Uma linda historia escoteira

Uma linda historia escoteira
Era uma vez...

sábado, 29 de setembro de 2012

O último adeus!



O último adeus!
(De saudades também se vive)

                      Estou aqui, como sempre faço todas as tardes, sentado em um banquinho que fiz e que eles disseram ser uma pioneiria, na volta do Rio das Flores, a espera deles. Sei que não virão, mas quem sabe um dia eles voltam? Todos eles, cantando, brincando naquele ônibus colorido. Quando penso em tudo que aconteceu, meus olhos se enchem de lágrimas. Foram os dias mais lindos da minha infância. Dias que nunca, mas nunca mais vou esquecer. Quatro dias de felicidade!
                      Morava em uma pequena casa de pau a pique, próximo ao Rio das Flores. Meu pai trabalhava na fazenda do Senhor Coronel Alcebíades, e tínhamos uma casinha pequena, de adobe. Éramos quatro. Eu, meu pai, minha mãe e meu irmão de três anos. Uma família feliz. Toda manhã ia para a escola na fazenda Rancho Fundo do Coronel, onde tinha a única escola da redondeza. Eram quatro quilômetros que eu fazia correndo. Ajudava meu pai na lida da capina e a tarde nadava no rio. Diziam que nadava como um peixe.
                     Numa quarta feira vi um ônibus colorido, cheio de cantorias que se dirigia a fazenda do coronel. Cortei caminho e do alto da Morada vi dois homens de calça curta e chapelão conversando com o Coronel. Ele fez sinal para mim e disse que levassem eles até A várzea, perto do rio e do bambuzal. Não falou mais nada. Entrei no ônibus. Todas as crianças da minha idade, rindo, brincando me dando um tal de Sempre Alerta. Estava com vergonha deles e fiquei em pé bem na frente, mas olhando todos de rabo de olho. Chegamos, eles desceram. Juntaram a tralha e ficaram esperando a chamada. Logo eles fizeram um meio circulo próximo a um pé de amora, o tal do "Chefe" Escoteiro passou uma cordinha, e colocaram a bandeira do Brasil. Fiquei de longe olhando. Meus olhos estavam fixos na meninada. Eles corriam aqui e ali. Cada turminha fez um cercado, armaram barracas e foram cortar bambus.
                  Olhei o sol e vi que mamãe estaria preocupada. Corri até em casa e contei as noticias. Pedi a ela e o papai se deixavam eu ficar lá olhando. Meus pais nunca ralharam comigo. Almocei correndo um prato de abobora com peixe frito. Voltei ao lugar que eles estavam. Várias barracas, e eles construíram alguma coisa que não entendi e a fumaceira pegou fogo em todos os cercadinhos deles. O sol já se pondo e foram tomar banho no rio. Um deles tentou atravessar. Começou a fazer sinais. Corri lá. Pulei de roupa e tudo. Era bom nadador apesar dos meus doze anos. Tirei-o da água. Os chefes começaram a beijar e ele e voltou a respirar. Agradeceram-me. Bateram uma palma esquisita. Me chamaram de herói. Disseram que se quisesse ficar em uma Patrulha era só escolher. Nem sabia o que era isso, mas um loirinho me fez um sinal e fui. Disseram que eram os Touros. Dei risada. Aqueles fracotes Touros? Mas foi bom. Me ensinaram a dar sempre alerta, a gritar o tal grito da Patrulha, a entender os sinais do "Chefe" Escoteiro para formatura.  
                    Durante os quatro dias eu brinquei com eles. Corremos na mata. Pulamos a cerca do Boi Lamego, fomos até a subida do Catatáu. Mostrei a eles o canto do sabiá, do pássaro preto, mostrei como fazer o tatú sair da toca. Eles me ensinaram nós e quiseram ensinar sinais de pistas. Dei risadas. Nunca iriam pegar uma seriema contra o vento. Quatro dias maravilhosos. Comi a comida deles, ruim à beça. Sem sal. Mas eu ria e eles riam. Um dia cozinhei para eles. Gostaram. Até o "Chefe" Escoteiro veio tirar um sarro. Um deles deu dor de barriga, levei para ele a Fruta do Pastor. Chupou a fruta e sarou. No ultimo dia fizeram um fogo. Cantaram, gritaram, bateram palmas, contaram causos, fizeram teatrinho e depois em volta da fogueira cantaram uma linda canção que só guardei uma parte. “Não é mais que um até logo, não é mais que um breve adeus”.
                    No ultimo dia desmontaram tudo. Fizeram uma limpeza. Na bandeira o "Chefe" Escoteiro deles me chamou. Dissera que eu era um Escoteiro honorário. Mandou-me ficar durinho, e fiz o sinal deles. Me fizeram repetir a promessa deles. Prometo pela minha honra... Foi lindo. Foi demais. Depois ele me colocou o lenço deles. Chorei. Abraçaram-me. Chorei. Deram os gritos que chamavam de Patrulha. Chorei. Disseram-me Adeus e partiram. Eu chorava. Entraram no ônibus. Eu fiquei ali em pé, ao lado do mastro de bandeira como eles chamavam. O ônibus virou a curva do rio buzinando. Um silêncio atroz. Chorava. Chorava. A tarde veio. Não arredei o pé. Não podia sair dali. Via todos eles cantando, brincando e me abraçando. Se saísse toda essa ilusão iria desaparecer. A noite chegou de mansinho. O orvalho caindo. Eu chorando. Não parava de chorar. Queria eles de volta, mas sabia que isso não ia acontecer.
                     Meus pais chegaram e me levaram. Não queria ir. Mas não podia ficar ali toda a noite. O dia amanheceu. Como sempre voltei a minha rotina. Escola, trabalhar na roça com meu pai e as tardes ia sentar no meu banquinho lá na curva do rio. Olhava o horizonte quem sabe, um ônibus viria novamente! Meus olhos enchiam-se de lágrimas. Agora não chorava mais. A dor que sentia era no meu coração. Uma dor doída. Lembranças, lembranças que machucavam. Que dias lindos maravilhosos eu tive e se foram. Durante muitos anos a minha memória revivia todos os dias felizes que com eles passei. As saudades permaneceram por longo e longo tempo. Meu Deus! Daria tudo para vê-los novamente! Sabia que não ia acontecer. Quando foram eu ainda não sabia, mas era o último Adeus. Um adeus sem volta. Sem retorno. Gostava de aos domingos sentar próximo no mastro da bandeira deles. Agora seco, mas firme. Eu não deixava ele cair. Chegava com meu lenço, ficava durinho e dava sempre alerta. Olhava uma bandeira invisível sendo erguida e chorava.
                Não sei quantos anos se passaram. Cresci, casei, tenho filhos. Nunca mais vi os escoteiros. Quantas saudades que permanecem na minha lembrança e não se apagam. O ultimo adeus! Sim, foi o último adeus daqueles que fizeram de mim, um homem feliz. Quatro dias.  Quatro dias! O ÚLTIMO ADEUS! 

