Uma linda historia escoteira

Uma linda historia escoteira
Era uma vez...

sábado, 18 de agosto de 2012

Muito além do por do sol.



Muito além do por do sol.

           Escotismo! É meu amigo, ele tem uma força que dobra o mais valente com seu método, com sua filosofia, com sua promessa, com o sabor de aventura, onde se pode ir onde jamais se sonhou. Quem não se encantou um dia ao cantar o Rataplã? Quem não sorriu um dia ao ver o espetáculo do amanhecer em uma barraca na orla de uma floresta? E porque não dizer de sentir a fumaça do fogão, o cheiro de uma refeição inconfundível, os olhos vidrados na panela mágica, se coloca um galho aqui, uma lenha ali, ver o aguadeiro levar a água que dará a todos um manjar dos deuses? Escotismo marca. É como o ferro em brasa que escreve em nossos corações um amor difícil de explicar. Um caminho de alegrias e felicidade.
           Escotismo! O que você tem meu amigo? Que força é essa que nos atrai? Que nos hipnotiza e nos faz correr atrás de você, de peito aberto em busca de aventuras? A cada dia se vai descobrindo um lindo e belo caminho a seguir e mais e mais este escotismo vai fincando raízes que nunca nos abandonarão. Rimos das coisas simples do dia a dia, como lavar uma panela lá no riacho, mas tem cena mais linda? Quando você fez isto? Nunca eu sei. Nunca você cortou um bambu e quando você olhou para ele o viu dizendo: - Serei seu banco, sua cama, serei aqui para você sua casa seu lar. Simples não? Mas você amou tudo aquilo.
          Falar que você viu o nascer e o por do sol não vale. Já foi falado. Falar que você pode ver as estrelas no céu também não vale. Já foi visto. Mas dizem que a primeira vez é que a gente nunca esquece isto vale. E todos nós sempre tivemos nossa primeira vez. Dormir em uma barraca, junto com amigos que brincam que contam piadas e acordar de madrugada sem o cobertor, pois lá não tem a mamãe para olhar você. Acordar e ver o sol entrando na barraca. Sair, esfregar os olhos e todos a correr para tantas aventuras que virão.  Mas preste atenção em coisas simples, que um dia vai fazer você recordar e pensar que agora elas se tornarão tão importantes em sua vida que sua mente. Quando se lembrar quem sabe, terás um pouco de nostalgia, de saudade, que às vezes machuca e então você quer voltar no tempo e ir lá onde esteve.
         Um jogo, um abraço, um Monitor alegre, amigos do peito na Patrulha que lhe dão orgulho e quando juntos dão o grito tem uma coisa que fica mexendo com você. Você não sabe se ri se chora se abraça todo mundo, mas não para por aí. E quando senta a moda índia em volta de uma fogueira, já noite alta, e as chamas insistem em subir aos céus, iluminando as árvores, aquela coruja que olha a todos com surpresa, o rosto de seus amigos, os olhos que brilham como se ali estivesse à fogueira dos sonhos e então você pensa - Que lindo isto! Mas não param suas surpresas, todos cantam canções lindas, brincam ao redor do fogo e aos poucos você descobre que é a pessoa mais feliz do mundo!
       E quando chega a hora de apagar a fogueira, de voltar a sua barraca, de dar um belo sorriso quando for dormir, eis que todos dão as mãos, entrelaçadas, ainda ao redor do calor do fogo, dizendo que não irão se separar nunca, que não é mais que um até logo, um adeus que não existe, pois é apenas um até breve e você quase chora. E todos apertam mais e mais as mãos e dizem que um dia de novo irão se encontrar aqui ou em outro fogo. Você quando ouve e canta que o senhor protege e abençoa a todos, você não sabe mesmo se vai chorar. Chorar? E quem não chora? Alí não tem valentes assim. Não dá para segurar. E seus olhos ficam marejados. Lagrimas irão cair. Deixe cair. É bom. Ajuda a amar mais e mais este movimento incrível!
       Alem do por do sol, além do arco íris existem sempre alguns escoteiros ou escoteiras que lá estão acampando. Estão a viver um mundo incrível. Uma aventura sem igual. Irão lembrar que o amor entre eles nada e ninguém vai separar. Vamos deixar o vento soprar, que venha o vendaval, que venha a brisa fria do leste. Que o orvalho caia e molhe a fronte de todos, pois isto é nossa marca que veio para ficar. Deixe que tudo aconteça normalmente. Olhe para o regato, veja uma folha que caiu na correnteza e vai aos poucos sendo levada para mar. Deixe o escotismo entrar em você. Aos poucos. Deixe seus olhos passear nas campinas verdejante, nos peixes saltitantes no rio formoso. Deixe que vejam as flores silvestres que desabrocham, abra os olhos e os ouvidos e veja o beija flor com seu bailado de mestre, a dançar em volta dos papagaios, dos bem-te-vis, dos pardais coloridos. São tantas coisas belas que você vai poder viver e guardar para sempre no seu coração.
         Além do por do sol, além do arco íris, existe um sonho. Real. Simplesmente fantástico. Escoteiros e escoteiras lá estão vivendo uma vida de aventuras. Isto é extraordinário. A montanha azul que lá está, é a casa deles. Vá você também viver o que eles vivem. Vamos! Eles vão receber todos de braços abertos com amor no coração. Pois sabem que alem do por do sol, além do arco íris é ali que eles encontraram a verdadeira felicidade!
       Vamos, coloque sua mochila, desfralde sua bandeira e diga alerta para os que ficaram e grite alto: Avante! Sempre Juntos! Em frente marche! Cante uma bela canção e parta com eles em busca dos seus sonhos. Rataplã do arrebol, escoteiros vede a luz! Rataplã olhai o sol, de um Brasil que nos conduz!          

