade de dizer, é muito simplista e fácil. - Continuou o Chefe. - Você pode se dar ao luxo de criticar, pois não participa diretamente! - O "Velho" ouvia calado. Ele esperava sua vez. Não era o primeiro e nem o único a dizer que é fácil criticar de fora. Já ouvira de outros. Diziam que difícil é estar participando e tentar mudar, fácil é criticar mesmo sendo construtivo de longe.

- O mundo mudou e você sabe disto, - falava o Chefe - Já não podemos fazer fogueira, Pioneirias e outras tantas atividades escoteiras tão facilmente. O Fogo de Conselho também sofreu adaptações e até agora tem dado certo! - Tenho acompanhado nas sessões do Grupo que participo e não tenho me decepcionado! - Os jovens têm gostado e não reclamam.

- Se você der minhoca para pescar jacarés numa lagoa de lambaris eles vão ficar o dia inteiro pescando e não vão reclamar. Estão acreditando que ali tem jacarés, pois o Chefe “falou”. - disse o "Velho”. Aprenderam assim. Mas será que isto vai ajudar na formação? - Tenho ouvido de muitos a necessidade de mudança, mas esta não pode ser feita desta maneira. O Fogo de Conselho faz parte do Adestramento. Não parece, mas ele é muito importante.

- Olhe - continuava o "Velho" - O Fogo de Conselho é uma extensão da atividade em que o jovem participou nos dias de acampamento. Não uma cópia teatral ou televisiva do que vemos todos os dias. Ele (o Fogo de Conselho) tem que ser criativo e para isto não pode ser para uns poucos que se sobressaem na arte de representar.

- Não basta ter um animador dos bons, a idéia de BP não foi essa. Você já disse que conhece como eu como surgiu e o que vemos foi criado depois. Hoje alguém com alguma criatividade vai lá na frente com um programa escrito e pobre dos participantes, vão assistir réplicas de representações antigas ou vistas em alguns programas cômicos de TV. Canção, apresentação de uma patrulha,, palma, canção, apresentação de outra patrulha e assim vai.

O Chefe DCIM ouvia. Não sabia se concordava se esperava o final para ir embora ou se preparava para retrucar. - Continuava o "Velho" - Acredito que existe a necessidade deste espetáculo teatral, desde que seja bem montado e destinado para pais e visitantes.  A pirotecnia ali até que pode valer à pena, mas esta é a única exceção que admito.

- O melhor é aquele fogo da tropa, que ela decidiu onde e quando. Que ela (a tropa) sabe o que vai fazer. Que pode ser um simples bate papo, mas o fogo, este sim está ali em volta, e todos sentem o mesmo calor e participam em conjunto espontaneamente. Alguns ingredientes são bem vindos e devemos até motivar os nossos jovens com instrumentos musicais, mas alguns chefes acham que ali podem demonstrar seus dotes de cantores em vez dos jovens e acabam estragando tudo!

- Fazer o certo não é difícil! - Basta dar a isca correta. Com o tempo tudo irá fluir naturalmente.  Deixar pôr conta dos monitores. Não importa até quando eles estão ou não preparados. Não precisa de nenhuma técnica para isto. E nem curso, desculpe minha intromissão.

- Isto se aplica também a Tropa Sênior e claro nas tropas femininas. Discordo inclusive o que estão fazendo aos lobinhos. Claro que não seria uma réplica do fogo da Tropa, mas o inicio para eles se motivarem mais, sem aquela preparação minuciosa com um ou outro chefe se destacando, sem dar possibilidades de criatividade entre eles e o “incrível e chato” lampião fazendo às vezes de uma fogueira.

- Posso até concordar com você em alguns pontos - falou o Chefe DCIM - Mas não é tão simples assim. Hoje temos Escotistas que nunca foram ao campo e não tem a mínima idéia do que fazer. Não sabem nem acender um fogo e estão dirigindo um acampamento.

- Você chegou ao ponto! - falou o "Velho”. Este é o nosso Escotismo. Causas e efeitos. Pelo efeito estamos dando o que achamos certo, mas sem nos preocupar com as causas. Estas é que são preocupantes. - Enquanto vamos criando facilidades para aqueles novos vamos mudando o rumo do nosso fundador. Temos que atacar em todas às frentes e não ficar facilitando a vida de um interessado em ser um Dirigente Escoteiro. Compete a ele se adestrar, ler, aprender e estagiar para não prejudicar toda uma estrutura que foi montada em alicerces firmes.

- Sei que você vai me dizer que estes não estão tão interessados e que os Grupos tem dificuldades em encontrar vários deles, mas isso poderia mudar se as causas fossem sanadas. - Primeiro tentar diminuir a evasão e com isso utilizando mais os rapazes advindos do movimento. Desculpe novamente, sei que não é este o nosso assunto, mas uma coisa leva a outra.

O "Velho" viu que seu cachimbo estava apagado. Entusiasmou-se tanto que logo sentiu a falta daquela horrorosa fumaça que soltava como se fosse a chaminé de uma fábrica ou locomotiva a vapor.

O Chefe DCIM aprovou a deixa para mudar de assunto.

Conversaram mais algumas amabilidades e logo apareceu a Vovó com seu café fumegante e seus biscoitos maravilhosos. Fiquei analisando a conversa dos dois e fico com o "Velho”. O Fogo de Conselho tem tradições que foram criadas e estas não podem ser alteradas a bel prazer.

É delicioso fazer uma fogueira simples, alimentá-la à medida que se torna necessário, sentir o calor dos amigos, um bate papo legal, uma canção espontânea, uma imitação ou uma historia de improviso, um fato pitoresco, um bom café ou chá e boas risadas das dificuldades ou aventuras do dia ou dos tempos no Escotismo. Os jovens, os chefes, todos eles são amigos e não superiores. Não há ordem de seqüência e nem repetitividade. Este sim seria o meu fogo ideal.

Já participei de dezenas, centenas talvez, mas não tive o prazer de assistir e participar de um desses. Felizes são os jovens. Pena que os adultos não pensem assim. Sempre querem decidir para eles e eles não sabem que a felicidade está tão perto e basta um pequeno empurrão para alcançá-la.

- Senti o "Velho" bater a mão no meu ombro, dar um olhar enigmático e dizer -”Também concordo com você, só que eu pude participar, pois Graças a Deus, fui jovem e tive uma chefia de primeira qualidade!” –

Deus do céu! - pensei. O "Velho" agora também lê pensamentos?
                            Eu era feliz e não sabia!!!