A chave secreta da felicidade.



A chave secreta da felicidade.
(Para você levar hoje a reunião)

             Silvio levantou sorrindo. Um belo sorriso. Pensava no sonho que tivera. Nunca sonhou assim. Um vale de flores, um perfume de jasmim, um céu azul e nuvens escritas – Seja feliz sempre! Onde seria? Não sabia, mas uma paz silenciosa abateu sobre ele. Sentou na relva e a brisa soprou de leve em seu rosto, ao longe um arco íris lindo e colorido se formou. Passarinhos cantavam em suas volta. Meu Deus! Isto era suprema felicidade para ele, pois sua semana não foi boa. Muito trabalho. Muitos problemas.

            Ficou em pé, fez a sua higiene pessoal e sempre pensando. Eu posso ser feliz, porque não? Se Baden Powell dissera que a felicidade é fazer os outros felizes porque eu não posso fazer isto? Claro. Hoje iria fazer todos a sua volta feliz. Começou abraçando seus filhos e sua esposa. Disse em voz alta – Amo e adoro voces. Sem voces não sou nada! Todos espantaram. Era um pai e esposo diferente. Até a hora do almoço cantava. Rataplã, De BP trago o espírito, e tantas outras. Só escoteiras, nada de outras musicas. Depois do almoço ajudou a todos a se prepararem para a reunião. Sempre solícito corria aqui e ali.
            
          Uma e vinte saíram cantando e uniformizados. Como não era longe convidou a todos para irem a pé. Os vizinhos estranharam. Uma família Escoteira? E sorrindo? E cantando? Enfim, pensaram cada doido com sua mania. Chegaram à sede, resolveram cumprimentar a cada um em particular. Um vigoroso aperto de mão claro sem machucar e um abraço. Não deixaram de dizer o quanto era importante serem amigos. Convidaram a todos para ser o dia de sorrisos, porque não? A Alcatéia sorriu, a tropa sorriu. Sempre após um jogo todos se cumprimentavam dando os parabéns. O Diretor Técnico achou estranho no início, mas logo aderiu sorrindo. Foi a cada Chefe cumprimentar e abraçar. Disse baixinho no ouvido de cada um – Obrigado por ser meu amigo, você é muito importante para mim e para o grupo.