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

As crônicas do Chefe Escoteiro. (lendas para fogo de conselho) A ardilosa Acará do riacho Vermelho.



As crônicas do Chefe Escoteiro.
(lendas para fogo de conselho)
A ardilosa Acará do riacho Vermelho.

            Podem dizer que é invenção. Podem dizer o que quiserem. Não me importo, juro pela alma do Cavalo Baio do Seu Chico das Mercês que é verdade. Afinal tenho mais três testemunhas (todas já se foram para ao grande acampamento). Quatro experientes escoteiros sendo enganados por um peixe? Fiquei deveras preocupado com o acontecido. Isto nunca aconteceu antes. Como uma simples pescaria um peixinho “mixuruca” deu um baile em quatro primeiras classes? E sem me gabar, me considerava um grande pescador. No Rio Doce pesquei todo tipo de peixe. Era “bamba” na pesca do Timburé. O peixe que não era para qualquer um pescar. Um dia até peguei um com as mãos quando mergulhava num remanso lá pelos lados de Derribadinha.
           Mas vamos contar o que aconteceu. Acredite quem quiser. Nosso Chefe era muito amigo do Seu Chico das Mercês. Ele tinha um sitiozinho lá pelos lados de Malacacheta. Assim ele dizia. Um sitiozinho, mas querem saber? A cavalo precisava de mais de cinco dias para percorrer toda sua divisa com outras fazendas. Sempre acampávamos lá. Não era longe e ele era um amigo do peito dos escoteiros. O melhor, a mata era linda e sumia de vista. Cinco córregos e ainda o Rio Vertente cruzava de norte a sul em suas terras. Um local perfeito. Nada que menos de duas horas nas nossas bicicletas não resolvesse a viagem (parece que eram duas léguas de distancia, mais ou menos doze quilômetros).
          Férias de janeiro. Grupo fechado em férias, mas alguns da Patrulha Lobo só reclamavam de não fazer nada. Porque não acampar? Melhor ainda, vamos levar só sal e óleo e lá nos viramos? Desafio era conosco. Éramos quatro primeiras classes. Experiência era o que não nos faltavam. Primeiro dia, montamos uma cabana que quebrava o galho para os quatro dormirem. Chegamos às três da tarde. Seu Chico sempre rindo. Era uma festa quando íamos. – Jantem comigo hoje, disse. Obrigado Seu Chico, mas sabe como é. Pretendemos acampar lá próximo ao Córrego Vermelho e não é perto. - Entendo ele disse. Mas cuidado. Não contem com as acarás de lá. São danadas de espertas. Todos riram. Peixe esperto? Só mesmo o seu Chico para dizer isto.
         Lá pelas quatro achei um local com muita minhoca “puladeira”. Perfeito. Era a melhor para a ocasião. Cortamos eu e o Fumanchú duas varas de bambus e em minutos tínhamos tudo preparado. Romildo e Israel ficaram no campo fazendo uma mesa. Achamos um belo remanso. Água cristalina. Lá no fundo uma bela de uma Acará. Enorme. Rabo vermelho. Só ela seria um jantar perfeito. Joguei meu anzol e aproximei de sua boca. Ela deu uma nadada para trás. Fui mais próximo e ela escondeu em uma galhada. Perdi meu anzol. Fumanchú tentou e nada. Tinha reservas. De novo ela andando de ré. Resolveu pular na água e sumia. Aparecia em outro remanso bem abaixo. Corríamos até lá e nada. A maldita sumia e aparecia em outro remanso. Já ia escurecer e não tínhamos pegado nada. Caramba! E as traíras? E os lambaris? Só aquela maldita Acará?
          Não podíamos desistir. A fome ia chegar e comer capim? Programa de índio. Foi então que resolvemos fingir que íamos embora. Voltamos rastejando pé ante pé e vimos o inusitado. Não era uma Acará, eram mais de vinte. Elas fingiam ser uma só. Impossível? Já disse, juro pela alma do Cavalo Baio do Seu Chico. Combinei com Fumanchú. Você joga a linha mais no meio e eu no inicio do remanso. Vamos nos encontrar bem devagar. Pelo menos uma vaia morder. Sabem o que elas fizeram? Uma fila indiana como se estivessem a escrever a palavra “otários” no fundo do remanso. Não acreditei. E elas então ficaram juntas e vieram até a borda da água e fizeram biquinhos como estar dando risadas.
          Voltamos sem nada. Uma noite sem comer não mata ninguém. Na volta achei um pé de banana maçã. Quebrou o galho. Nossa pescaria mudou de rumo. Agora íamos até o rio Vertente. Lá não teve problemas. Uma pescaria das boas. De vez em quando ia até o remanso e ficava olhando as Acarás. Elas sempre vinham à tona e abriam sua boquinha como a dizer: - Otários! Acho que esta foi minha melhor história. Ninguém vai acreditar, mas fazer o que? Contei isto para muitos escoteiros. Todos que foram lá foram tapeados pelas Acarás. Na tropa e nos Seniores não houve quem não tentasse. Pela primeira vez, a Patrulha Lobo foi enganada por um bando de Acarás. Um peixinho que todos dizem ser mansos e agora eu mudei de opinião.
          E quem quiser acreditar tudo bem, quem não quiser deixem a história para contar a noite em um Fogo de Conselho. Mas não se esqueçam de dizer a todos que eu juro que é verdade. Pela alma do Cavalo Baio do Seu Chico das Mercês.
Nota – O Cavalo Baio nunca existiu. Era uma lenda que Seu Chico contava e ninguém acreditava!
E quem quiser que conte outra.  

