Crônicas de um Chefe Escoteiro.
Em meus sonhos volto sempre a Gilwell.
Dizem que passado é passado. Ficou para a história. É página virada no livro da
vida. Uma utopia que como o vento vem e vai. Pode ser em Xangri-la, pois só lá
os sonhos se realizam. Quem sabe. Cada um tem uma maneira de pensar. Tem
aqueles que analisam tudo friamente, outros intelectualmente e eu com o
coração. Não sei escrever sem por um pouco de fantasias e ilusões e crendices
em minhas palavras. Ouve uma época, não sei se foi antes ou depois de Cristo –
Risos desculpem. Mas houve uma época em que se esperava tudo de um Escotista
portador da Insígnia de Madeira. Qualidades técnicas, conhecimentos,
experiência, e o melhor de tudo, o exemplo. Você não ia ver um Escotista com
Insígnia se portando de maneira inadequada. Nunca. Ele sempre tinha um porte
altivo sem ser antipático e que alguns que não o conheciam se sentiam
constrangidos. Eu o via como destemido, ou melhor, um catedrático em escotismo.
Afinal ele já era um docente no escotismo. Tinha que se portar como tal.
Esquecer o abraço? O sorriso? O primeiro Sempre Alerta firme para mostrar que
estava mais alerta que os demais? Sim, eram assim os Insígnias que eu conhecia
no passado. Sei que havia outros, mas não é destes que gostaria de falar. Eles
não foram exemplos de que nós escoteiros esperávamos. Insígnia ou não somos irmãos
e amigos dos demais.
Davam gosto ver seu porte, seu olhar, alguns se sentindo escotistas de Giwell,
outros se sentindo mais próximo da perfeição que nunca terminava, pois sabiam
que um dia uma volta a Giwell ia acontecer. “Volta a Giwell terra boa, um curso
assim que eu possa eu vou tomar”. Ele ou ela sabiam que seus conhecimentos
precisavam de mais. De mais e mais. Ele ou ela sabiam que suas sessões agora
seriam exemplo, mais olhadas, mais vistas e mais cobradas. Sabiam que seus
uniformes deviam ser impecáveis. Nada de invenções. Quando você via um ou uma,
com seu porte altivo, seu lenço bem dobrado, seu anel bem colocado, colarinho
abotoado, uniforme bem passado, seu cinto brilhando, o orgulho do sapato
engraxado você sorria. Ali está mesmo um membro de Giwell.
Quando você convidava um para lhe ajudar em um curso qualquer, ele olhava na
agenda. Diferente de hoje. Olhe Chefe preciso ver. Posso dar uma resposta outro
dia? Temos acampamento, ou temos excursão ou prometi aos jovens participar com
eles para assistir um filme no shopping. Era assim. Não saiam correndo e
aceitando e dizendo aos quatros ventos – Agora sou da equipe! Nada disto. E
quando você visitava suas sessões? Dava gosto de ver. A gente sabia que seu esforço
pessoal em aprender não foi uma ficção. A gente sabia que os livros de Baden
Powell não foram encadernados e colocados no fundo do armário. Claro, eram
outros tempos. Sei e me desculpem os amigos insígnias de hoje. Conheço centenas
deles hoje que nada ficam a dever daqueles do passado. Eles quando se
apresentam sabem que muitos sentem orgulho de suas sessões escoteiras. A eles,
os de hoje meus parabéns.
Entretanto tem alguns que não “pegaram” (termo de BP) o sentido da coisa. O que
são. Suas responsabilidades. Ou quem sabe agora com o modernismo que dizem por
aí, amarrar o lenço de Giwell no pescoço e sair por aí de chinelo, ou sandália.
Será que eles também acreditam que é moda até para um Insígnia? Lembro quando
se recebia o certificado e lenço a gente tinha um arrepio na espinha, a gente
tremia, e pensava, agora será tudo diferente. Tenho que ser mais do que era. Em
questão de minutos e segundos a gente se transformava.
Hoje fico triste em saber que temos muitos irmãos Insígnias de Madeira que se
foram. Não estão mais na ativa no escotismo. Cada um com seus motivos. Com a
falta que temos de mão de obra Escoteira qualificada é triste ver este
abandono. Eu sei que nossos dirigentes não pensam como eu. Para muitos
dirigentes se foram nada mais que um adeus e pronto. Fico pensando se tivéssemos
em cada direção regional ou nacional, uma pequena equipe de arregimentação? Ir
atrás deles. Quanta experiência jogada fora. Porque Chefe? Volte conosco.
Precisamos de você! Ajude-nos a mudar! Ajude-nos trazendo sua experiência. Mas
para isto acontecer precisaríamos ser mais flexíveis, mais humildes, aprender
de novo a ouvir. Saber como entender posições antagônicas. Isto seria possível?
Fico pensando e buscando no fundo de minhas memórias. Quantos de nós ainda
vivos somos? Quantas Insígnias têm em nosso país? Quantas são entregues por
ano? É sonho pensar que se pelo menos boa parte dos membros adultos atuantes em
sessões poderiam ser mais um de nós como seria maravilhoso? Basta querer? E
meus amigos já pensaram se todos um dia pudessem se reunir em uma maravilhosa
reunião de Giwell, centenas ou milhares deles, de todas as partes do Brasil,
não importando suas ideias, suas ideologias, e abraçados, com as mãos
entrelaçadas, cantando com orgulho nossas canções de Giwell? Fico pensando, se
estivéssemos em uma clareira qualquer, em volta de uma fogueira, sentindo o
calor do fogo e da fraternidade presente, as brasas aos poucos adormecendo, as
fagulhas lânguidas e serenas subindo aos céus, todos nós fecharemos os olhos e
iremos lembrar que o escotismo foi e sempre será nossa vida, nosso amor. Ele
sempre estará presente na nossa mente, na nossa alma e em nosso coração. Ah BP!
De você trago o espírito, sempre na mente, junto de mim e no meu coração
estará!
Lembranças. Eternas lembranças. Elas nunca se apagam. E nos meus sonhos, nos
meus devaneios, lá naquela clareira enluarada um violão toca. Lindamente as
notas são repicadas e todos começam a cantar, são milhares de Insígnias juntos
de mãos entrelaçadas, cantando sobre o manto azul do céu, sobre o brilho das
estrelas iluminando ali os corações de todos os presentes. É, é bom sonhar.
Porque não?
“Em meus sonhos volto sempre a Gilwell
Onde alegre e feliz eu acampei
Vejo os fins de semana com meus velhos
amigos
E o campo em que eu treinei “
“É mais verde a grama lá em Gilwell
Onde o ar do Escotismo eu respirei
E sonhando assim vejo B-P
Que sempre viverá ali”
Canção de Gilwell
Letra e Música: Ralph Reader
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