           No final da reunião todos se abraçaram e disseram até mais, um até logo gostoso, uma saudação sincera e Silvio voltou com sua família para casa feliz. Viu que basta um para fazer todos felizes e ele? Nunca sorriu tanto de sua felicidade. Agradeceu a Deus pelo dia. Pediu que todos agora fossem assim. Sentiu pela primeira vez que não só sua família, mas a família Escoteira também era feliz! E você? Vai para a reunião hoje? Porque não levar um sorriso gostoso? Lindo? Aquele que você sabe dar e todos adoram? Leve também um aperto de mão e decore as palavras que vai dizer a cada um em particular – Obrigado, muito obrigado mesmo por ser meu amigo. Sabe você é muito importante em minha vida e o grupo precisa muito de você!

ISTO MESMO. HOJE NA REUNIÃO ABRAÇOS VONTADE. SORRISOS EM PROFUSÃO. E LEMBRE-SE A VERDADEIRA FELICIDADE É FAZER OS OUTROS FELIZES!

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

“Sordado marvado, sai da carçada que lá vai porva!”



Lendas escoteiras.
“Sordado marvado, sai da carçada que lá vai porva!”

                        Conheci Margarida em uma jornada que eu e mais quatro seniores fazíamos quando resolvemos ir até Malacacheta, a convite do Chefe Mauricio que disse ter um grupo novo lá. Eu, Israel, Laerte, Romildo e Chiquinho éramos inseparáveis. A distância de nossa cidade e a dele não era grande. Acredito que uns duzentos e cinquenta quilômetros. Como saímos em uma sexta quase as três da tarde, resolvemos pernoitar próximo ao Riacho das Vertentes. Uma lua linda não montamos barraca. Íamos dormir sob as estrelas. Nossa sopinha Estava quase no ponto. Escurecia quando ele chegou. A pé. Magro, barbudo, uma fileira de dente todos cariados. Usava perneiras, pois era uma região espinhosa. Chapéu de couro. No ombro seu fuzil inseparável que ele chamava de Loló. Amarrado na barriga um enorme colt 45. Depois fiquei sabendo que em cada perna tinha um punhal escondido.

                      Posso me adentrá? Falou baixinho. Olhamos espantados. Ele sério. – Me chamo Margarida, dá para comer com vocês? – Claro eu disse. Ficamos de olho e atento no que ele ia fazer. Coragem? Nada disto, mas dizem que ficar alerta faz bem em toda e qualquer ocasião. Sentou tirou um prato sujo do seu bornal e Israel encheu. Comeu feito um danado. Não pediu mais. Só água. Tínhamos café no bule esquentando no canto do fogão tropeiro. Bebeu com gosto. – Falou pouco. Meu nome é Margarida, meu pai me deu. Nunca mudei. Por causa dele matei muita gente. Se me chamam sem rir, tudo bem se derem um risinho esquento o bucho dele. – Olhei para Israel e ele piscou. Queria rir. Meu Deus! Não deixe ele rir!

                     - Não precisam ficar com medo. Me trataram bem. Vou embora lá pelas três da manhã. Podem dormir tranquilos. Enrosquei em minha capa preta em volta do fogo. – Você nasceu onde? Perguntei. – Em Barra Dourada. Próximo a nascente do Paraopeba. Lembrei-me do rio. Cascalho imundo. Pobre do rio. Estragaram ele tentando achar um ouro que não tinha. Até hoje as máquinas estão lá sujando o rio. Chiquinho queria saber mais. – Matou quantos Senhor Margarida? – Não me chame de Senhor. Senhor é o Senhor seu pai! – Putz grila! Mas se quer saber matei mais de trinta. Muitos porque riram do meu nome. Maldita hora que meu pai me batizou. Queria uma menina e nasci macho. Agora não tenho onde ficar. A policia de captura sempre está atrás de mim.

                       Fiquei calado. Israel me olhava e piscava os olhos. Margarida desconfiou. - Porque esta piscação? Nada Margarida. Israel tem um defeito na pálpebra. – E que merda é esta de pálpebra? Danou-se! Custei para explicar. Já estava tremendo. Margarida passou boa parte da noite sentado. Eu não consegui dormir. Fingia que dormia. Às três da manhã juntou suas coisas, um bornal que devia levar suas balas, seu fuzil e já ia partir quando dei ele um farnel de biscoito de polvilho. Agradeceu, ficou em posição de sentido, gritou Sempre Alerta e partiu sem sorrir. Consegui cochilar até as seis. Ouvi um tropel de cavalos. Cinco soldados e um Capitão. Deviam ser da tal policia de captura.