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

As crônicas de um Chefe Escoteiro. Tem gente que gosta!



As crônicas de um Chefe Escoteiro.
Tem gente que gosta!

               Meu caro Chefe Osvaldo! Pare de criticar! Afinal seu tempo já foi e hoje nós também somos felizes. Deixe que façamos o escotismo como aprendemos! – Desculpem. Sou um "Velho" chato, muito chato. Não queria e não quero ofender ninguém. Perdão! Acho que estou ficando gagá! Risos. Mas prometo pela minha honra que nunca deixarei de ser eu mesmo! Nunca! Afinal tento ser autêntico e se permitem vou contar um segredo. Fica entre nós. Conto que não falem para ninguém! – Meu amigo e minha amiga, temos que ter tem alguém como eu para ser chato. Sem isto o mundo Escoteiro não teria graça, teria? Temos tantos com poses de comandantes, outros muito sisudos que o mundo Escoteiro precisa de pessoas como eu. Afinal tem tantas coisas acontecendo e ninguém reclama! Todos batem palmas! Claro, sei que voces não notam, mas um velhote chato como eu nota. E não dá para ficar calado. Querem saber? Vamos lá:
                 - Jamboree no Rio/2012. Uma apoteose. Lindo. Quem foi não vai esquecer nunca mais. Aplaudem tudo. A taxa enorme (para mim é claro para outros quase de graça), as filas quilométricas para as refeições, outras filas e a falta de água para banho, e o que não entendo, ou melhor, acho que entendo são escotistas e pioneiros que se ofereceram para ajudar no staff. (Staff é um termo inglês que significa "pessoal", no sentido de equipe ou funcionários. O termo é utilizado para designar as pessoas que pertencem ao grupo de trabalho de uma organização particular). Meu Deus! Tenho que tirar o chapéu para eles. Gastaram com a viagem (alguns de longe, lá do norte ou do sul), alimentação na ida e vinda, pagaram a taxa e ficaram trabalhando! (dizem que uma taxa menor, mas pagaram!) Pode? E teve cada função de matar. Esquecido de tudo sem poder ver nada. E olhe que adoraram. Só mesmo um Chefe Escoteiro. Eu não sei se faria isto. Pagar para trabalhar? Já basta o que gastamos em nosso grupo. Enfim, tem gente que gosta.
                 - Grupo Escoteiro. Alguns amigos têm comentado comigo que o Grupo Escoteiro não tem condições de pagar as taxas de cursos. Eles é que pagam. Voluntário é assim. Mão no bolso, cheque ou cartão? – Moço! Posso lhe dizer uma coisa? Porque não o cartão Bradesco? Bah! Marketing e não ganhei nada. Soube que tem cursos com taxas acima de R$300,00. Caro? Nem pensar. Até barato! Ainda bem que a maioria destes escotistas ganham bem e não se preocupam com estas bobagens de dinheiro. Mas olhe, o pior é saber que tem grupos que cobram a mensalidade do Escotista. Pode? Voluntário pagando para ser voluntário? E quando vão acampar? A taxa do acampamento também é por conta deles. E sei de casos que eles ainda pagam para alguns jovens que não podem pagar. Bendito seja Deus! Só no escotismo acho que isto acontece. “Não são voluntários são santos”. Enfim, tem gente que gosta.
                 - Família escoteira – O que admiro no escotismo é a participação de toda a família em um Grupo Escoteiro. Os filhos entraram e atraíram os pais. Sábado estão todos lá. Chegam mais tarde em casa e o fim de semana vai começar para eles. Arrumar a casa, roupa para passar, um mundão de coisas. Belo fim de semana. Isto quando não tem alguém acampando, excursionando ou acantonando. A mãe liga, o pai liga. Onde estavam? No escotismo pai. É, atividade social? Só se não houver atividade Escoteira no domingo. No final do mês lá estão três ou quatro ou cinco mensalidades paga pela família. Se um uniforme é caro e para a família toda? Bem isto não discuto. Dizem que família que faz escotismo unida permanece unida. Enfim, tem gente que gosta.
                - Eventos, registros e outros – Não preciso comentar. Todos ficam de orelha em pé com os convites. Jamboree, aventuras diversas, acampamentos regionais, distritais e convites de outros grupos para alguma atividade. Haja programa e dinheiro no bolso. E o valente Escotista fica preocupado. Sabe que não pode ir em tudo, mas gostaria de ir. Ainda bem que ele pertence à classe media alta e isto ajuda sua vida de voluntário gastador. Desculpe voluntário amante da organização. E quando vem o registro anual? Taxa razoável? Alí muitas vezes está embutida a da região e se pudesse o distrito também ia querer o seu quinhão. Enfim, tem gente que gosta.
                 - Bem, é melhor parar por aqui. Um dia eu disse que hoje fazer escotismo é para ricos e muitos caíram me matando. E o pobre? Sem cursos? Sem Jamboree? Registro até que vá lá. Provando ser pobre quem sabe tem de graça. É meus amigos e minhas amigas, se não conscientizarem urgente que são voluntários e passarem a falar em voz alta que se continuar assim não dá, os lá de cima não estão nem aí. O verdadeiro negócio hoje é fazer eventos escoteiros para fazer caixa, aí se incluem taxas de cursos altas, registros altos, grupos cobrando dos seus voluntários. Vá ser voluntário assim lá... No escotismo. Amém a nós todos, pois claro, tem gente que gosta não? 