                       Ninguém apeou. O Capitão perguntou – Viram um jagunço magro, barbudo, armado até os dentes por estas bandas? E agora José? O Escoteiro tem uma só palavra falar o que? – Não Senhor. Chegamos aqui às duas da manhã. Só deu para fazer uma sopinha um café e já íamos partir. – Vão para onde? Malacacheta Senhor Capitão. Fazer o que lá? Um Chefe Escoteiro nos convidou. Nos olhou como quem não acredita. Deu até logo e partiu. Pegamos as bicicletas, arrumamos tudo e quando íamos partir um barulho no bosque e surgiu Margarida. – Ainda bem que não disseram nada, falou. Estava com a Loló (fuzil) armada e se dissesse que me viram iam levar uns tiros no rabo!

                     Foi embora cantando. “Sordado marvado, sai da carçada que lá vai porva!”. Resolvemos voltar para nossa cidade. O Chefe Mauricio que nos desculpasse. Para dizer a verdade estava com as calças toda molhada e outros com elas borradas. Não dava mais para prosseguir. Nunca mais ouvimos falar de Margarida. Do capitão não. Era famoso. Quando a cadeia estava cheia, pegava uns ladrõezinhos de fancaria colocava em fila e saiam pela cidade e fazendo eles gritarem – Roubei galinha! Roubei o porquinho da dona Noêmia. Depois soltava. Pois é. Meu escotismo tem muitas histórias. Diferente de hoje, mas sei que tem muitos que ainda fazem belas aventuras. E viva o Margarida se já não morreu!    

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Sonhar é bom e não custa nada!




Crônicas de um Chefe Escoteiro.
Sonhar é bom e não custa nada!

                 Estou sempre sonhando a qualquer hora ou qualquer tempo. Com eles fico pensando e pensando muito. Mas quem sabe meus sonhos não fazem parte do meu pensamento perdido por aí? Sonhos. Pensar. Realizar. Três coisas distintas e quem sabe significando uma só. Muitas vezes sonhamos dormindo. Estes sonhos nem sempre são bons. Já sonhei com tantos números e nunca ganhei nada com eles (e jogava de vez em quando). Mas sabe o melhor sonho? Sonhar acordado! Isto mesmo. Você é quem define o que vai sonhar.
                  Lembro-me e nunca me esqueço de sonhos que tive quando era menino, quando sonhei no dia que ira entrar como lobinho. No dia que sonhei com minha promessa e no dia que sonhei quando ia ser escoteiro. Sonhava e muitas vezes dormia com meus sonhos. E no outro dia eles aconteciam! Formidável! Aí era sonho acordado. Vendo que eles valeram a pena. Tem sonhos que a gente não esquece. Aquele do acampamento que tanto se comentou e você fica dias e dias esperando chegar a hora. Quando o dia chega você nem dorme direito a esperar a hora de partida.
                       Tem aquele outro que você sonhou em fazer uma boa ação inesquecível. Como seria? Você fica ali sentando ou deitado na cama sonhando acordado. E assim os sonhos eram sonhados e iam acontecendo. Olhem a vida Escoteira é simplesmente formidável para sonhar e realizar. Em minha cidade tinha uma montanha muito alta. Alta mesmo. Sempre sonhava em ir lá. Todos diziam ser perigoso. Sonhei com a subida muitos anos. Um dia ao passar para os seniores combinamos de ir lá. Hoje não aconselho, pois realmente é um lugar perigoso. Mas meu sonho aconteceu. Foi fantástica a jornada a montanha dos meus sonhos.
                         A gente vai crescendo e dizem que os adultos não sonham. Tem os pês no chão. Eu não. Sempre sonhei. Quando fiz o meu primeiro curso Escoteiro, lá por volta de 61 ou 62 fiquei sonhando um mês antes do curso. Depois sonhei durante a viagem de trem mais de 18 hs e finalmente a cada dia vivido ali com amigos na Patrulha. Toda noite eu sonhava. E meu insígnia então? Imaginem quanto sonhei. E finalmente ao enviar meu “caderno” sonhava em receber de volta com uma cartinha. Parabéns! Estamos nomeando um observador para ver se você é capaz de colocar este lenço no pescoço! E quando me deram ao lenço, ai meu Deus! Que sonho maravilhoso!
                         É. Quantos sonhos aconteceram. Sonhos de jamborees, de Acampamentos nacionais, internacionais, mas já adulto organizei um belo sonho. Quando conseguimos uma medalha (Medalha de valor ouro) post mortem para Caio Vianna Martins e entregar ao seu irmão na cidade onde nasceu. Foi um sonho maravilhoso e melhor ainda, consegui cumprimentar seu irmão que lá estava para receber a medalha em nome do nosso herói menino. Sonhar! Sonhar acordado e ver seu sonho realizado. E imaginem um sonho de dar o meu primeiro curso Escoteiro em minha vida? Como seria? Sim, já havia participado como assistente em outros, mas agora não, eu era o responsável.
                      Foram muitos sonhos acordado. E melhor ainda se ao sonhar eu dormisse. Aí sim, a realidade se misturava com a ficção de saber que tudo podia ser realizado. Vou contar a vocês uma verdade. Ainda sonho até hoje. Tem sonhos que não vou contar aqui (nada que denigra minha Lei Escoteira) e nem tampouco em ganhar na loto. Não sonho em ser rico. Já o sou com tantos amigos que fiz na minha vida Escoteira. Nesta idade não preciso mais de riqueza e melhor, nunca precisei, pois meus maiores sonhos foram realizados de forma simples sem precisar de dois ou três tostões a mais.
                    Um dia vou para o outro lado. Não sei como é, ou melhor, leio sobre isto. Mas se for possível lá também eu vou sonhar. Terei sonhos maravilhosos em aumentar meu número de amigos, de rever outros que foram na minha frente e poder beijar minha mãe, meu pai, minhas irmãs e tantos parentes que ainda acho estão lá.  E quero sempre procurar um jardim (dizem que os de lá são lindos, perfumados e as flores são inimagináveis para nós aqui nesta terra venturosa). E neste jardim vou sentar em um banco qualquer, aspirar o perfume das flores e sonhar... Não sei se lá posso imaginar meus contos, minhas fábulas, minhas lendas. Nem sei se terei leitores lá, mas sei que serei imortal, poderei sonhar muito e agradeço a Deus por me dar esta oportunidade de sonhar! 

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

A maldição do Lobo Vermelho.



Lendas escoteiras
A maldição do Lobo Vermelho.

                        Juraram-me de pé junto que era uma lenda. O povo gostava de contar histórias e inventavam muito. Eu pensava de maneira diferente. Lembrei quando nas eternas competições do passado quando no Quebra Coco nos fogos de conselho, tinha uma quadrinha que gostava de dizer: Minha mãe chamava Caca, e meu pai Caco Maria. Juntando Caco com Caco eu sou filho da Cacaria! Portanto, se o Cacique Boitiguara me contou eu não podia duvidar. Tinha passado para os pioneiros e acampava sempre nas planícies do Vale do Rio Doce lá para os lados de São Mateus e Nanuque. Já conhecia a tribo dos Machacalis, ou melhor, Pataxós como dizem hoje, e me tornei amigo do Cacique e de muitos outros índios da tribo.

                       Eram uma tribo sofrida, lutavam para sobreviver, mas com uma fraternidade que superava algumas vezes a tão falada fraternidade escoteira. Quando você fazia amigos na tribo podia-se saber que eram amigos de verdade. Eirapuã, Piatã e Potira três jovens da tribo, sempre me acompanhavam quando ia ali acampar principalmente na Garganta Montanhosa do Vale do Castanheiro.  Boitiguara o Cacique na última vez que lá estive ficou horas e horas na beira do fogo junto com outros “bravos” me contando a maldição do Lobo Vermelho, uma narrativa que ele com seus gestos contava como se estivesse vivendo a personagem do "Velho" Pajé Porã (aquele que possui beleza) que ouviu de seus ancestrais esta lenda que nunca será esquecida pela tribo enquanto ela existir.

                      Minha vida de Escoteiro nunca me deixava duvidar de um índio, pois não havia motivo para mentiras entre eles. Acampei ali muitas vezes, atravessamos o Rio Doce na curva do Cavalo Doido, mergulhamos na cachoeira do Macaco e quantas e quantas vezes eu Eirapuã, Piatã e Potira subimos a montanha do Lobo Vermelho sempre à luz do sol. Eles eram proibidos de passar a noite lá. Desta vez, que o "Velho" cacique Boitiguara me desculpasse, mas pretendia aproveitar uma bela lua cheia para ir ao cume e ver toda a majestade do Rio Doce, desde Crenaque até próximo a Aimorés. Era uma visão dos Deuses e eu precisava ver.