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

As crônicas de um Chefe Escoteiro. Minha linda Capa Negra e o Orvalho lá do céu.



As crônicas de um Chefe Escoteiro.
Minha linda Capa Negra e o Orvalho lá do céu.

              Recebi um recado do meu Avô. Para ir a casa dele urgente. Não éramos muito chegados, mas ele não pedia mandava. Lá fui eu naquela tarde cinzenta. Parecia que ia chover. Entrei me ajoelhei e beijei sua mão pedindo a benção. Ele me olhou rápido e virou os olhos para outro lado. – Tome esta capa. Foi do meu pai e vem de geração em geração. Seu pai não quis mesmo dizendo da importância que ela teve. Danado de filho o seu pai! E não diga nada. Pode ir embora. Sua vó Cecilia saiu. E calou. Já entendia ele. Mesmo com onze anos. Peguei a capa e a levei para casa. No meu quarto a coloquei. Ficou grande. Arrastava no chão como se fosse o padre Zózimo que usava suas batinas compridas na igreja nas missas de domingo.
              Minha mãe disse que podia fazer a bainha. Tinha lido que os escoteiros usavam uma manta nos Fogos de Conselho. Minha capa poderia ser uma manta. Nos nossos nunca usamos. Mas eu podia ser o primeiro. O Chefe Jessé me explicou que se costuma colocar os distintivos que a gente ganha de outros grupos ou distrito nela. Disse que assim muitos iriam saber que quem estava usando era um Escoteiro acampador e viajado. Bem, lembrei que tinha cinco. Vamos lá. No primeiro acampamento, quando chegou à noite do fogo do conselho coloquei a capa. Vi que ela se mexia muito nos meus ombros. Sempre escorregando e caindo.
             Em casa quando a retirei da mochila ela falou baixinho. – Escoteiro! Posso falar com você? Nossa! A capa falava! Não entendi nada. Mas ela me disse que só podia ser usada durante o dia. Estava boquiaberto. - Você fala? – Claro, seu avô não lhe falou? Puts! E agora? – Gaguejando perguntei por que só durante o dia. Preciso mais de você a noite. – Não dá durante a noite, me desculpe disse ela. Tenho alergia e eu e o Orvalho não nos entendemos. – Você e o Orvalho? O que tem ele? Você o conhece? – De longa data disse. Acho que foi por volta de 1920. Meu dono resolveu me deixar pendurado em um varal e o Orvalho começou a cair, de leve e depois mais forte, frio, insensível me molhando e comecei a tossir. Pedi para ele parar e ele riu. Peguei uma gripe e fiquei mal um ano!
             Fiquei deveras preocupado. Eu adorava o Orvalho. Gostava de senti-lo molhando minha cabeça, a cair em mim de leve e era um bálsamo em minhas atividades escoteiras noturnas. Quantas e quantas vezes ele e eu convivemos pacificamente em acampamentos distantes, em serras e campinas, em colinas verdejantes? Quantos versos eu fiz e quantos poemas e canções eu dediquei ao Orvalho? Quantas histórias de amor foram feitas entre dois namorados e o Orvalho “caindo?”. Não sabia o que dizer e o que fazer. Mas pelo sim pelo não resolvi tomar uma decisão. – Capa Negra, no próximo acampamento você vai comigo. Eu, você e o Orvalho e juntos vamos fazer uma conversa ao pé do fogo, e cada um terá direito de falar e reclamar um do outro. Quem sabe chegaremos a uma conclusão?
             E assim foi feito. Resolvi que a conversa ao pé do fogo deveria ser feita altas horas da noite. Longe da barraca e dos meus companheiros de Patrulha. Escolhi o Vale dos Sonhos, onde vivem os Beija Flores Coloridos. Lá seria um bom lugar. No caminho o Orvalho nos seguia de cabeça baixa. Molhava a relva e se deliciava com a lua cheia mostrando que ele era uma brisa leve e fresca e não poderia fazer mal a ninguém. – Chegamos, sentamos a moda índia. Orvalho disse, vamos conversar. – Tudo bem Escoteiro. Já sei de tudo. Uma noite ouvi você conversando com a Capa Negra. Nunca pensei em fazer mal a ninguém. À noite e a madrugada são minhas companheiras e sabem como sou. Os namorados me adoram. Os escoteiros quando estão jornadeando ao luar em uma montanha gostam do meu frescor. E quando eu estou caindo o vento para de soprar, pois sabe que minha brisa vai encantar os pássaros noturnos e servirá de deleite para matar a sede dos insetos que voam ao meu redor!
              Vi que a Capa Negra estava chorando. – Orvalho ela disse. Perdão. Fui egoísta. Só olhei o meu lado. Esqueci que meu dever é proteger o Escoteiro. Juro que nunca mais irei reclamar e o Escoteiro pode contar comigo sempre! – Bela Capa, linda Capa, se já a amava agora muito mais. Voltamos para o acampamento cantando Noel Rosa – O Orvalho vem caindo, vai molhar o meu chapéu, e também vão sumindo, as estrelas lá no céu...
             E eu e a minha bela Capa Negra vivemos por muitos e muitos anos. Sempre foi minha amiga e companheira. Ainda ontem abri meu baú de “coisas” escoteiras. Lá estava ela, sorrindo, me esperando, pois sabia que eu iria colocar ela no sol, para não mofar e um dia quem sabe, voltar a viver comigo em um delicioso acampamento em uma noite de luar junto ao Orvalho caindo lá do céu! 

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Crônicas de um Chefe Escoteiro. Minhas quinze horas de terror.



Crônicas de um Chefe Escoteiro.
Minhas quinze horas de terror.

       Não gosto de contar histórias assim. Acham que não aconteceu e minha imaginação e fértil. Não importa. Esta é a história de Katia. Katia era guia. Da Patrulha Sete Quedas. Katia adorava o escotismo. Estava nele desde lobinha e nunca perdeu uma reunião, um acampamento. Ela, entretanto tinha um segundo amor. Orquídeas. Era louca por orquídeas. Em casa tentava fazê-las viver e rejuvenescer. Nem sempre conseguia. Tudo que escreviam ou falavam sobre elas ela lia. Ela nem bem fez quinze anos e a passaram para guia. Disseram que era uma tropa nova formada só por moças. Ela achou bom. Teria maior liberdade o que não acontecia quando sub-monitora na tropa Escoteira. Ela sabia que havia mais de trinta mil espécies de orquídeas e fáceis de cultivar em casa. Lindas, coloridas, perfumadas cabiam em qualquer lugar e como era cuidadosa duravam anos. Seus amigos e até um professor de seu colégio já tinha ido visitar seu orquidário.
       Nos acampamentos sempre tentava descobrir alguma árvore, próximo ou não de uma floresta que tivesse uma orquídea. Quem sabe descobria alguma que não conhecia. Lorena sua monitora já alertara ela diversas vezes que nunca devia sair sozinha e sempre avisar aonde ia. Claro o tempo livre era pouco e Katia não perdia tempo. Já tinha dois dias que estavam acampadas em um sitio e bem próximo uma linda mata. Ela tinha certeza que iria encontrar lá a “Phalaenopsis”, pois o ambiente da floresta com pouca humidade era próprio para isto. No segundo dia logo após o almoço sabia que haveria um tempo livre de pelo menos três horas. Não era a cozinheira e pela manhã tinha construído uma bela de uma mesa com bancos reclináveis.
        Sabia que não devia sair só, mas estavam todas tão entretidas com seus afazeres que escapuliu e se embrenhou na mata. Não andou muito. Próximo a um pequeno vale bem profundo ela avistou em uma árvore o que achava ser uma “Phalaenopsis”. Não se fez de rogada. Tirou a blusa de frio e lá foi ela arvore acima, pois tinha um bom treino em subir em árvores. Encantou-se com a orquídea. Linda, maravilhosa. Esqueceu que estava em uma arvore escorregadia. Caiu, um tombo enorme, quando batia nos galhos da árvore sentiu que um galho havia atravessado sua coxa esquerda. Na hora não sentiu nada, pois rolou em uma ribanceira caindo entre um vale onde havia uma vegetação espessa que escondia o que havia por ali.
        Agora sim, via que não podia mexer com a perna. Uma dor terrível. Um braço estava quebrado. Não podia se movimentar. Teve vontade de chorar, pois sabia que ali dificilmente iriam encontrá-la. A tarde chegou e veio à noite. Ouviu vozes e gritos tentou gritar e não conseguiu. Alguma coisa a impedia de falar. Logo o silencio da noite voltou novamente. Para Katia seria uma noite de terror.
       A Patrulha deu falta dela logo após a chamada geral. Busca daqui e dali e nada. O desespero passou a acompanhar todos os participantes. A Chefe Maria Célia ligou para os bombeiros na cidade. Não demoraram e antes do escurecer mais de vinte homens experimentados na arte de sobrevivência na selva lá estavam. Até meia noite tentaram e depois só no dia seguinte. Uma nevoa espessa e terrível tomou conta da floresta. Não se via um palmo adiante do nariz. Todos choravam. Ninguém conseguia dormir. Os pais de Katia chegaram. Ainda bem que eram calmos. Diziam confiar na filha e em Deus. Ela tinha experiência e não se deixaria levar pelo desespero. Aconteça o que acontecer.
          Miltinho tinha cinco anos. Todos o chamavam de manteiga, porque ele não sabia. Sua mãe era assistente da tropa. Não tinha com quem deixar e o levou para o acampamento. Ele dizia ver coisas. Ninguém acreditava. Coisas de crianças diziam. Chamou sua mãe. – Mamãe, eu sei onde ela está. A mãe não acreditou. Ele pegou na mão do Capitão Marquetti. – Venha comigo, eu sei onde ela está. O capitão o olhou de soslaio. Resolveu segui-lo floresta adentro. Passava das quatro da manhã. O dia ainda não tinha amanhecido. – Alí ele apontou. O capitão Marquetti desceu até a ravina. Katia estava lá. Desmaiada. Praticamente com avançado estado de hipotermia. Sonolenta não ouviu e nem sentiu a chegada deles. O Capitão Marquetti viu que seu ritmo respiratório a estava levando a uma parada cardíaca. Se tivessem demorado mais meia hora Katia teria morrido.
        Ele chamou pelo radio outros bombeiros. Levaram Katia ao hospital. Um mês depois ela estava em casa. Não houve sermões, admoestações ou ameaças. Ela voltou a Patrulha e a tropa. E agora nunca mais, mas nunca mais sairia sozinha do campo de Patrulha. Bastou àquelas quinze horas de terror para aprender a lição. Que sirva para todos os meus amigos escoteiros.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

As crônicas de um Chefe Escoteiro. O celular.