                       Foi Porã, o pajé meu amigo que me contou a lenda nos seus detalhes. Há muitas e muitas luas que passaram, havia um amor enorme entre dois jovens da tribo, cujos pais eram inimigos de morte. Ninguém na tribo sabia explicar direito o ódio entre eles, mas quem visse a esposa de Nakian, a bela Poranga (beleza) iria entender o ódio dos dois. Nakian era pai de Kalin (bela jovem), uma jovem de deslumbrante beleza e Quaraçã (luz do sol) um jovem esbelto, forte, cuja coragem todos da tribo reconheciam desde que participou da caçada da onça parda nas selvas do Olho Negro, era filho de Mauá, e nunca eles pensaram que seus filhos pudessem se apaixonar. Fugiram um dia e só deram falta dois dias depois. A procura foi grande. Nunca o encontraram. Um ano depois qualquer bravo que se arriscasse na Montanha Cinzenta voltava correndo, pois um lobo enorme, vermelho, com uma loba de olhos de fogo matavam que se aproximasse principalmente em noite de lua cheia. A montanha mudou de nome. Passou-se a chamar a Montanha do Lobo Vermelho.

                      Do Clã só Israel topou ir comigo. Contei para ele a lenda e ele riu. Bitelô (meu apelido) você não quer que acredite não? Afinal quantas passamos juntos? Com minha mochila as costas e meu chapéu de três bicos lá fomos nós no trem rápido da Vitória Minas as oito da manhã. Descemos em Crenaque e partimos rumo a Montanha do lobo Vermelho. Nem passamos pela tribo. Não dava tempo. Era tarde e mais duas horas a noite ia chegar. Subimos já à noitinha. A lua ainda não havia despontado. Quase no topo vimos uma nascente e achamos boa para acampar. Montávamos a barraca de duas lonas e ouvi um uivo que me gelou as veias. Israel parou e ficou ao meu lado. Próximo à curva da Arvore Seca avistamos os dois lobos. Meu Deus! Enormes! Um deles saiam chispas de fogo nos olhos. Não nos atacaram.

                        Ficamos lá dois dias. O que aconteceu não vou contar aqui. Só sei que descemos no terceiro dia e fomos direto até a tribo. Boitiguara se assustou. Estavam na Montanha do Lobo Vermelho? Rimos. Claro Chefe. A tribo inteira veio saber como foi. Pedi licença e usei meu apito. No meio das árvores surgiu os dois lobos, agora não tanto ameaçadores, mas foram até Boitiguara e lamberam suas mãos e desapareceram nas matas próximas ao vale do Rio Doce. Nunca mais, e isto fiquei sabendo de Piatã e Potira, ninguém nunca mais teve medo de ir a Montanha do Lobo Vermelho. Uma lenda que correu o vale, nas fazendas e nas cidades próximas por muitos e muitos anos. Mas soube que todos riam quando souberam da história contada por dois escoteiros. Verdade ou não, até hoje dizem que os lobos da montanha ainda correm pelos picos, pelas encostas, sobem em árvores e seu uivo percorre centenas de quilômetros.  Verdade ou mentira prefiro não dizer. Quem quiser vá a Nanuque. Atravesse o Rio Doce e siga no rumo das Pedras Negras. Lá na aldeia dos índios pergunte ao novo cacique, pois Boitiguara não deve estar mais lá. Talvez quem sabe seu espirito está a correr junto aos lobos vermelhos na Montanha onde vivem. E Chefe, como foi à história? Quem sabe um dia volto aqui para contar.     

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Eu prometo, pela minha honra!



Orgulho de ser Escoteiro.
Eu prometo, pela minha honra!

           Que semana meu Deus! Minha cabeça a mil. Sonhava com o próximo sábado e ao mesmo tempo meu corpo tremia. De medo? Claro que não. O Chefe tinha dito que nós escoteiros não temos medo. Mas sinceramente? Eu tinha sim. Seria um dia que ficaria marcado na minha vida para sempre. Afinal era o dia da minha Promessa Escoteira. Flavio me disse que eu estava pronto. Flavio é meu monitor. Disse que a Corte de Honra aprovou. O Chefe Gildo me chamou na reunião e disse – Sábado que vem você fará sua promessa. Acha que está pronto? Fiquei em duvida na hora. Sim Chefe. Eu estou pronto. Você conhece a Lei dos Escoteiros? Conheço Chefe, ainda não sei de cor, mas prometo que no sábado o Senhor pode perguntar. Direi todas.