As crônicas de um Chefe Escoteiro.
O celular.

          Trinnn! Trinnn! Trinnn! Quem aguenta? Tem gente que adora como diz um compadre meu. Dizem alguns que não sabem viver sem ele, outros gastam o que não tem para trocar todo ano e outros acostumaram tanto que ficam olhando para ele dia e noite. Noite? Sim. Conheço um que acorda de madrugada e lá está ele com seu indefectível celular. Eu não gosto. Devia gostar. Mas nunca tive um. Meus filhos insistem para que compre um ou então vão me presentear. Não quero. Por favor, não! Outro dia me vi pequeno lá na década de 50 e o celular fazia parte do dia a dia de todos. Que balburdia seria.
         Vi-me ali, no cerimonial de bandeira, éramos a patrulha de serviço do dia, eu com a Nacional, e junto a mim outros com a do Grupo e a do Estado. O Chefe diz – Firme! A bandeira em saudação! Começa a subida das bandeiras e puxa vida, diversos celulares começam a tocar. – Oi linda, estou na ferradura diz um, ligue mais tarde logo estarei na reunião de Patrulha e falo com você. Ou mamãe, quando acabar vou direto para casa diz outro eu prometi chegar cedo não disse? Você tem de me pagar o que deve ouve um assistente da tropa. Ele fica vermelho. Estava no viva voz. Não sabíamos de um caloteiro na tropa. Risos. E a bandeira? Acho que o cerimonial perdeu todo o significado.
        E lá estava eu, junto a Patrulha de monitores, acampados e nos conhecendo, já noite, deitados na relva e observando o vai e vem dos cometas, o piscar das estrelas e apaixonadamente vou narrando a todos a beleza do universo, onde ficam as constelações, os olhinhos de todos fixos no espaço, sonhando e caramba! Toca um celular. Maldito barulho. Um dos escoteiros meio sem jeito levanta e atende. – Não, não posso sair com você hoje. Estou acampado. Eu sei. Mas saiba que adoro você. Calma. Não diga isto. Amo você, mas amo também o escotismo. – Haja paciência.
        E em pleno desfile, passando em frente ao palanque das autoridades e eis que vinte celulares tocam ao mesmo tempo. O barulho foi tanto que até escondeu o som da fanfarra. Todos atendendo ao mesmo tempo. – Não posso agora. Estamos desfilando. Entenda, não dá para atender. Oi bela, amo você. Tudo bem Mariquinha, à noite falo com você. Mãe, estamos desfilando! Você não dá sossego!  Belo espetáculo. O prefeito riu. O delegado franziu a testa. A diretora da escola fechou a cara. E os chefes ficaram vermelhos e pensando. Maldito celular!
       A tropa formada. Dia de promessa. Todos perfilados. Um Escoteiro novo se preparou por três meses para agora ter o direito de usar o lenço e o distintivo de promessa. Ao lado o Monitor. O Chefe pergunta: - Estas pronto para a promessa? Sim Chefe ele responde. Conhece a Lei Escoteira? Sim Chefe! Fale do quinto artigo para toda a tropa – E eis que o celular dele toca. Ele vira para ao Chefe. – Só um minutinho. Um amigo quer saber se vamos ao cinema hoje. Logo, logo comento o artigo. É. Mas não para por aí. O do Chefe toca também. É a esposa – Está no viva voz – Mauro! Você não deixou o dinheiro para pagar a Dona Filomena! Ela disse que se não receber não faz mais faxina em casa!
      O celular. Bela invenção. Nos coloca junto a todos que o possuem. Não temos mais o direito de ficar sozinhos. Lá está ele nos incomodando se estamos almoçando, trabalhando, cantando no chuveiro ele toca e intrometido como é alguém diz do outro lado – Quem está falando? Ele que ligou e vem com essa? E ainda insiste em saber quem está falando? Se você diz que é o Fagundes ele diz, chama a Maricota. Nem te diz bom dia! Não pede. Ordena. Ainda bem que não tenho um. Não tenho mesmo. Até o meu fixo evito usar. Gosto do silêncio. Adoro. Quando acampava meu esporte favorito era chegar o mais próximo dos animais. Pé ante pé, rastejando, do lado contrário do vento para ele não sentir, Chegar bem pertinho, sentir seu cheiro e Puff! Toca o celular e ele sai correndo. Nunca. Não quero. Já pensou você pescando uma bela traíra, seria sua janta e sabe que não pode haver barulho se não ela foge. Puff! Toca o celular!
      Sei que cada tropa e cada Alcatéia tem sua maneira de agir. Mas eu? Não quero. Não gostaria de voltar ao passado, montando um campo de Patrulha, fazendo uma mesa, um fogão suspenso e a maioria com um celular conversando com outros a centenas de quilômetros de distância. Ainda lembro-me daqueles novatos, que quando a noite chegava choravam pedindo mamãe. E se tivessem o celular? – Mamãe, por favor! Venha me buscar! E berrava de choro no celular!
      Fiquem com os seus. Não tenho, e nunca vou ter. Celulares! Eu era feliz sem eles e continuo feliz não os tendo!  

O adestramento ou formação do Escotista.



O adestramento ou formação do Escotista.

           Temos hoje uma gama variada de cursos de formação, antigamente chamados de adestramento para os chefes escoteiros. Isto é bom. Muito bom. A variedade pode dar um conhecimento bem teórico ou quem sabe prático de sua vivencia Escoteira e quem ganha com isto claro é sua sessão. Mas, no entanto vejo que em alguns casos a sofisticação coloca em duvida se realmente ainda somos um movimento de atividades realizadas ao ar livre onde o aprender a fazer fazendo continua a ser a tônica da formação Escoteira.
           Pretendemos dar ao jovem uma variedade de atividades onde a prática é testada de frente, onde orientamos nossos monitores como fazer, e ele junto a sua Patrulha viver situações inusitadas para viver como bons mateiros, aprendendo que ali no campo de Patrulha é sua nova casa e para isto devem ter se possível ter o melhor conforto. Viver realmente em equipe. Nota-se que a prática supera a teoria.
            Lembro quando fiz meus cursos no passado. Todos vivendo em patrulha, aprendendo o respeito necessário entre si, aprendendo a obedecer ordens e ao mesmo tempo aprendendo a liderar. Não era fácil. Aqueles que juntos a outros cinco ou seis ficaram em uma Patrulha acampados por algum tempo sabem que não é fácil. Principalmente quando somos adultos. Aprender a conhecer um por um e entender os erros e acertos não é tarefa que se aprende de um dia para o outro.  O primeiro curso era de cinco dias. A parte II do IM (campo) era de oito a nove dias. Como fiz o de Escoteiro e Sênior, aprendi a conviver em equipe, mas até hoje ainda fico em duvida. Fiz também o de lobo. Cinco dias.
           Alguém outro dia me disse que já não se fazem cursos como antigamente. A sofisticação agora é bem complexa. Preocupam-se os dirigentes com vários quesitos que antes eram relegados a segundo plano. Agora temos bons alojamentos, temos cozinha geral e muitos contratam cozinheiros para que os alunos se sintam bem. Luz elétrica, internet, telefone e uma biblioteca para pesquisa. Com isto os cursos ficaram mais caros. Apostilas, livros, e tantas coisas que o preço sempre fica além do esperado. Tenho minhas dúvidas sobre isto. Mas como o mundo está mudando e o escotismo também segue o mesmo caminho. Dirão alguns que existem cursos mateiros. Mas sabem, eu gostaria de voltar a fazer um curso lá dentro de uma mata, receber o material de campo e aprender a fazer fazendo. Como era bom ver o apito de chamada do intendente!
             Aprendemos no CAB (curso d Adestramento Básico) o primeiro, que tínhamos na nossa hierarquia, ter tudo lá em nosso campo. Tempo? Mínimo. Fossas, WCs, Fogão suspenso, responsabilidades de cada um e havia mais de oito horas de atividades básicas diárias dadas pela equipe dirigente.  No primeiro IM que dirigi, recebi um manual mimeografado, com traduções em português feitas a mão. Para mim foi magnifico e não sei para os alunos. O caderno. Ah! O caderno. Era tudo. Anotar tim, tim por tim, tim. No final do curso a equipe dava uma olhada e não faltavam uma anotação de um ou outro dirigente sempre a elogiar.
            Todos nós nos tornamos peritos na arte mateira e claro nos ensinamentos de Baden Powell (BP). Uma época em que a evasão era mínima. O jovem permanecia em sua totalidade por mais de dois anos fazendo escotismo. Hoje não sei. Claro a evasão é enorme. Chega quase a empatar com a admissão. Mas por que escrevo tudo isto? Não sei. Talvez porque os preços dos cursos tem assustado muito os que desejam aprender. Não sei se procuram nestes cursos a vivencia Escoteira ou um bom fim de semana cinco estrelas. Não sei mesmo.
                  Participei como dirigente de muitos cursos cuja taxa não chegava a dez por cento a de hoje. Mas não sei se isto será mais possível. Teremos sem sombra de dúvidas defensores da atualidade, do novo estilo. E eles não estão errados. Mas que seria bom seria. Já pensaram? Receber um convite e neste estaria escrito:
- Os cursantes, deverão estar de uniforme de campo, com suas mochilas e apetrechos para um acampamento de oito dias, (não digam o que levar, deixem que ele aprenda por sí só) na entrada da Mata do Pavão, próximo à rodovia. De lá seguiremos ao local do curso em um percurso de cinco quilômetros. Beleza! – Mas afinal será isto mesmo? Teremos participantes ou a maioria iria desistir? Escotismo, força, atividades ao ar livre, sistema de patrulhas, vivencia Escoteira. Não podemos perder isto jamais.

domingo, 12 de agosto de 2012

As crônicas de um Chefe escoteiro



As crônicas de um Chefe escoteiro

Ele era o meu pai – Dia dos pais? Claro, ele foi o meu herói!