           Passei a semana lendo, decorando, pensando e amando o que eu estava fazendo. Amava mesmo o escotismo. Na sexta fui para a pracinha do meu bairro. Ela era meu recanto favorito. Lá eu pensava em mim, na minha mãe, no meu pai e na minha Irmã Constance. Era o meu refugio. Agora estava voltando ao passado. Quatro meses antes. Eu os vi passando na minha rua. Fui atrás. Vi onde se reuniam. Adorei. Amei. Tinha de ser mais um. Minha mãe demorou a dizer sim. Meu pai trabalhava longe. O Chefe entendeu. Fui apresentado. Flavio me apresentou a Patrulha Leão. Todos me deram a mão esquerda. Não sabia o que era, mas nunca mais esqueci este dia.
    
           Não parava de dizer na minha mente, não podia esquecer agora e nunca mais. “Prometo, pela minha honra, fazer o melhor possível para...”, e a Lei? Difícil. Muito difícil para entender tudo, mas eu consegui. Saber que tinha de ser leal, ter uma só palavra, ser amigo de todos, irmão dos demais, ser puro nos meus pensamentos. Que lei! Mas ia prometer que faria tudo para obedecê-la. Meu uniforme estava pronto. Não sei quantas vezes o vesti alí no quarto e me olhava no espelho. Gostava do que via. Estava perfeito! Seria um orgulho de mim mesmo!

           O sábado chegou. Tomei um banho pensando. Era meu dia. O mais lindo dia da minha vida. No meu quarto coloquei peça por peça. Bem passado. Meu chapéu perfeito! Ensinaram-me as dobras do meião. Era a primeira vez. Na tropa só podíamos vestir o uniforme a partir da promessa. Lá fui eu rumo à sede. Assoviava baixinho. “De BP trago o espírito, sempre na mente!” Adorava esta canção. A turma estava lá, patrulhas em seus cantos. Sempre Alerta meus irmãos! Abraços. Era assim nossa Patrulha. O apito do Chefe. Bandeira! Ferradura! As bandeiras tremularam ao vento! Subiram aos céus dos escoteiros! Uma oração. Eu a fiz. Meus olhos cheios de lágrimas.

            Chefe! Tenho um patrulheiro para a promessa! Traga-o Marcio. Lá fui eu a frente com o Marcio. – Marley! Você está preparado? Sim Chefe! Meu corpo tremia. – Sabe a lei Escoteira e entende o seu significado? Sim Chefe, e sem ele esperar falei uma por uma. Todos assustaram. Nunca ninguém disse assim. A tropa Escoteira está de acordo com a promessa do Marley? Todos gritaram sim. Levante a mão direita, faça a meia saudação e repita comigo. Interrompi o Chefe. Poderia eu dizê-la sozinho por completo Chefe? Claro. – Estava ali, orgulhoso e agora não mais tremia – “Prometo, pela minha honra, fazer o melhor possível para: - Cumprir o meu Dever para com Deus e minha pátria, ajudar o próximo em toda e qualquer ocasião e obedecer à lei do Escoteiro”!

              Que dia meu Deus! Incrível! Meu lenço foi colocado, meu querido distinto de promessa que seria meu para sempre! Um certificado que mandei encadernar. Agora era um Escoteiro. Orgulhoso! Para sempre teria aquele dia na memória. O grito de Patrulha foi dado, abracei a todos com carinho, a tropa deu o Anrê. Que tarde linda, que beleza de vida! Como eu era feliz! Ser Escoteiro para sempre eu dizia para mim. Minha mãe apareceu, não sabia. A Mana também. Choravam de emoção.
Dizer mais o que? Foi o meu dia, um dia que jamais em toda minha vida esquecerei! Orgulho de ser Escoteiro! Claro, para sempre!             

domingo, 23 de setembro de 2012

Meu Amigo Fantasma, sua corneta, Zé Botina e muitas outras lambanças.



Boas lambanças de um passado distante.
Meu Amigo Fantasma, sua corneta, Zé Botina e muitas outras lambanças.

                Eu já disse e repito lambanças todo mundo tem. Alguns guardam para si, outros comentam em uma rodada de shope e eu gosto de contar aqui. Afinal hoje só posso fazer isto. Foram-se os dias de aventuras por este mundo afora. Agora vivo de lembranças e das lambanças que escrevo. Sei que tem muitos que não gostam e não acreditam. Paciência. Tem hora que eu mesmo tenho dúvidas. Risos. Já contei aqui várias. Algumas engraçadas outras não. Se não querem contar as suas me deixe com as minhas. Mais duas em duas épocas diferentes. Vamos a elas:

Primeira – 1961 – Mello Viana município de Coronel Fabriciano – MG – Eu o Chefe Carlos fundamos um Grupo Escoteiro. O Tapajós. Existente até hoje em Fabriciano. Carlos era da minha idade, dezenove anos. Conhecemo-nos na Usiminas onde trabalhávamos. Ele de Juiz de Fora, escola de Darcy Malta, um dos melhores escotistas que conheci. Resolvemos alugar uma casinha em Mello Viana. Uma república, (ainda solteiro na época) com mais dois ex-escoteiros. O Arlindo e o Mauro. O padre da paróquia se entusiasmou. O grupo começou com grande participação da comunidade. Conseguimos quatro barracões da prefeitura sem utilização próxima ao cemitério. Um dos lobinhos, um dos escoteiros, um dos sêniores e um da diretoria e almoxarifado geral. Em frente um campo de futebol. Melhor não acharíamos. Uma tarde jogávamos futebol só os chefes. Arlindo levou uma bolada no estomago e levado ao hospital morreu no dia seguinte vitima de hemorragia interna. Tinha tuberculose avançada. Não sabíamos.
Foi uma verdadeira epopeia levar o corpo na cidade de Manhumirim onde sua família residia. História que contarei proximamente. Uma semana depois começaram a nos dizer que uma noite sim e outras não, muitos instrumentos da fanfarra tocavam altas horas da noite na sede. Uma semana duas e na quarta depois de tantas reclamações, resolvi passar uma noite lá. Olhe, não sou corajoso, nada disto. Sou medroso sim. Mas mesmo molhando as calças não deixava um desafio para trás. Carlos se recusou a ir. Se fosse o Arlindo ele queria distância. Acho que foi a dentadura dele em cima do guarda roupa. Outra história. Onze da noite lá fui eu. Sozinho. Passei pelo cemitério e comecei a tremer. Abri a porta e entrei tremendo. Senti escorrer um liquido em minhas pernas. As luzes não acendiam. Tudo escuro. Um barulho tremendo de uma corneta no meu ouvido. Saí pela porta em disparada. Nem olhei para trás. Só parei na igreja. Calças totalmente molhada. O padre ainda acordado me perguntou – O Que houve Chefe Osvaldo? O Arlindo! – Mas ele morreu! – Pode ser que sim, mas o danado está na sede tocando corneta! O padre riu. Impossível! Só se for alma do outro mundo. Fomos para o interior da igreja. Rezamos juntos. Nunca mais fiquei sozinho na sede do grupo. Sempre de olho se ele não aparecia. Um ano para pararem de tocar a fanfarra na sede. Eu? À noite nunca mais!

Segunda – 1954 – Zé Botina tinha minha idade, treze anos. Não sei quantas brigas ouve entre nós dois. Pelo menos duas por semana. Não era Escoteiro. Tinha sua turma e quando me via sozinho eu virava um saco de pancadas. Eu revidava com duas ou três patrulhas quando o via só. Um dia vinha da sede quando vi uma grande confusão na Rua Peçanha. Encostei-me ao passeio junto a minha bicicleta. A polícia descia o sarrafo em uma turma e não sabia o motivo. Cassetete para todo lado. Zé Botina me viu e gritou! – Ele é da turma! – Maldito. Mesmo com treze anos virei um saco de pancadas dos policiais. Jurei vingança. Contei para os Lobos o que aconteceu. Uma noite Chiquinho chegou correndo. – “Bitelô” (meu apelido na época) Zé Botina vai para a sua casa sozinho. Seis valentes patrulheiros da Lobo lá foram correndo de bicicleta. Na descida do bairro Santa Terezinha o encurralamos. Tiramos sua roupa. Umas varadas no trazeiro que marcou. Pelado. Amarramos no poste da rua. O deixamos lá gritando. Cheguei em casa. Crise de consciência. Uma da manhã. Voltei lá. Tinha de ajudar. Não estava mais no poste. Voltei. Descendo a Rua Francisco de Assis, totalmente deserta lá estava Zé Botina com mais oito. Outra surra. Deixaram-me pelado na rua. Não me amarraram. Mas revidaram com as varadas. Escondendo aqui e ali cheguei em casa.
Os tempos passaram. Crescemos. As brigas nunca pararam. Mudei de cidade. Um dia no Porto de Tubarão em Vitória onde trabalhava, o Diretor me chamou. – Disse que precisava de um escriturário? Veja se este serve – A vida dá muitas voltas. Zé Botina em carne e osso. Ficamos amigos, acabou as brigas. Fui padrinho dele de casamento. O tempo passou. Nunca mais o vi. Soube que se alistou na Legião Estrangeira. Era seu sonho ser um legionário. Risos. Não sei se era verdade. Mas gostaria de vê-lo novamente. Saudades do Zé Botina!