                  Uma história que dedico a todos os pais. Acredito que todos nós temos uma história para contar dele. Esta era do meu. O meu pai. - Não tivemos um relacionamento muito próximo. Talvez pela época, onde o respeito e a palavra senhor fazia parte do nosso vocabulário. Pequenos momentos talvez. Ele me contou diversos fatos de sua vida. Não muitos porque se fosse hoje eu queria saber muito mais. Não foi um pai diferente dos outros e nem tampouco excepcional. Mas para mim foi aquele que admirei e admiro até hoje. Quando pequeno, não sabia o que se passava não me preocupava com o dia, a semana, o ano. Ia à escola e depois era só brincar e fazer escotismo.
               Lembro-me de uma casa que morávamos, foram tantas, esta de madeira, fundos para um rio e embaixo em um porão com piso de terra alguns pobres aproveitavam a seca do rio para ali morarem. Quando chovia o rio invadia tudo. Também éramos muito pobres, pois em volta de uma pequena mesa, sentávamos em caixotes para as refeições. Graças a Deus que nunca passamos fome. Dificuldades sim. Elas existiam e eu pequeno não tomava conhecimento. O café da manhã, o almoço e o jantar sempre existiram.
               Meu pai nesta época era Seleiro, aquele que fazia selas para cavalos e outros apetrechos afins.  Eu pequeno, 06 para 07 anos não ajudava a não ser aos sábados e domingos. Nestes dias ajudava a engraxar os sapatos de vários clientes do meu pai. Tornei-me um excelente engraxate. Não vou comentar aqui a minha vida Escoteira, hoje não vou falar sobre isto. Mas lembro do Grupo Escolar, do colégio, mas não me lembro de meu pai em momento algum me chamando a atenção ou brigando comigo. Era calmo e ponderado. Nunca me encostou a mão e por muito poucas vezes falou mais alto.
               O tempo passou e ele um dia pegou uma mala e foi embora. O motivo não fiquei sabendo. Minha mãe me pegou pela mão e disse – Vamos atrás dele. Onde estava não vivia bem. Minha mãe conversou muito com ele. O que conversaram não sei. Mas lembro da bicicleta que ele tinha e eu me esbaldei nela, caindo, montando e aprendi finalmente a andar sem problemas. Desta não esqueço nunca. Ele voltou conosco para a nova cidade.
              Nesta já tínhamos uma casinha para morar. Eu gostava de morar ali. Apesar de não ter ainda água encanada da rua, havia uma cisterna com uma bomba manual. Todos tinham como função bombear antes de sair de casa pelo menos por 100 vezes. Assim, mantínhamos a caixa cheia e o serviço feito por todos. Meu pai alugou um salão próximo ao centro. Ali montou uma oficina de rádio. Tinha estudado por correspondência e já era um perito no assunto. Achava que meu pai era muito inteligente. Tentei fazer o mesmo curso, mas não deu certo. Talvez porque não era bom aluno ou quem sabe vivia grudado no escotismo. É quem sabe. Após as aulas ia trabalhar com ele e ver se aprendia alguma coisa na prática.
             Nesta época já trocávamos ideias e ele com sua sapiência me mostrava algumas diretrizes de vida. Ética, respeito honra e responsabilidade. Era sempre assim. Conversávamos pouco. Foi ali que alguns fatos de sua vida me foram relatados, com parcimônia é claro. Contou-me quando esteve na revolução de 32 (constitucionalista). Ele esteve lá. No primeiro confronto, foi só correria. Os paulistas inventaram uma matraca que imitava perfeitamente o pipocar de uma metralhadora ponto 30. Quando começou o barulho foi um Deus nos acuda. Depois virou rotina, ninguém mais tinha medo, pois já sabiam o que era. Muitos morreram pensando que era e não era. Não contou muito de sua luta, da sua militância política da revolução enfim de muitas outras coisas que eu gostaria de saber.  Sabia que ele gostava do partido da UDN e odiava o PSD. Porque não sei. 
              O tempo passou. Ele ficou doente, quase morreu. Minhas irmãs o levaram para a capital. Lá achavam que ele teria melhores chances. Depois ficamos sabendo que era diabete. Pouco conhecida na época. Muitos anos depois, morando na mesma cidade, aos domingos me dirigia a casa dele, passava lá o dia inteiro, mas conversávamos pouco. Acho que não havia assuntos, mas quanta coisa poderia ter sabido se tivesse perguntado.
              Sua vida foi sem sobressaltos. Doente, andava aqui e ali fazendo pequenas caminhadas. O que sentia não perguntei. Devia ter perguntado. Ele nada dizia. Foi para o outro lado em uma semana qualquer. Fui ao enterro e chorei. Pensava no meu pai ali e rezei para que ele alcançasse o seu lugar lá em cima. Como espírita que sou acredito que ele não deve ter tido dificuldades para alcançar um lugar melhor para ficar. Mas cada cabeça uma sentença. Não sabemos de nada e qualquer um de nós pode sofrer consequências de atos anteriores com dividas mal pagas.
             Senti e sinto falta do meu pai. Hoje com quatro filhos e muitos netos, me pergunto por que não ficamos mais próximos. Ele era assim e acho que eu também. Ainda sou meio taciturno com os meus filhos. Herança? Não sei.  O mundo é assim. O livre arbítrio nos faz escolher caminhos que nem sempre são aqueles que deviam ser escolhidos. Faz parte do nosso crescimento.
              Um dia vou me encontrar com ele. As perguntas que não fiz a farei. Se as respostas forem a que espero ótimo se não forem paciência. Ele era o meu pai. Um homem calado, bondoso, amigo que me deixou fazer o que queria. E hoje eu sei que o amava muito. Nunca em tempo algum me fez qualquer admoestação. Que ele seja feliz onde quer que esteja e que na sua próxima encarnação encontre felicidade que merece. E quem sabe um dia voltaremos a estar juntos aqui na terra?